G1,
04/02/2016
O preconceito de Soninha Francine
Por Helio Gurovitz
Vereadora Soninha Francine, hoje coordenadora de políticas para diversidade sexual do Estado de São Paulo, prestou a primeira fase do vestibular da Fuvest no final do ano passado, para cursar gestão em políticas públicas na Universidade de São Paulo, depois desistiu de fazer a segunda fase. De acordo com a colunista Mônica Bergamo, do jornal “Folha de S.Paulo”, Soninha criticou a prova nos seguintes termos: “É absurdo uma pessoa que quer jornalismo ou geografia precisar saber calcular um cosseno”.
Formada em cinema pela própria USP, Soninha já publicara, em sua página no Facebook, um desabafo a respeito do vestibular. Elencava outras exigências que considerava absurdas, como funções logarítmicas, dilatação de gases, densidades de fluidos, geração de energia eólica e coisas do tipo. “Milhares de aspirantes às vagas de jornalismo, história, sociologia, psicologia, letras, direito, arquitetura, geografia etc. também serão frustrados em sua intenção de estudar na USP por causa dessa insanidade”, escreveu. O vestibular, dizia, se tornou um suplício, um tormento com “matérias inúteis”, indispensáveis por apenas cinco horas – e para nunca mais.
É lamentável que alguém popular entre os jovens, com uma mente aberta para tantas questões do mundo contemporâneo, seja incapaz de valorizar a importância do estudo. A ignorância de Soninha é flagrante, como ela mesma admite. Sem saber o que é um cosseno, nenhum aluno de geografia jamais entenderá o que são latitude e longitude, nenhum arquiteto conseguirá desenhar nem mesmo uma planta simplória, nenhum jornalista terá condição de entender notícias triviais de astronomia. Para não falar nos próprios cineastas, que precisam calcular efeitos de luz ou fazer animações no computador.
Não apenas a trigonometria é um conhecimento fundamental em várias profissões. Ideias da matemática estão presentes em praticamente todas as atividades humanas contemporâneas, da literatura de David Foster Wallace às taxas de juros ou desemprego. Muitos dos problemas brasileiros podem ser atribuídos ao desconhecimento de matemática trivial por parte da população e, sobretudo, dos políticos. Dominar estatística, juros compostos e ordem de grandeza faz uma enorme diferença na hora de avaliar políticas públicas ou medidas econômicas.
É lamentável que alguém popular entre os jovens, com uma mente aberta para tantas questões do mundo contemporâneo, seja incapaz de valorizar a importância do estudo. A ignorância de Soninha é flagrante, como ela mesma admite. Sem saber o que é um cosseno, nenhum aluno de geografia jamais entenderá o que são latitude e longitude, nenhum arquiteto conseguirá desenhar nem mesmo uma planta simplória, nenhum jornalista terá condição de entender notícias triviais de astronomia. Para não falar nos próprios cineastas, que precisam calcular efeitos de luz ou fazer animações no computador.
Não apenas a trigonometria é um conhecimento fundamental em várias profissões. Ideias da matemática estão presentes em praticamente todas as atividades humanas contemporâneas, da literatura de David Foster Wallace às taxas de juros ou desemprego. Muitos dos problemas brasileiros podem ser atribuídos ao desconhecimento de matemática trivial por parte da população e, sobretudo, dos políticos. Dominar estatística, juros compostos e ordem de grandeza faz uma enorme diferença na hora de avaliar políticas públicas ou medidas econômicas.
O problema na visão de Soninha não se reduz, contudo, apenas à ignorância. Reflete também o preconceito corrente na sociedade brasileira – e não apenas nela – a respeito do conhecimento de matemática e das ciências conhecidas como “duras”, ou “exatas”. Ninguém é obrigado a saber tudo aquilo que Soninha considera dispensável. Mas não pode se orgulhar disso. Ninguém se orgulha de cometer erros de ortografia. Por que então tanta gente, como Soninha, se orgulha de ser ignorante em matemática e ciências afins? O verdadeiro absurdo das declarações de Soninha é o grau de arrogância que revelam.
Parte da responsabilidade por isso cabe aos próprios cientistas, que transformaram o conhecimento numa doutrina acessível apenas a iniciados. Ao longo do século XX, a cisão no universo intelectual entre mentes “literárias” e “científicas”, entre “exatas” e “humanas”, deixou sequelas profundas. Depois do século XIX, em que obras monumentais de cientistas como Sigmund Freud ou Charles Darwin eram notáveis também pelo talento literário de seus autores, o texto científico adquiriu seu caráter seco, formal e hermético.
Paralelamente, o mundo artístico passou a desprezá-lo como dispensável. Numa conferência influente de 1959, intitulada As Duas Culturas, o físico e romancista C.P Snow lamentava esse divórcio. Um escritor incapaz de entender as ideias de Einstein, dizia Snow, é tão limitado quanto um engenheiro que ignora o valor de Shakespere. Continuou a haver exceções de ambos os lados. Entre os cientistas, nomes como o paleontólogo americano Stephen Jay Gould ou o neurologista britânico Oliver Sacks. Entre os literatos, o já citado David Foster Wallace ou Thomas Pynchon. Em geral, contudo, a opinião corrente reflete os preconceitos de Soninha.
O cineasta George Lucas, da série “Guerra nas Estrelas”, foi um péssimo aluno de matemática, até entender que o problema era a forma como a disciplina era ensinada. Hoje dedica milhões de sua fortuna a aperfeiçoar o ensino de matemática e ciências. “Em vez de dizer ‘aprenda matemática’, você diz: ‘quero que você construa um avião, mas tem de ser um avião de verdade, porque vamos simulá-lo num computador; então você precisa aprender toda a ciência, toda a matemática e todo o necessário para ajudá-lo a construir esse avião’ ”, disse Lucas numa entrevista. “Então eles aprendem, porque precisam como ferramenta e sabem por que estão aprendendo.”
Paralelamente, o mundo artístico passou a desprezá-lo como dispensável. Numa conferência influente de 1959, intitulada As Duas Culturas, o físico e romancista C.P Snow lamentava esse divórcio. Um escritor incapaz de entender as ideias de Einstein, dizia Snow, é tão limitado quanto um engenheiro que ignora o valor de Shakespere. Continuou a haver exceções de ambos os lados. Entre os cientistas, nomes como o paleontólogo americano Stephen Jay Gould ou o neurologista britânico Oliver Sacks. Entre os literatos, o já citado David Foster Wallace ou Thomas Pynchon. Em geral, contudo, a opinião corrente reflete os preconceitos de Soninha.
O cineasta George Lucas, da série “Guerra nas Estrelas”, foi um péssimo aluno de matemática, até entender que o problema era a forma como a disciplina era ensinada. Hoje dedica milhões de sua fortuna a aperfeiçoar o ensino de matemática e ciências. “Em vez de dizer ‘aprenda matemática’, você diz: ‘quero que você construa um avião, mas tem de ser um avião de verdade, porque vamos simulá-lo num computador; então você precisa aprender toda a ciência, toda a matemática e todo o necessário para ajudá-lo a construir esse avião’ ”, disse Lucas numa entrevista. “Então eles aprendem, porque precisam como ferramenta e sabem por que estão aprendendo.”
É mais que razoável criticar os métodos de ensino de matemática e ciências, ou a forma como esses conhecimentos são cobrados no vestibular. Mas o fato de alguém não conhecer algo não o torna inútil ou dispensável. Apenas revela como, por trás de palavras belas ou da indignação, há tão-somente mentes obturadas para a diversidade do intelecto humano. Não há vergonha alguma na ignorância. A vergonha é orgulhar-se dela, em vez de remediá-la.
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