sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Só chamando o ladrão


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Carta Maior, 26/02/2016


Só chamando o ladrão


 
Por José Carlos Peliano*



Consta ter dito uma vez o presidente francês Charles de Gaulle que o Brasil não era um país sério. Sério? Sim, mas pode ser que não tenha sido exatamente assim porque há controvérsia.

Embora muita gente reafirme ter sido a frase do francês, há um brasileiro na estória. Teria ficado na conta do ex-presidente uma afirmação do então embaixador do Brasil na França Carlos Alves de Souza, segundo ele mesmo escrevera em seu livro 'Um embaixador em tempos de Crise'.


O motivo da frase veio à deriva da descoberta por pescadores brasileiros de pesqueiros franceses pegos em águas territoriais nacionais na costa de Pernambuco em 1962 à cata de lagostas.  

O fato teria gerado pequeno entrevero diplomático proporcionado pela reação desproporcional do governo brasileiro sobre o incidente em relação à postura amistosa do governo francês de acordo com o entendimento do então embaixador na França.

Esse acontecimento, entretanto, ficou na memória do país na conta do francês. Não importa aqui a magnitude ou a importância do entrevero, mas sim a frase que espalhada ao mundo reforçou, e talvez ainda o faça, a imagem de um país tropical, aprendiz de convivência e soberania.

Pois são exatamente a soberania e a convivência que estão em jogo na atualidade do Oiapoque ao Chuí. Em campo a Operação Lava Jato, a oposição, a carcomídia, o governo e sua base de apoio. E nós habitantes e eleitores assistindo na geral, embora vez por outra vamos às ruas com uma bandeira ou outra.

A relação umbilical entre os três primeiros agentes vem diuturnamente tentando derrubar o governo, desestabilizar sua base de apoio e como trunfo maior, ofuscar e mesmo defenestrar a imagem do ex-presidente Lula.

Primeira lição não aprendida: convivência. No Brasil, a direita quando bate é para valer, ou melhor, para varrer o adversário do cenário político. A esquerda, em geral, bate pelas ideias e ideais. Não paira o mínimo de diálogo possível construtivo. Negociação nem pensar.

Aquela, a direita, se junta em seus membros em qualquer circunstância, mesmo em grupos políticos opostos, quando se trata de alcançar interesses, regalias e vantagens, desde que esses bons frutos sejam bem distribuídos, caso contrário também não se entendem. Já em assuntos estritamente políticos a convivência com a esquerda é quase nenhuma, pois suas guias são diametralmente opostas.

a esquerda, quase sempre se divide em vários grupos ou tendências ideológicas, cada qual defendendo com unhas e dentes suas propostas. Tem sido sempre assim. E mesmo em períodos de paz e tranquilidade as tendências se mantêm até mesmo beliscando em críticas umas às outras.

Se juntam, sim, às vezes, como, por exemplo, nas eleições de Lula e Dilma. Mas dura pouco, após os governos eleitos os grupos voltam a apontar caminhos nem sempre comuns e se apegarem aos seus projetos e programas.

Assim, a convivência política é tanto complicada entre direita e esquerda, salvo em excepcionalíssimas ocasiões, quanto dentro da esquerda, salvo quando, mesmo com críticas entre grupos, a proposta final é socialmente benéfica.

Mas este último é o ponto nevrálgico entre direita e esquerda
. Para esta, governar é democratizar o poder, retirando a senzala da casa grande, como também redistribuir renda da casa grande para a senzala. Para aquela governar é manter as coisas como estão, se favoráveis a ela, alterando uma coisa ou outra para nada ser alterado ao final.

A direita no Brasil tropeçou no governo eleito desde Lula por conta de suas iniciativas que beneficiaram a maioria do povo em detrimento dos mais ricos e privilegiados. Criticaram o Mais Médicos, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Brasil Sorridente, o Prouni, etc., etc., etc. Mas foram essas e as demais iniciativas que derrubaram muito o nível de desigualdade de rendas no país, coisa nunca dantes navegada pelos rios e mares brasileiros.

No fundo, no fundo, o inconformismo e indignação contra esses avanços sociais tiveram origem no fato de os recursos a eles destinados não puderam financiar os projetos da direita. Muito embora o BNDES e demais linhas de incentivo de bancos públicos não pouparam recursos para ajudar os investimentos produtivos e benéficos ao país.

O aparecimento da Lava Jato acabou caindo no colo da carcomídia não só para mantê-la todos os dias nas manchetes, mas também para sustentar na chamada opinião pública a importância histórica, principalmente política, da operação. Nunca justiça e mídia andaram tão juntas nesse país.

Desde a eleição de Dilma em seu segundo governo que a Lava Jato vem lavando todos os meses seguidos, a oposição esfregando e torcendo as lavagens e a carcomídia pendurando-as no varal por dias, semanas, meses e anos. Só que com as lavagens atribuídas à esquerda. A direita? Ah! a direita é direita.

Resulta dessa máquina de sujeira e lavatórios que o país perde a noção e a economia estanca ou anda para trás. Como muito bem diz Tereza Cruvinel a "eternidade da Lava Jato, tão claro está que, enquanto ela durar, nem o governo vai governar nem a economia vai se recuperar" - http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/218123/Os-mistérios-da-Acarajé.htm.

O governo encurralado tem poucas áreas de manobra na economia, a justiça aplica a lei mesmo às custas de engripar a economia, a oposição no contrapé dificulta todas as proposições no Congresso Nacional, enquanto se mantém nos tribunais tentando derrubar a presidenta por qualquer ponto, vírgula ou interrogação.

Se a economia se arrasta não é só pela solidão do governo, mas pela cooperação direta da oposição. Não há o menor acerto entre as partes. Enquanto isso os investidores estrangeiros arrastam suas sacolas de dólares ou euros para comprar ativos nacionais a preço de banana, desvalorizados.

Segunda lição não aprendida: a soberania da nação brasileira mais uma vez se apequena pois perde forças e energia para continuar expandindo e progredindo mesmo aos trancos e barrancos próprios de qualquer processo de desenvolvimento. Acaba que não ser um país sério volte à ordem do dia nos círculos empresariais, diplomáticos e políticos do mundo afora.

A Lava Jato por sua vez quer mostrar serviço a todo custo, mesmo atropelando bons sensos, melhores juízos e  jurisprudências. Como diz Paulo Moreira Leite, ela acaba encenando para ficar sempre à vista, inúmeras peças, cujo "espetáculo destina-se a esconder a realidade de um país que prende muito - e julga mal - http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/218124/Um-publicitário-na-Justiça-do-espetáculo.htm

Um país sem poder governar, uma oposição sem nada a oferecer apenas destruir, uma economia indo mal, uma justiça julgando mal, o partido do governo e a base de apoio sem muito a fazer, só chamando o ladrão! Como na música 'Acorda Amor' de Chico Buarque. Pois só ele é capaz de perturbar de vez a ordem e apontar alguma luz no fim do túnel.

Que país é esse? Onde só se atira para um lado, repetidamente, até ver se o tiro final chega ao governo e/ou a Lula, o resto não conta. Até ver se essa personalidade nacional, socialmente construída, e mesmo com reconhecimento mundial, possa ser defenestrada publicamente ainda que de maneira parcial, mal feita e persecutória. Mas isso não vem ao caso, esse país é de Macunaíma.

Mas os políticos serão cobrados nas ruas e nas eleições, cada vez mais politizadas e conscientes, mas indignadas. A mídia será aos poucos esquecida pela ampliação do acesso às redes sociais. A justiça será cobrada nas redes sociais e nas ruas. Os futuros presidentes igualmente terão seus programas e decisões monitorados de perto por todos nós. É o que nos cabe desse latifúndio.

O exemplo de Bernie Sanders nos Estados Unidos é oportuno e avassalador. Mesmo que não ganhe, uma visão socialista mais humanizada e nada hipócrita toma conta daqueles jovens, eleitores efetivos de hoje e amanhã. Outros virão e se juntarão à essa onda libertadora.

O berne americano acaba chegando aqui. O “berne ensandece” a luta por instituições mais respeitosas, democráticas e dignas, tanto de lá quanto do Brasil.


*colaborador da Carta Maior​

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