Folha.com, 20/02/16
Livro 'Eu Fui a espiã que amou o Comandante'
SYLVIA COLOMBO
DE SÃO PAULO
A jovem Marita Lorenz suava frio quando o avião em que viajava finalmente aterrissou em Havana, em 1960. Com medo de ser revistada, tirou do bolso da calça jeans as duas pílulas que lhe haviam sido entregues antes de embarcar. Eram nada menos do que cápsulas com veneno.
E o objetivo, fazer com que Fidel Castro as engolisse.
"Eles haviam sido amantes, Marita era muito bonita, nós acreditávamos que ela poderia seduzi-lo e fazer com que ele tomasse a droga", disse, em uma entrevista tempos depois, Walter Elder, um dos então comandantes da CIA.
Naquela tarde abafada de Havana, porém, a tarefa de Lorenz não parecia tão simples. Nervosa, a moça enfiou as cápsulas num pote de creme facial que levava na bagagem de mão. Achou que ali estariam melhor escondidas. Deu certo, passou incólume pela alfândega, chegou a seu quarto no hotel e foi correndo ao banheiro para abrir o pote.
"Ao remover a tampa, vi que as pílulas estavam quase desintegradas, tinham virado uma espécie de massa pastosa", conta Lorenz em "Eu Fui a Espiã que Amou o Comandante", recém-lançado no Brasil pela Planeta.
O plano de assassinar o líder cubano fracassava, enquanto Lorenz jogava o conteúdo dos potes na privada.
"Dei a descarga várias vezes, mas demorou para ir tudo embora, o meu nível de tensão estava altíssimo, tinha medo que alguém aparecesse", conta a ex-espiã americana-alemã em entrevista à Folha, por telefone, de Nova York, onde vive, hoje com 76 anos.
"Depois disso, porém, senti um enorme alívio, pois sabia que não teria coragem de matá-lo. Estava muito apaixonada. Por mais que tivesse sido doutrinada e treinada nos EUA, sabia que isso eu não conseguiria fazer", diz ela, que já ganhou a alcunha de "Mata Hari do Caribe", em referência à famosa espiã holandesa.
Quando se viu diante de Castro, contou a ele todo o plano, e ele riu, relembra Lorenz.
"Ele então me perdoou e me disse que eu deveria ficar na ilha, pois se voltasse para os EUA poderia ser morta pelos anti-castristas por não ter cumprido minha missão."
Nascida em Bremen, na Alemanha, em 1939, pouco antes da invasão da Polônia por Adolf Hitler, Lorenz passou um breve período no campo de concentração de Bergen-Belsen. Quando tinha sete anos, a família logrou deixar o país, e acabou se instalando nos Estados Unidos. Quando estava na adolescência, passou a acompanhar o pai, que era dono do navio MS Berlin, em suas viagens.
Em fevereiro de 1959, pouco mais de um mês após a Revolução Cubana, e quando Lorenz tinha 19 anos, o barco aportou em Cuba e foi abordado por um grupo de oficiais, comandado pelo próprio Castro, então com 33 anos.
O pai de Lorenz o tratou bem, e nos intervalos da visita, segundo a ex-espiã, teriam rolado os seus primeiros amassos com quem se tornaria o ditador de Cuba.
Quando a relação acabou e ela voltou aos EUA, foi procurada pela CIA, que a treinou para voltar à ilha e executar o plano de assassinato.
"Eu deveria tê-lo escutado e ficado em Cuba. Quando decidi retornar aos EUA após o plano fracassado, a CIA já tinha tomado conta da minha vida, e fui me metendo em outras operações, fui ficando terrivelmente envolvida com pessoas que não me fizeram bem", conta.
VIDA CINEMATOGRÁFICA
A lista das aventuras de Lorenz, que irão para Hollywood com o filme "Marita", com a atriz Jennifer Lawrence no papel da espiã, inclui romances, complôs de assassinatos e bastidores de escândalos de corrupção.
Castro, por exemplo, não foi o único presidente em sua vida. Após o fim da relação com o líder revolucionário, Lorenz teve um caso com o venezuelano Marcos Pérez Jiménez (1914-2001) enquanto ele vivia em Miami. Com ele, teve uma filha, Mónica.
O elo entre Lorenz e várias dessas tramas foi o oficial norte-americano Frank Sturgis, depois julgado por envolvimento com o Watergate. "Foi responsável por muita coisa que me aconteceu, boa e má. No fim da vida, tentei reatar o diálogo, a relação, mas ele morreu antes."
É curioso como, no livro, Lorenz não se prende a discutir questões ideológicas. Não gasta tempo explicando, por exemplo, como pôde se apaixonar tanto pelo líder de uma revolução socialista como por um ditador pró-EUA como Pérez Jiménez.
Quando questionada sobre sua posição atual com relação à Revolução Cubana, Lorenz diz: "Se você vai a Cuba hoje, vê que Fidel fez tudo o que ele disse que ia fazer, e o povo vive bem. Os EUA perderam muito ao resolver serem inimigos desse grande homem. Aqui se faz lavagem cerebral nas pessoas para que achem que Cuba virou um horror. Isso é mentira".
Porém, prefere não falar de comunismo ou capitalismo. "Minha história é sobre os personagens, não sobre as ideias. São as pessoas que fazem a história."
O fato de muitos personagens de "Eu Fui a Espiã que Amou o Comandante" já terem morrido ou serem hoje muito idosos foi o principal motivo para Lorenz contar sua história em livro agora.
"É preciso acertar as contas com o passado. Sinto que os norteamericanos precisam saber que muitas coisas que o governo fez estavam erradas, cometeram-se abusos", diz.
Sobre sua vida nos dias de hoje, Lorenz conta que esperava mais reconhecimento por parte do Estado. "Eu me arrisquei e fiquei quieta quando tinha que ficar. E vivo sem assistência do governo. Tenho de pedir favores", conta.
Com a filha, Mónica, ela tem pouco contato, e quem a acompanha é Mark, fruto de uma relação com outro espião.
Um dos mistérios ainda em aberto de que o livro trata é o que teria acontecido com um filho que Lorenz teria tido com Castro.
A princípio, ela dizia que tinha sido levada a abortar, quando a gravidez já estava avançada, por inimigos do líder, que lhe teriam dado "algo para beber" e que lhe provocou fortes sangramentos.
Mas, agora, ela conta que na verdade seu filho havia nascido e que Castro o enviara para estudar medicina na Nicarágua. "Eu o vi, mais de 20 anos depois, chama-se Andrés e Fidel disse que ele teria de ficar na ilha, pois era cubano. Eu aceitei."
Ela conta que pensa nos dois todos os dias. "Gosto de acreditar que nosso filho é um dos que está perto de Fidel agora, na velhice, e o ajuda."
Lorenz voltou pela última vez à ilha nos anos 1990, mas não pôde encontrar-se com o antigo amante. "Também não sei se ele gostaria de me ver velha. Sei que ele está velho também. Mas o amor fica, eu ainda sou apaixonada por ele e por aquele olhar penetrante. Sei que ele sabe disso. Que ainda sou sua 'alemanita', como ele me chamava."
EU FUI A ESPIÃ QUE AMOU O COMANDANTE
AUTORA Marita Lorenz
TRADUÇÃO Luis Reyes Gil
EDIÇÃO Planeta
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