sábado, 13 de fevereiro de 2016

Livro: 'Ascensão e queda do crescimento americano'

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/02/1739125-para-sociologo-desigualdade-freia-desenvolvimento-dos-eua.shtml




Folha.com, 13/02/16



Desigualdade freia avanço dos EUA, afirma psicólogo


ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO



Os Estados Unidos experimentaram um avanço excepcional entre o fim da Guerra Civil (1861-1865) e 1970. Inovações revolucionaram a forma de viver e políticas públicas criaram uma pujante sociedade de consumo de massas, com inclusão social.

Foi um feito único, sem paralelo na história mundial e não se repetirá.

Desde então, porém, o crescimento perdeu o ímpeto. A desigualdade astronômica freia o desenvolvimento. Há regressões, pioras em indicadores de qualidade de vida, empregos ruins, educação cambaleante, saúde cara e precária, pobreza crescente.

Um exemplo: mulheres brancas sem diploma universitário perderam cinco anos na sua expectativa de vida entre 1990 e 2008 – um declínio comparável ao que viveram as russas quando acabou a União Soviética e o caos tomou conta do país. A mortalidade feminina cresce em mais de 40% dos distritos norte-americanos.

Para enfrentar seus problemas, o país terá que reduzir as desigualdades: taxar os mais ricos, aumentar os salários, investir em políticas públicas e discutir temas como a legalização das drogas e o rígido sistema de encarceramento – que dilacera especialmente as famílias mais pobres.

É o que defende o sociólogo Robert J. Gordon em "The Rise and Fall of American Growth" [ascensão e queda do crescimento americano]. É um trabalho de muito fôlego, recheadíssimo de estatísticas, com referências culturais e sem medo de atacar ícones, como o das maravilhas da sociedade digital.

Para ele, a chamada terceira revolução industrial, essa que trouxe os computadores, celulares e quejandos, tem importância menor do que a segunda. Essa, sim, desde o final do século 19, modificou definitivamente o modo de viver, com a eletricidade, água encanada, o automóvel, o telefone, o avião.

Apesar da avalanche cotidiana de novos produtos, a mudança que veio com a digitalização tem um ritmo mais lento, menos abrangente, mais concentrado em entretenimento e comunicação, defende o autor. "Queríamos carros voadores, mas, em vez disso, temos 140 caracteres" – já disse o empresário norte-americano Peter Thiel.

Ou, como afirmou o jornalista Robert Cringely, "se o automóvel tivesse seguido o mesmo desenvolvimento que o computador, um Roll Royce custaria hoje US$ 100, rodaria um milhão de milhas com um galão e explodiria uma vez por ano com todo mundo dentro".

Com toques assim de crítica, ceticismo e bom humor, o livro vai do campo de batalha da Guerra Civil, onde os soldados experimentaram inovações como o leite condensado, até o lançamento do último iPhone. O foco do autor, professor de ciências sociais da Universidade de Northwestern, é o cotidiano.

Da moda dos vestidos importados da Europa – como os de Scarlett O'Hara nos primórdios de "...E o Vento Levou"– ele salta para as vendas de catálogo – embriões de megas cadeias varejistas –, passando pelas oficinas de trabalho análogo à escravidão.

Vestuário, habitação, saúde, alimentação, educação, transporte, entretenimento, jornalismo – uma variedade de temas é esmiuçada. Há dados para todos os gostos: sobre consumo de calorias, horas trabalhadas, tempo gasto com lazer, viagens de trem e de avião. Por vezes, o leitor se sente quase afogado em tantos números.

A obra tem uma face quase enciclopédica, relatando, por exemplo, a história das principais invenções. Mas também traz um tom analítico. Gordon avalia que o New Deal, de Franklin Roosevelt, e a Segunda Guerra Mundial desempenharam um papel vital para a emergência da economia norte-americana.

Ressalta a importância dos investimentos estatais – em infraestrutura (estradas, oleodutos, pontes), educação pública e em fábricas. Um só dado: o número de máquinas-ferramenta dobrou nos EUA entre 1940 e 1945 "e quase todos esses novos equipamentos foram pagos pelo governo", conta o sociólogo.

A narrativa abre algum espaço para conflitos cruciais na história do avanço norte-americano. Rememora como, no início do século 20, eram deploráveis as condições sanitárias da produção industrial de alimentos – como reportou Upton Sinclair no seu clássico "The Jungle" (1906).


Foram protestos de mulheres, exigindo controle estatal sobre a qualidade da comida, que provocaram a criação do embrião da agência do setor, a Food and Drug Administration – que hoje estabelece padrões de fabricação e consumo.

Sem desprezar os enormes avanços na área científica, especialmente na medicina, Gordon observa como a maioria da sociedade está à margem das melhorias: o sistema de saúde é caríssimo, está mercantilizado e oferece baixa cobertura à população.

Abrangente e audacioso, o livro tem mais vigor quando trata do passado, antes da década de 1970. Mesmo sem uma análise mais contundente em alguns aspectos (o sistema financeiro é um ponto cego no trabalho), a obra traça um panorama diversificado e preocupante sobre o líder mundial.

The Rise and Fall of American Growth
AUTOR Robert J. Gordon
EDITORA Princeton University Press
QUANTO R$ 92 na amazon.com.br (784 págs.)
AVALIAÇÃO Muito Bom

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