CartaCapital,
25/02/2016
Por Lindbergh Farias
Além de substituir seis por meia dúzia, o texto aprovado foi adornado com algumas miçangas retóricas para edulcorar o presente de grego, que falam da “preferência” que será oferecida obrigatoriamente à Petrobras. Ora, tal preferência dependerá, pelo próprio texto aprovado, das autoridades de plantão. Se elas forem favoráveis, a Petrobras poderá operar o pré-sal. Se elas não forem favoráveis, a Petrobras será excluída.
Se o objetivo era acelerar os investimentos no pré-sal, bastava flexibilizar o percentual de participação mínima da Petrobras (30%), como defendeu a emenda apresentada pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE).
Aparentemente, isso não bastava. O fato é que a garantia legal esfumou-se. Era isso que se queria. Esse objetivo maior foi alcançado.
E isso é trágico. Ter a nossa empresa estatal, um orgulho nacional, como operadora única do pré-sal não é apenas importante para a Petrobras. É fundamental para o Brasil.
O domínio estratégico que os países produtores e exportadores exercem sobre o petróleo se assenta, além da nacionalização das jazidas, em dois grandes pilares complementares: o regime de partilha e grandes operadoras nacionais.
No regime de concessão, que impera ainda no pós-sal, o petróleo deixa de ser propriedade do país, assim que ele entra na broca da empresa concessionária, que faz com ele o que quiser. No regime de partilha, o país mantém a propriedade do óleo, mesmo depois de ele ser extraído.
Assim, é o Estado quem decide o que será feito e em quais proporções. O Estado dita o ritmo da produção e decide que quantidade estocar, exportar, refinar no país e irrigar uma vasta cadeia produtiva. A empresa é simplesmente remunerada pelos serviços prestados.
Isso é fácil de entender. O que aparentemente não é muito fácil de entender é que esse domínio estratégico do petróleo não funciona, ou não funciona bem, sem uma grande operadora nacional.
Quando os países produtores decidiram nacionalizar as suas jazidas, revolucionando o mercado mundial de petróleo, que antes era inteiramente dominado pelas multinacionais dos países desenvolvidos, eles se preocuparam também em constituir grandes operadoras nacionais. Por quê?
Porque eles sabiam que, sem uma grande operadora, eles não teriam efetivo acesso às informações cruciais sobre as suas jazidas, como as relacionadas aos custos efetivos de produção, às remunerações devidas, ao verdadeiro potencial das áreas prospectadas. Ora, não se tem domínio estratégico do petróleo sem o domínio dessa informação.
Ademais, sem operar é impossível desenvolver tecnologia própria. Também não se tem domínio estratégico do petróleo sem domínio mínimo de tecnologia. Não bastasse, sem operadora local é impossível se estimular cadeias nacionais de produção, gerando renda e emprego para população.
O resultado é que, hoje, ao contrário do que acontecia até a década de 60, as maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais. São as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.
Em uma estimativa bem conservadora, feita em 2008, antes de o pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.
Essa é a realidade do mercado mundial do petróleo. Realidade que a maioria dos senadores desconheceu na votação. Tal maioria de senadores parece ter desconhecido também princípios de lógica e aritmética básica. Os argumentos utilizados foram inacreditáveis.
Argumentaram, por exemplo, que a Petrobras não pode explorar o pré-sal a contento porque está endividada. Ora, todas as empresas de petróleo e gás estão atualmente, em maior ou menor grau, endividadas e passando por crises. A dívida da Petrobras foi ocasionada pelos investimentos que ela teve de fazer no pré-sal e por fatores cambiais amplamente conhecidos. Não tem nada a ver com corrupção, que deve ser um assunto a ser tratado em delegacias de polícia, não nas estratégias econômicas do País.
A dívida é de fato volumosa, mas isso não impede a Petrobras de ser a operadora única do pré-sal. Além de ser uma empresa operacionalmente muito eficiente e lucrativa, por ter excelência reconhecida internacionalmente no desenvolvimento de tecnologia, a Petrobras tem um lastro patrimonial que a protege: o pré-sal.
Segundo as últimas estimativas feitas pelo Instituto Nacional de Óleo e Gás da UERJ, o pré-sal contém 176 bilhões de barris, óleo suficiente para cobrir, sozinho, cinco anos de consumo mundial de hidrocarbonetos. Mesmo com o barril com preço artificialmente baixo de 30 dólares, basta fazer uma continha simples para ver que a atual dívida da Petrobras não é problema incontornável, como afirmam os desinformados.
A dívida poderá ser incontornável, contudo, se a legislação for efetivamente modificada. A lei atual, que se quer revisar, assegura à nossa operadora, além da remuneração imediata de todos os seus custos e investimentos, participação mínima obrigatória de 30% nessa riqueza extraordinária. Essa é uma garantia essencial para a Petrobras.
Porém, ao se retirar da Petrobras a condição de operadora única, se retira também essa garantia fundamental e se investe em sua fragilização e em sua possível privatização.
Mas a questão essencial aqui não é simplesmente proteger a Petrobras. É proteger os interesses do Brasil. A participação da Petrobras no pré-sal deve ser assegurada e protegida porque isso é crucial para o desenvolvimento brasileiro.
A cadeia de petróleo e gás, comandada pela Petrobras, é a maior cadeia produtiva do País, responsável por cerca de 20% do PIB brasileiro e 15% dos empregos gerados.
Tal cadeia é sustentada por uma política de conteúdo nacional, implantada no primeiro governo Lula, que gera demanda robusta em setores-chave como o da construção civil pesada e a indústria naval, só para citar alguns poucos. Em 2000, a indústria náutica e os estaleiros empregavam no Brasil somente 1.910 pessoas. Em 2014, mesmo com a crise, esse setor já empregava mais de 82.000 pessoas.
Pois bem, tal cadeia produtiva não se sustentará e não se desenvolverá sem a Petrobras como operadora do pré-sal. Por quê?
Porque empresas multinacionais demandam insumos e serviços fundamentalmente em seus países de origem. A Chevron ou a Shell não comprarão navios, plataformas, sondas, ou qualquer outra coisa no Brasil.
Sem a Petrobras como grande operadora não se sustentará também o desenvolvimento de tecnologia nacional nessa área estratégica. A tecnologia se desenvolve na operação e para a operação. Foi operando que a Petrobras se transformou na empresa que detém a mais avançada tecnologia de prospecção e exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas, ganhadora, por três vezes, do OTC Distinguished Achievement Award, maior prêmio internacional concedido às empresas de petróleo que se distinguem em desenvolvimento tecnológico. Todo esse capital estratégico poderá se esfumar, caso a Petrobras seja retirada do pré-sal.
Sem a Petrobras como grande operadora, não se sustentará a alavancagem de nosso desenvolvimento com a riqueza desse recurso extraordinário que é o pré-sal. Poderemos até vender mais rapidamente petróleo cru. Mas isso não contribuirá para o nosso desenvolvimento.
Ao contrário, essa lógica imediatista e predatória poderá nos conduzir à temível doença holandesa, caracterizada pelo consumo perdulário de bens de consumo importados e pela apreciação artificial da moeda que extermina a produção local.
Sem a Petrobras como grande operadora, o financiamento da Educação e da Saúde com os royalties do petróleo fica também parcialmente comprometido. Em suma, sem a Petrobras como grande operadora, nosso futuro fica comprometido.
Ainda há tempo de se corrigir esse erro, na Câmara, nas ruas e no debate público. Mas é preciso se apressar: o futuro do Brasil está se decidindo agora, em projetos como esse.
A restauração neoliberal já está em curso. Precisamos, todos nós, escolher nosso lado. E o povo brasileiro precisa saber o que estão decidindo em seu nome. O povo brasileiro precisa saber que estão rifando seu futuro.
Tirar a Petrobras do pré-sal é rifar o futuro do País
Por Lindbergh Farias
O Senado pode se enganar, mas o povo brasileiro não pode ser enganado. O
que aconteceu na noite de quarta-feira 24 foi lamentável. O projeto do
senador José Serra (PSDB-SP) pretendia retirar da Petrobras a condição
de operadora única do pré-sal.
O “substitutivo” do senador Romero Jucá (PMDB-RR), aprovado pelo
Senado, fez exatamente isso: retirou da Petrobras a sua condição de
operadora única. Assim, o “substitutivo” substituiu seis por meia dúzia.
Além de substituir seis por meia dúzia, o texto aprovado foi adornado com algumas miçangas retóricas para edulcorar o presente de grego, que falam da “preferência” que será oferecida obrigatoriamente à Petrobras. Ora, tal preferência dependerá, pelo próprio texto aprovado, das autoridades de plantão. Se elas forem favoráveis, a Petrobras poderá operar o pré-sal. Se elas não forem favoráveis, a Petrobras será excluída.
Se o objetivo era acelerar os investimentos no pré-sal, bastava flexibilizar o percentual de participação mínima da Petrobras (30%), como defendeu a emenda apresentada pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE).
Aparentemente, isso não bastava. O fato é que a garantia legal esfumou-se. Era isso que se queria. Esse objetivo maior foi alcançado.
E isso é trágico. Ter a nossa empresa estatal, um orgulho nacional, como operadora única do pré-sal não é apenas importante para a Petrobras. É fundamental para o Brasil.
O domínio estratégico que os países produtores e exportadores exercem sobre o petróleo se assenta, além da nacionalização das jazidas, em dois grandes pilares complementares: o regime de partilha e grandes operadoras nacionais.
No regime de concessão, que impera ainda no pós-sal, o petróleo deixa de ser propriedade do país, assim que ele entra na broca da empresa concessionária, que faz com ele o que quiser. No regime de partilha, o país mantém a propriedade do óleo, mesmo depois de ele ser extraído.
Assim, é o Estado quem decide o que será feito e em quais proporções. O Estado dita o ritmo da produção e decide que quantidade estocar, exportar, refinar no país e irrigar uma vasta cadeia produtiva. A empresa é simplesmente remunerada pelos serviços prestados.
Isso é fácil de entender. O que aparentemente não é muito fácil de entender é que esse domínio estratégico do petróleo não funciona, ou não funciona bem, sem uma grande operadora nacional.
Quando os países produtores decidiram nacionalizar as suas jazidas, revolucionando o mercado mundial de petróleo, que antes era inteiramente dominado pelas multinacionais dos países desenvolvidos, eles se preocuparam também em constituir grandes operadoras nacionais. Por quê?
Porque eles sabiam que, sem uma grande operadora, eles não teriam efetivo acesso às informações cruciais sobre as suas jazidas, como as relacionadas aos custos efetivos de produção, às remunerações devidas, ao verdadeiro potencial das áreas prospectadas. Ora, não se tem domínio estratégico do petróleo sem o domínio dessa informação.
Ademais, sem operar é impossível desenvolver tecnologia própria. Também não se tem domínio estratégico do petróleo sem domínio mínimo de tecnologia. Não bastasse, sem operadora local é impossível se estimular cadeias nacionais de produção, gerando renda e emprego para população.
O resultado é que, hoje, ao contrário do que acontecia até a década de 60, as maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais. São as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.
Em uma estimativa bem conservadora, feita em 2008, antes de o pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.
Essa é a realidade do mercado mundial do petróleo. Realidade que a maioria dos senadores desconheceu na votação. Tal maioria de senadores parece ter desconhecido também princípios de lógica e aritmética básica. Os argumentos utilizados foram inacreditáveis.
Argumentaram, por exemplo, que a Petrobras não pode explorar o pré-sal a contento porque está endividada. Ora, todas as empresas de petróleo e gás estão atualmente, em maior ou menor grau, endividadas e passando por crises. A dívida da Petrobras foi ocasionada pelos investimentos que ela teve de fazer no pré-sal e por fatores cambiais amplamente conhecidos. Não tem nada a ver com corrupção, que deve ser um assunto a ser tratado em delegacias de polícia, não nas estratégias econômicas do País.
A dívida é de fato volumosa, mas isso não impede a Petrobras de ser a operadora única do pré-sal. Além de ser uma empresa operacionalmente muito eficiente e lucrativa, por ter excelência reconhecida internacionalmente no desenvolvimento de tecnologia, a Petrobras tem um lastro patrimonial que a protege: o pré-sal.
Segundo as últimas estimativas feitas pelo Instituto Nacional de Óleo e Gás da UERJ, o pré-sal contém 176 bilhões de barris, óleo suficiente para cobrir, sozinho, cinco anos de consumo mundial de hidrocarbonetos. Mesmo com o barril com preço artificialmente baixo de 30 dólares, basta fazer uma continha simples para ver que a atual dívida da Petrobras não é problema incontornável, como afirmam os desinformados.
A dívida poderá ser incontornável, contudo, se a legislação for efetivamente modificada. A lei atual, que se quer revisar, assegura à nossa operadora, além da remuneração imediata de todos os seus custos e investimentos, participação mínima obrigatória de 30% nessa riqueza extraordinária. Essa é uma garantia essencial para a Petrobras.
Porém, ao se retirar da Petrobras a condição de operadora única, se retira também essa garantia fundamental e se investe em sua fragilização e em sua possível privatização.
Mas a questão essencial aqui não é simplesmente proteger a Petrobras. É proteger os interesses do Brasil. A participação da Petrobras no pré-sal deve ser assegurada e protegida porque isso é crucial para o desenvolvimento brasileiro.
A cadeia de petróleo e gás, comandada pela Petrobras, é a maior cadeia produtiva do País, responsável por cerca de 20% do PIB brasileiro e 15% dos empregos gerados.
Tal cadeia é sustentada por uma política de conteúdo nacional, implantada no primeiro governo Lula, que gera demanda robusta em setores-chave como o da construção civil pesada e a indústria naval, só para citar alguns poucos. Em 2000, a indústria náutica e os estaleiros empregavam no Brasil somente 1.910 pessoas. Em 2014, mesmo com a crise, esse setor já empregava mais de 82.000 pessoas.
Pois bem, tal cadeia produtiva não se sustentará e não se desenvolverá sem a Petrobras como operadora do pré-sal. Por quê?
Porque empresas multinacionais demandam insumos e serviços fundamentalmente em seus países de origem. A Chevron ou a Shell não comprarão navios, plataformas, sondas, ou qualquer outra coisa no Brasil.
Sem a Petrobras como grande operadora não se sustentará também o desenvolvimento de tecnologia nacional nessa área estratégica. A tecnologia se desenvolve na operação e para a operação. Foi operando que a Petrobras se transformou na empresa que detém a mais avançada tecnologia de prospecção e exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas, ganhadora, por três vezes, do OTC Distinguished Achievement Award, maior prêmio internacional concedido às empresas de petróleo que se distinguem em desenvolvimento tecnológico. Todo esse capital estratégico poderá se esfumar, caso a Petrobras seja retirada do pré-sal.
Sem a Petrobras como grande operadora, não se sustentará a alavancagem de nosso desenvolvimento com a riqueza desse recurso extraordinário que é o pré-sal. Poderemos até vender mais rapidamente petróleo cru. Mas isso não contribuirá para o nosso desenvolvimento.
Ao contrário, essa lógica imediatista e predatória poderá nos conduzir à temível doença holandesa, caracterizada pelo consumo perdulário de bens de consumo importados e pela apreciação artificial da moeda que extermina a produção local.
Sem a Petrobras como grande operadora, o financiamento da Educação e da Saúde com os royalties do petróleo fica também parcialmente comprometido. Em suma, sem a Petrobras como grande operadora, nosso futuro fica comprometido.
Ainda há tempo de se corrigir esse erro, na Câmara, nas ruas e no debate público. Mas é preciso se apressar: o futuro do Brasil está se decidindo agora, em projetos como esse.
A restauração neoliberal já está em curso. Precisamos, todos nós, escolher nosso lado. E o povo brasileiro precisa saber o que estão decidindo em seu nome. O povo brasileiro precisa saber que estão rifando seu futuro.
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