As pessoas gostam é do escândalo; não da verdade
Por Fábio Moon
ma·le·di·cên·ci·a
substantivo feminino
1. Qualidade de quem é maledicente.
2. .Ato de dizer mal. = DIFAMAÇÃO, MURMURAÇÃO
Em se tratando de relações entre pessoas, poucos assuntos são tão clichês e pantanosos quanto a maledicência. Eu não arriscaria dizer que o ato de falar mal dos outros faz parte da condição humana, mas é uma prática que seguramente remonta a tempos imemoriais. Um bom indício disso é o fato da maledicência ser o 8º dos dez mandamentos bíblicos (“Não levantar falsos testemunhos”), o que dá boas pistas de que já por volta de 1.500 A.C. (época estimada em que Moisés teria vivido) o ato de difamar já acontecia turbinadamente.
Independente da maledicência derivar do meio cultural ou da educação do indivíduo ou ainda do seu caráter, o fato é que o boato escandaloso é sempre muito atraente. Ele causa um choque por ser uma mistura fervilhante de surpresa com revelação ou suposta descoberta de segredo maquiavelicamente bem guardado até então. E o canto irresistível da sereia da ilha maledicência é de uma receptividade divina, pois ele não rejeita ninguém; aqui não valem distinções por classe social, nível cultural, cor da pele, gênero, nada! Em todos os níveis da vida em sociedade a difamação atrai as pessoas como roupa branca atrai sujeira.
Sempre achei muito curioso na maledicência o fato de as pessoas se disporem mais a dissecar o escândalo, que a procurar a verdade. Revirar a difamação, gastar horas ou dias fazendo mais prejulgamentos, suposições maliciosas e repassando a mentira dão mais prazer que tentar descobrir a verdade, mesmo que essa última esteja a um ou dois e-mails ou telefonemas de distância. Nesse caso, a verdade tem o mesmo efeito da descoberta do segredo do truque do ilusionista: tira a graça do espetáculo e faz com que voltemos à nossa vidinha cotidiana medíocre. Mas ninguém quer isso! Então, por favor: mais lenha na fogueira...
Outra característica singular e perversa das maledicências é que muitas vezes os supostos indícios miseravelmente utilizados como provas irrefutáveis, quando ocorridos em outras circunstâncias ou com outras pessoas, são vistos como atos corriqueiros e insignificantes. Isso evidentemente nos diz que a questão está menos nos atos e mais nos filtros diferentes com que eles são vistos, em que seus donos não reconheceriam noções básicas de escrúpulos, de moderação e de prudência nem se fossem atropelados pelos três. Mas então por que Tício é difamado e Mévio não, se cometeram o mesmo ato? Ou posso ter mais interesse por Mévio e menos simpatia por Tício, ou posso ter mais interesse (ou prazer) em ver Tício sofrer.
Contudo, o primeiro dono daqueles filtros – o Stephen King da difamação - muitas vezes ganha automaticamente mais crédito que o difamado simplesmente por ser o autor da ficção difamatória. É um dos raros casos em que queimar a largada resulta em aplausos efusivos dos juízes. Nesse ponto, muitas vezes a sedução irresistível da maledicência também faz com que o difamador ganhe destaque, ou pior: que desapareça na fumaça resultante da explosão do escândalo. Ninguém sabe, ninguém viu...
Incrível também é como o raio de ação da maledicência cresce exponencialmente e como esse marketing de guerrilha às avessas ganha adeptos proativos e fundamentalistas. Gente que não conhece os envolvidos, que não sabe de nada, que não viu nada, passa a palestrar sobre o escândalo com a segurança de um PhD e com uma convicção religiosa como se fosse o próprio Deus onipresente e onisciente.
Por fim, mesmo que o difamado se defenda ou que alguém o faça em seu lugar, o desejo dos difamadores de manter ativa a latrina da maledicência muitas e muitas vezes os impedirão de acreditar na verdade, e para isso eles deliberadamente lançarão mão da dúvida cretina: “onde há fumaça, há fogo”.
Sob vários aspectos a humanidade notoriamente evoluiu muito, mas nesse da maledicência, especificamente, 3.500 anos depois de Moisés continuamos sendo essa mesma especiezinha mequetrefe e insignificante nessa imensidão de universo.
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