Blog do Santayana,12 de fevereiro de 2016
A República dos burocratas e o poder político
Por Mauro Santayana
Um procurador do Ministério Público, do Estado de Goiás, usando de argumentação e justificativa claramente políticas, que refletem - sem esconder apaixonada ojeriza - sua opinião a respeito do atual governo, manda tirar do ar a campanha das Olimpíadas.
Outro
procurador, ligado à Operação Lava Jato, afirma que é preciso, no contexto do
trabalho realizado no âmbito da mesma operação, “refundar a República”.
Ora,
não consta na Constituição Federal, que o Ministério Público, tenha entre suas
atribuições, refletir a opinião pessoal - e muito menos partidária, que lhes é
vetada - de seus membros, ou a de “refundar a República”.
A
República, organizada enquanto Estado, fundamenta-se na Lei, e um de seus principais
guardiões é, justamente, o Ministério Público, a quem cabe obedecer à
Constituição Federal, até que esta, eventualmente, seja mudada em Assembleia
Nacional Constituinte.
Se
alguns procuradores do Ministério Público querem “refundar” a República, que,
do modo que está, parece não ser de seu feitio, o caminho, em nosso atual
regime, é outro:
Cabe-lhes
lutar, como cidadãos, pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
E,
depois, quem sabe favorecidos pela notoriedade alcançada pela espetacularização
de certas “operações” em curso, abandonar a carreira e passar a exercer – o que
também lhes é vetado enquanto não o façam – atividade político-partidária.
Candidatando-se,
finalmente, ao posto de deputados constituintes, para mudar o texto constitucional,
e, por meio deste, a Nação.
Há
um estranho fenômeno, neste Brasil dos últimos tempos, que é o de que
funcionários da estrutura do Estado se metam a querer tutelar politicamente a
Nação, principalmente quando a atividade política lhes é – sábia e claramente –
vetada pela própria carreira.
Falta-lhes
mandato para fazê-lo, ou para “salvar o Brasil”, embora, aproveitando-se da
criminalização geral da atividade política e de campanhas destinadas a
angariar, de forma corporativa, apoio na opinião pública para suas teses - o
que inclui tentar legislar indiretamente - eles continuem insistindo nisso,
como se organizados estivessem em verdadeiros partidos.
Neste
caminho, confundem-se – em alguns casos, quem sabe, propositadamente - alhos
com bugalhos, e pretende-se transformar em crime o que não passam de atos
inerentes à própria atividade política.
Esse
é o caso, agora, por exemplo, do fato de a imprensa pretender transformar em
denúncia a afirmação do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em sua
peça contra o Deputado Wander Loubet, encaminhada ao STF, de que Lula teria
dado pessoalmente “ascendência” ao Senador Fernando Collor, sobre a BR
Distribuidora, em 2009, em troca de “apoio para o governo no Congresso”.
Ora,
não é possível acreditar que o nobre Procurador tenha estranhado, ou queira
transformar em fato excepcional e muito menos em crime – caso isso tenha mesmo
ocorrido, o que já foi desmentido pelo ex-presidente - a nomeação de membros de
um ou de outro partido para a diretoria de uma empresa pública, em um regime
presidencialista de coalizão.
Crime
existirá – e deve ser exemplarmente punido - se for efetivamente,
inequivocamente, provado, o eventual desvio de dinheiro do erário pelos que
foram, então, indicados, para cargos nessa empresa.
O
resto é Política, no sentido de uma prática que vem se consolidando desde que
os homens começaram a se reunir em comunidade, e, em nosso território, desde as
Capitanias Hereditárias, quando, em troca também de apoio político a El Rey, na
Metrópole, nobres eram indicados para a exploração de nossas riquezas; passando
pelo Império, em que partidos e políticos eram apoiados ou indicados pelo
imperador de turno em troca de fidelidade; pela República Velha; por Getúlio
Vargas e o Estado Novo; por JK à época da construção de Brasília; pelo regime
militar, que nomeava até prefeitos de capitais e senadores biônicos, pelo
governo do próprio Fernando Collor; pelos de Itamar Franco e de Fernando
Henrique Cardoso, pelos governos de Lula e de Dilma Roussef, que não teriam
como governar – sem apoio do Congresso ou de determinadas parcelas do eleitorado
- se não tivessem assim agido.
Afinal,
os partidos políticos existem para disputar, conquistar e ocupar o poder no
Estado, para fazer obras ou levar, em troca de votos e de simpatia, por meio de
projetos e programas, benefícios à população, e disputam e negociam entre si
cargos e pedaços da estrutura pública para atingir tais objetivos.
Essa
é a essência da Democracia – um regime imperfeito, cheio de defeitos, mas que
ainda é o melhor que existe, entre aqueles que surgiram ao longo dos últimos
2.500 anos, e, fora isso, só existem, na maioria das vezes, ditaduras nuas, duras e cruas, em que a
negociação é substituída pela vontade, o arbítrio e o terror dos ditadores.
Vivemos
em tempos em que não basta destruir-se, institucionalmente, a Política, como se
ela fosse alguma coisa à parte do país e da sociedade, e não um instrumento – o
único que existe - para a busca do equilíbrio possível entre os vários setores
sociais, grupos de interesse e a população.
Agora
se pretende criminalizar também a prática política, como se alianças entre
diferentes partidos ou a nomeação de pessoas para o preenchimento de cargos de
confiança, ou a edição de medidas provisórias – destinadas a assegurar milhares
de empregos em um momento de grave crise econômica internacional - fossem, em
si mesmos, crimes, e não, como são em qualquer nação do mundo, atos normais e
corriqueiros de negociação política e de gestão pública.
Obviamente,
seria
melhor que as agremiações políticas se reunissem apenas em torno de
ideias, propostas e bandeiras e não de cargos, verbas, empresas, mas
quem ocupa
o poder tem a prerrogativa de indicar quem lhe aprouver ou contar com
sua
confiança e se for para se mudar isso, qualquer mudança terá que ser
feita no Poder Legislativo, por deputados e senadores, que para isso são
escolhidos, por meio do voto, por seus eleitores.
O
que está ocorrendo hoje é que, com a cumplicidade de uma parte da mídia,
voltada para a deseducação da população quanto ao Estado e à cidadania, há
funcionários públicos que, longe de se submeter ao poder político – e na
ausência de votos, que não têm - pensam que foram guiados pela mão de Deus na
hora de preencher as respostas dos exames em que foram aprovados, tendo sido
assim ungidos pelo altíssimo para assumir o destino de comandar o país e
corrigir os problemas nacionais, que não são – e nunca deixarão de ser -
poucos.
A
situação chegou a tal ponto de surrealismo que alguns espertos e os imbecis que
os secundam na internet, parecem querer dar a impressão de que a solução para o
país seria acabar com as eleições e os partidos e fazer concurso para
vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, ministros do Supremo
Tribunal Federal – essa última “sugestão” se multiplica por centenas de sites e
redes sociais - e para Presidente da República.
Substituindo,
assim – como se tal delírio fosse de alguma forma possível - a soberania
popular pela “meritocracia” e o suposto saber e competência de meia dúzia de
iluminados que entraram muitos deles, na carreira pública, por ter dinheiro
para pagar cursinhos e na base da decoreba para passar em exames - criados por
empresas e instituições terceirizadas, que ruborizariam - pelo estilo e forma
como são elaborados - um professor secundário dos anos 1950.
Afinal,
para parte da burocracia atual - à qual se poderia acrescentar, sem medo de
exagerar no erro, um “r” a mais, do ponto de vista de seu entendimento prático
e histórico do que é e de como funcionam nosso sistema político e a própria
Democracia - o povo brasileiro é visto como uma massa amorfa e ignorante, que
não sabe, nem merece, votar, e que dá o tom do nível intelectual e de
“competência” daqueles que chegam eleitos, ao Executivo e ao Legislativo.
Tudo
lindo, maravilhoso.
Se
não
fossem, boa parte das vezes, péssimos os serviços prestados à população
por
essa mesma burocracia; se os cidadãos não estivessem conscientes da
importância
do direito de voto de quatro em quatro anos; se o artigo primeiro da
Constituição Federal não rezasse que todo o poder – mesmo o dos
burocratas de
qualquer tipo - emana do Povo e em seu nome deve ser exercido; se não
houvesse
carreiras que pagam quase 100 vezes mais do que ganha um trabalhador da
base da
pirâmide social - recente matéria do Jornal o Estado de São Paulo,
mostra que, com mordomias, férias, etc, e verbas indenizatórias de todo
tipo, há aposentados do STJ recebendo mais de 100.000,00, que há
subprocuradores-gerais da República, ganhando uma média de mais de
62.000,00 reais por mês, e que mais da metade dos procuradores e
subprocuradores recebem acima do teto constitucional (o juiz Sérgio
Moro, também); e, finalmente, se mais de 600 funcionários concursados
não tivessem sido
demitidos, no ano passado, a bem do serviço público, só na esfera
federal, por
crimes como prevaricação, peculato, extorsão, corrupção, etc.
Afinal,
para o bem da população - que pode votar sem exigir diplomas de seus candidatos
- passar em concurso – por mais que pensem o contrário muitos brasileiros - não
é selo nem garantia de honestidade, nem de caráter, nem de sanidade mental, nem
de compromisso com o bom senso, ou com o futuro, com a soberania, o
desenvolvimento e a dignidade da Nação.
O
pior é que esse crescente ativismo de
certa parcela do Ministério Público, não é mais do que a ponta do iceberg da
atuação, também política, de segmentos mais conservadores de outras áreas do
Estado, ligadas, principalmente, ao Judiciário e à segurança, cujo
comportamento, no frigir dos ovos, tem sido igualmente deletério para a
sociedade brasileira.
Nas
investigações contra a corrupção em curso, começa-se atingindo
"preventivamente", na base da pressão, a cúpula das grandes empresas.
Com
isso, grupos empresariais – principalmente os nacionais - perdem bilhões,
quando não dezenas de bilhões de reais em valor de um dia para o outro,
derrubando o preço de suas ações e destruindo a riqueza e o patrimônio de
milhares de acionistas que não tem nada a ver com isso.
Só
o BTG, por exemplo, desvalorizou-se, logo após a prisão de André Esteves, em 10
bilhões de reais e, na Petrobras,
sejamos francos, o prejuízo institucional das acusações que envolvem a empresa –
“corroboradas” por “isentas” “consultorias” estrangeiras - será dezenas de
vezes maior do que o dinheiro efetivamente, comprovadamente, desviado, ou eventualmente recuperado no futuro.
A
segunda consequência da onda de punibilidade a qualquer preço, definida, muitas
vezes, por funcionários que gozam de estabilidade, quando não de vitaliciedade
no cargo, e de altos salários que os colocam a salvo dos problemas que costumam
assolar os comuns mortais, é a
deterioração imediata das condições de crédito dos grupos empresariais
atingidos pelas investigações, com o súbito encarecimento de suas operações e
do capital de giro, e a necessidade de demitir centenas, milhares de
funcionários para cortar custos.
A
terceira consequência é a entrega a preço vil de seus ativos, com a venda de
operações e de parte de seus negócios, muitas vezes a estrangeiros, a preço de
banana, com o aprofundamento da desnacionalização de parcela significativa da
economia brasileira, e o repasse, principalmente na engenharia, de know-how
tecnológico desenvolvido ao longo de décadas, ou a simples destruição - pelo
desemprego - de mão de obra altamente qualificada, que deixa de trabalhar de
repente e é obrigada a mudar de atividade, ou incentivada a se transferir para
o exterior.
A
quarta onda da destruição de riqueza provocada pela tomada de decisões que
buscam punir imediatamente empresas e eventuais envolvidos, sem obedecer aos
princípios de presunção de inocência e de ampla defesa, e sem medir, com um
mínimo de bom senso, o alcance das consequências das decisões tomadas no âmbito
do MP e do Judiciário é, finalmente, a paralisia, ou definitiva interrupção, de
dezenas de projetos estratégicos em que a Nação já investiu centenas de vezes o
que se investiga em corrupção, ou os valores efetivamente localizados até
agora, projetos estes que, nas áreas de energia, infraestrutura e defesa, vão
do submarino nuclear brasileiro ou de nossa base e estaleiro de submersíveis,
ao domínio pelo país do ciclo do enriquecimento de urânio; passando pelo
desenvolvimento conjunto com a Suécia de aviões de caça de última geração, que
a Força Aérea Brasileira espera há décadas; para não falar em portos como de
Açu; obras como a Transposição do São Francisco; refinarias como a Abreu e Lima;
complexos petroquímicos como o Comperj, plataformas e sondas petrolíferas como
as da Sete Brasil, numa fúria investigativa que lembra a sanha do Lobo contra o
Cordeiro - embora nessa história não haja lobos nem cordeiros - se não foi o
triplex, foi a consultoria, se não foi a consultoria, foi o sítio, se não foi o
sítio, foi a medida provisória, se não foram os aviões Gripen, foi o BNDES, se
não foi o BNDES, foi a Petrobras, se não foi a Petrobras, foram as reformas de
Dona Marisa - que até mesmo os cegos veem que têm parcial e seletiva conotação,
e dirigidas intenções e consequências,
não apenas do ponto de vista econômico, mas, principalmente, no âmbito
político, destruindo riqueza, conhecimento e valor, e desestabilizando a
República, a Nação e a governabilidade.
Enquanto
se investiga o “triplex” de 300.000, 350.000 reais do ex-presidente Lula, que,
em última instância pode, desde que não infrinja a lei, fazer o que quiser
depois que saiu, há mais de 5 anos, da Presidência da República - há coisas que
seus inimigos podem considerar imorais mas que não são ilegais - deixa-se de investigar o “quadriblex” - os quatro
bilhões de reais - em impostos que deixaram de entrar nos cofres públicos,
porque foram "perdoados" pelos conselheiros do CARF, para o Santander - um banco várias
vezes investigado em seu país por problemas e falcatruas e que passou a perna
em milhares de aposentados do Banespa – no âmbito da mesma operação Zelotes.
Tenho
o maior respeito pelo Ministério Público, onde conto com vários amigos.
Mas,
proibidos de exercer atividades político-partidárias pela Constituição Federal,
membros do MP não podem - aproveitando-se justamente dessa circunstância que
serviria para mascarar suas intenções - seguir tomando atitudes decisivamente
políticas, com profundas consequências para o país, a Nação e a população
brasileira.
Desqualificando,
premeditada e intencionalmente, nesse processo, a atividade política e a
partidária e aqueles que foram eleitos pela população para exercê-las no âmbito
do Legislativo e do Executivo da União, estados e municípios.
Até
porque a decisão de criar o MP foi - não nos esqueçamos - uma decisão política.
E
o Congresso tem poder para corrigir os eventuais excessos dessa instituição, ou
até mesmo - em última instância - para extingui-la em uma eventual Assembleia
Nacional Constituinte, substituindo-a por outro instrumento que funcione com
maior entendimento e respeito às atribuições e prerrogativas dos
diferentes elementos que compõem a estrutura do poder público em nossa
sociedade.
Mais
uma vez, nunca é demais lembrar, todo o poder emana do Povo e em seu nome deve
ser exercido.
Mais
equilíbrio e bom senso, caros senhores. Cada um em seu quadrado, ou o país vai
para a cucuia, ou melhor
dizendo, pras cucuias. Cada um no seu quadrado.
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