Carta Maior, 26/02/2016
Só chamando o ladrão
Por José Carlos Peliano*
Consta ter dito uma vez o presidente francês Charles de Gaulle que o
Brasil não era um país sério. Sério? Sim, mas pode ser que não tenha
sido exatamente assim porque há controvérsia.
Embora muita gente reafirme ter sido a frase do francês, há um brasileiro na estória. Teria ficado na conta do ex-presidente uma afirmação do então embaixador do Brasil na França Carlos Alves de Souza, segundo ele mesmo escrevera em seu livro 'Um embaixador em tempos de Crise'.
Embora muita gente reafirme ter sido a frase do francês, há um brasileiro na estória. Teria ficado na conta do ex-presidente uma afirmação do então embaixador do Brasil na França Carlos Alves de Souza, segundo ele mesmo escrevera em seu livro 'Um embaixador em tempos de Crise'.
O fato teria gerado pequeno entrevero diplomático proporcionado pela reação desproporcional do governo brasileiro sobre o incidente em relação à postura amistosa do governo francês de acordo com o entendimento do então embaixador na França.
Esse acontecimento, entretanto, ficou na memória do país na conta do francês. Não importa aqui a magnitude ou a importância do entrevero, mas sim a frase que espalhada ao mundo reforçou, e talvez ainda o faça, a imagem de um país tropical, aprendiz de convivência e soberania.
Pois são exatamente a soberania e a convivência que estão em jogo na atualidade do Oiapoque ao Chuí. Em campo a Operação Lava Jato, a oposição, a carcomídia, o governo e sua base de apoio. E nós habitantes e eleitores assistindo na geral, embora vez por outra vamos às ruas com uma bandeira ou outra.
A relação umbilical entre os três primeiros agentes vem diuturnamente tentando derrubar o governo, desestabilizar sua base de apoio e como trunfo maior, ofuscar e mesmo defenestrar a imagem do ex-presidente Lula.
Primeira lição não aprendida: convivência. No Brasil, a direita quando bate é para valer, ou melhor, para varrer o adversário do cenário político. A esquerda, em geral, bate pelas ideias e ideais. Não paira o mínimo de diálogo possível construtivo. Negociação nem pensar.
Aquela, a direita, se junta em seus membros em qualquer circunstância, mesmo em grupos políticos opostos, quando se trata de alcançar interesses, regalias e vantagens, desde que esses bons frutos sejam bem distribuídos, caso contrário também não se entendem. Já em assuntos estritamente políticos a convivência com a esquerda é quase nenhuma, pois suas guias são diametralmente opostas.
Já a esquerda, quase sempre se divide em vários grupos ou tendências ideológicas, cada qual defendendo com unhas e dentes suas propostas. Tem sido sempre assim. E mesmo em períodos de paz e tranquilidade as tendências se mantêm até mesmo beliscando em críticas umas às outras.
Se juntam, sim, às vezes, como, por exemplo, nas eleições de Lula e Dilma. Mas dura pouco, após os governos eleitos os grupos voltam a apontar caminhos nem sempre comuns e se apegarem aos seus projetos e programas.
Assim, a convivência política é tanto complicada entre direita e esquerda, salvo em excepcionalíssimas ocasiões, quanto dentro da esquerda, salvo quando, mesmo com críticas entre grupos, a proposta final é socialmente benéfica.
Mas este último é o ponto nevrálgico entre direita e esquerda. Para esta, governar é democratizar o poder, retirando a senzala da casa grande, como também redistribuir renda da casa grande para a senzala. Para aquela governar é manter as coisas como estão, se favoráveis a ela, alterando uma coisa ou outra para nada ser alterado ao final.
A direita no Brasil tropeçou no governo eleito desde Lula por conta de suas iniciativas que beneficiaram a maioria do povo em detrimento dos mais ricos e privilegiados. Criticaram o Mais Médicos, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Brasil Sorridente, o Prouni, etc., etc., etc. Mas foram essas e as demais iniciativas que derrubaram muito o nível de desigualdade de rendas no país, coisa nunca dantes navegada pelos rios e mares brasileiros.
No fundo, no fundo, o inconformismo e indignação contra esses avanços sociais tiveram origem no fato de os recursos a eles destinados não puderam financiar os projetos da direita. Muito embora o BNDES e demais linhas de incentivo de bancos públicos não pouparam recursos para ajudar os investimentos produtivos e benéficos ao país.
O aparecimento da Lava Jato acabou caindo no colo da carcomídia não só para mantê-la todos os dias nas manchetes, mas também para sustentar na chamada opinião pública a importância histórica, principalmente política, da operação. Nunca justiça e mídia andaram tão juntas nesse país.
Desde a eleição de Dilma em seu segundo governo que a Lava Jato vem lavando todos os meses seguidos, a oposição esfregando e torcendo as lavagens e a carcomídia pendurando-as no varal por dias, semanas, meses e anos. Só que com as lavagens atribuídas à esquerda. A direita? Ah! a direita é direita.
Resulta dessa máquina de sujeira e lavatórios que o país perde a noção e a economia estanca ou anda para trás. Como muito bem diz Tereza Cruvinel a "eternidade da Lava Jato, tão claro está que, enquanto ela durar, nem o governo vai governar nem a economia vai se recuperar" - http://www.brasil247.com/pt/
O governo encurralado tem poucas áreas de manobra na economia, a justiça aplica a lei mesmo às custas de engripar a economia, a oposição no contrapé dificulta todas as proposições no Congresso Nacional, enquanto se mantém nos tribunais tentando derrubar a presidenta por qualquer ponto, vírgula ou interrogação.
Se a economia se arrasta não é só pela solidão do governo, mas pela cooperação direta da oposição. Não há o menor acerto entre as partes. Enquanto isso os investidores estrangeiros arrastam suas sacolas de dólares ou euros para comprar ativos nacionais a preço de banana, desvalorizados.
Segunda lição não aprendida: a soberania da nação brasileira mais uma vez se apequena pois perde forças e energia para continuar expandindo e progredindo mesmo aos trancos e barrancos próprios de qualquer processo de desenvolvimento. Acaba que não ser um país sério volte à ordem do dia nos círculos empresariais, diplomáticos e políticos do mundo afora.
A Lava Jato por sua vez quer mostrar serviço a todo custo, mesmo atropelando bons sensos, melhores juízos e jurisprudências. Como diz Paulo Moreira Leite, ela acaba encenando para ficar sempre à vista, inúmeras peças, cujo "espetáculo destina-se a esconder a realidade de um país que prende muito - e julga mal” - http://www.brasil247.com/pt/
Um país sem poder governar, uma oposição sem nada a oferecer apenas destruir, uma economia indo mal, uma justiça julgando mal, o partido do governo e a base de apoio sem muito a fazer, só chamando o ladrão! Como na música 'Acorda Amor' de Chico Buarque. Pois só ele é capaz de perturbar de vez a ordem e apontar alguma luz no fim do túnel.
Que país é esse? Onde só se atira para um lado, repetidamente, até ver se o tiro final chega ao governo e/ou a Lula, o resto não conta. Até ver se essa personalidade nacional, socialmente construída, e mesmo com reconhecimento mundial, possa ser defenestrada publicamente ainda que de maneira parcial, mal feita e persecutória. Mas isso não vem ao caso, esse país é de Macunaíma.
Mas os políticos serão cobrados nas ruas e nas eleições, cada vez mais politizadas e conscientes, mas indignadas. A mídia será aos poucos esquecida pela ampliação do acesso às redes sociais. A justiça será cobrada nas redes sociais e nas ruas. Os futuros presidentes igualmente terão seus programas e decisões monitorados de perto por todos nós. É o que nos cabe desse latifúndio.
O exemplo de Bernie Sanders nos Estados Unidos é oportuno e avassalador. Mesmo que não ganhe, uma visão socialista mais humanizada e nada hipócrita toma conta daqueles jovens, eleitores efetivos de hoje e amanhã. Outros virão e se juntarão à essa onda libertadora.
O berne americano acaba chegando aqui. O “berne ensandece” a luta por instituições mais respeitosas, democráticas e dignas, tanto de lá quanto do Brasil.
*colaborador da Carta Maior
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