sábado, 31 de maio de 2014

“Só no Brasil”. A apatia mental e a lógica reducionis​ta que deseduca




Pragmatismo Político, ​31/05/2014​


“Só no Brasil”. A apatia mental e a lógica reducionista que deseduca



    


Por Priscila Silva*




Toda vez que um assunto polêmico surge na mídia, viraliza nas redes sociais e chega às rodas de amigos, reuniões de família e mesas de bar, começam a pipocar, por toda parte, juízos de valor genéricos a respeito “do Brasil” e “do povo brasileiro”.
Essas “análises”, que estão em alta no atual momento pré-Copa, costumam ser, mais especificamente, materializadas na forma de chavões babacas mais antigos que a minha avó: são os famosos “só no Brasil”, “isso é Brasil!”, e, ainda, o clássico e meu preferido “o problema é a cabeça do brasileiro” (que também pode aparecer na carinhosa versão “o povo brasileiro é burro”).
Que a internet e os círculos sociais estão recheados de ideias idiotas, preconceituosas e desprovidas de qualquer senso lógico ou nexo com a realidade não é novidade. O problema aqui é que as pérolas pertencentes à categoria “Brasil é uma merda porque é uma merda, e eu não tenho nada a ver com isso” não vêm sendo enquadradas como apatia mental, como deveriam, mas como demonstração de revolta consciente e politizada “contra tudo que está aí”. Um quarto dos brasileiros acha que uma mulher de shortinho merece ser estuprada? “Isso é Brasil!”. A Petrobrás fez um mau negócio em Pasadena? “Brasil, né?”. Algumas obras da Copa do Mundo atrasaram? “Só no Brasil mesmo!”.
Não. Não. E não. Na verdade, esse tipo de pensamento vazio, reducionista e arrogante empobrece o debate dos problemas que estão por detrás dos acontecimentos (que acabam sendo levianamente rotulados como “coisa do Brasil”), além de estimular e legitimar uma atitude resignada e egoísta ao melhor (ou pior) estilo Pôncio Pilatos (“lavo minhas mãos, porque a merda já estava feita quando eu cheguei aqui”).


“Só no Brasil”? Não.

Em primeiro lugar, vale uma pesquisa prévia a respeito do assunto sobre o qual se está emitindo opinião: será mesmo que o Brasil é o único país a enfrentar esse problema específico que você conheceu superficialmente através do link que seu amigo compartilhou no Facebook? Pode ter certeza que, em 99% dos casos, a gente carrega o fardo junto com mais algumas dezenas de países (se não com todas as nações do planeta), ainda que ele pese mais ou menos conforme o caso.
E não estamos falando apenas de países considerados “mais atrasados” e “menos civilizados” que o Brasil. Tem corrupção na Europa, os Estados Unidos mal possuem um sistema público de saúde, o racismo segue forte em diversos países “desenvolvidos”, e a Inglaterra é descaradamente sexista. Por isso, antes de iniciar um festival de ignorância, babar ovo de gringo gratuitamente e resumir seu discurso a uma frase despolitizada como essa, lembre-se que o Google está a apenas um clique. Caso contrário, você corre o risco de continuar contribuindo para que 40% dos nascidos no Brasil prefiram ter outra nacionalidade (apesar de o Brasil ser sonho de consumo internacionalmente).


Se “isso é Brasil”, então “isso” é você também.

Dou a qualquer um o direito de achar o Brasil uma merda monumental e sem precedentes, desde que admita ser uma merda de pessoa também. Assim, quando alguém disser “o Brasil é um lixo” ou “o povo brasileiro é burro”, na verdade estará dizendo “eu sou um lixo” e “eu sou burro”. Combinado? Porque, caros amigos niilistas radicais, é estranhamente conveniente excluir-se, deliberadamente, do conjunto de brasileiros, negando a própria cultura e origem, bem na hora em que “a coisa aperta”, não é?
As expressões “isso é Brasil” ou “esse é o povo brasileiro” não são, portanto, apenas generalizantes e reducionistas, mas também um tanto arrogantes. Quem as profere se julga acima dos defeitos da sociedade brasileira, e é incapaz de perceber que suas próprias convicções, ideias e preconceitos são na verdade um reflexo das características e problemas da sociedade brasileira como um todo.
Nem é preciso nem dizer que esse tipo de perspectiva segregatória, em que o locutor se coloca em posição imparcial e de superioridade em relação ao restante da população, gera verdadeiros fenômenos de cegueira coletiva. Um exemplo clássico é a inabilidade de algumas pessoas em enxergar o próprio racismo, o que popularizou expressões como “não sou racista, mas…”, culminando com a negação da existência de racismo no Brasil por determinadas “correntes ideológicas”.
Então, antes que comecemos a negar outros “ismos” por aí (o que, a bem da verdade, já acontece), vamos parar de subir em pedestais imaginários e nos colocar em nossos devidos lugares: na arquibancada junto com o resto do povão e toda a torcida do Flamengo.


Se “isso é Brasil”, repetir esse chavão não vai mudar nada (talvez só pra pior).

Imagine a seguinte situação hipotética: um sujeito dito “politizado” está surfando na rede, checando o feed de notícias do Facebook, dando um rolê pelo Twitter e teclando no WhatsApp, quando, casualmente, se depara com uma notícia revoltante (sabemos que a internet está cheia delas). Indignado com a situação ultrajante da qual acaba de tomar conhecimento, nosso amigo resolve mostrar toda a sua revolta por meio de um comentário impactante no perfil de quem, muito sagazmente, compartilhou aquela notícia chocante com ele. “Fazer o que, né, colega? Isso é o país em que vivemos. Viva o Bra-ziu!”.
Satisfeito com sua contribuição, o internauta bem informado segue para os próximos “hits do dia” nas redes sociais, afinal, “isso é Brasil” — não tem jeito. E ele, pessoa politizada e, portanto, ciente do “beco sem saída” que é o nosso país, nem vai se dar ao trabalho de pensar sobre o assunto (e muito menos fazer algo a respeito), uma vez que essa nação é feita de pessoas naturalmente incompetentes e políticos naturalmente corruptos. Confere? Não confere. Na verdade, cidadão politizado, o problema, neste cenário, não é o Brasil. É você.
Quando um indivíduo, ao deparar-se com determinado problema que considera sério, resume seu pensamento e manifestação à depreciação verbal genérica e gratuita de seu país, só podemos concluir que ele atingiu um nível sobre-humano de apatia mental e social. Além de não agir para mudar a situação que o indignou, contribui para difundir um clima negativo, conformista e preguiçoso por onde passa, contagiando outras pessoas com a ideia deturpada de que é impossível mudar as coisas para melhor (ou que simplesmente não vale a pena), porque “o povo brasileiro é assim mesmo”.
Resumo da ópera: quem não quiser realmente tentar entender o problema, trocar ideias sobre como solucioná-lo, contribuir com organizações e movimentos sociais envolvidos no assunto, criar ou participar de campanhas de conscientização, e procurar votar em políticos empenhados na causa em questão, que pelo menos pare de encher o saco com reducionismos pessimistas e burros. A esfera pública agradece.


“Isso é Brasil” agora, mas pode mudar. E depende de você também.

Imaginem se, há 30, 40 anos atrás, quando ainda vivíamos uma ditadura, todos pensassem que o “Brasil é assim mesmo”, que “somos um povo submisso que só funciona na ‘base da porrada’”? Imaginem se a população tivesse desistido de exigir a redemocratização, e se resignado, limitando-se a comentar com seus conhecidos, em cafés e restaurantes, que “aquilo era o Brasil”. Foi porque as pessoas não se conformaram com o que o Brasil era ou parecia ser que hoje nós vivemos uma democracia plena, onde todos podem se manifestar da forma que julgam melhor (até de forma superficial e não construtiva, como a que estamos tratando neste texto).
O direito à liberdade de pensamento e expressão é indiscutível, e o que deixo aqui é apenas um humilde conselho: vamos usar essas prerrogativas de verdade. Para debater, e não para cair em chavões limitados e vazios de que o país é uma porcaria generalizada, pior que qualquer outro, que nosso povo é burro e corrupto, que estamos no fundo poço e nunca sairemos dele, e que é impossível mudar a realidade em que vivemos. Isso não quer dizer, de forma alguma, que devemos fugir dos problemas ou nos conformarmos com o que já foi conquistado, pois ainda existem inúmeros desafios a serem superados nesse Brasil continental. Se “isso” é mesmo o Brasil, a mudança só depende de nós.


*Jornalista, feminista e mais alguns outros “istas”. Fã de gastronomia e de literatura de esquerda. Procurando entender o mundo, um dia de cada vez

Banksters - Os oráculos da pilantrage​m



 
31/05/2014



 
Os oráculos da pilantragem


Por Mauro Santayana



A Comissão Européia acusou, formalmente, na semana passada, os bancos HSBC, Crédit Agricole e JP Morgan, de promover acordos, por debaixo do pano, para manipular a taxa interbancária EURIBOR – que afeta diretamente o custo dos empréstimos para os tomadores.
Do golpe, participavam também o Barclays, o Societé Generále, o Royal Bank of Scotland, e o Deutsche Bank, já condenados, pelo mesmo crime, em dezembro, a pagar multa de mais de um bilhão de euros.
O Deutsche, maior banco da Alemanha, teve de ser capitalizado em 8 bilhões de euros, esta semana, para para não quebrar. O Banco Espírito Santo, de Portugal, também a ponto de quebra, foi acusado, pela KPMG, de graves irregularidades em suas contas. E o Crédit Suisse foi condenado a pagar 2,6 bilhões de dólares à justiça dos EUA, por favorecimento ao desvio de divisas e à sonegação de impostos.
Para Bertold Brecht, era melhor fundar um banco que assaltá-lo. E Bernard Shaw lembrava que não há diferença entre o pecado de um ladrão e as virtudes de um banqueiro.
O mundo muda. Hoje, uma diferença de menos de 2% separa o peso das seis maiores economias emergentes das seis maiores economias “desenvolvidas” e as reservas em mãos do primeiro grupo quase triplicam as do segundo.
Mas, no Brasil, continuamos ouvindo, como se fossem oráculos, a opinião dos banqueiros estrangeiros, que só estão em nosso país para organizar a espoliação sistemática de nossas riquezas e do nosso mercado.
Lá fora, a opinião pública chama essa gente de banksters (foto acima) unindo em uma só palavra o termo bankers (banqueiro) e gangsters (bandidos).
Aqui, o que diz um representante deles – que estão quebrando ou são acusados de crimes em seus países de origem – é sagrado.
Independente de quem estiver no poder no governo, o Brasil, se quiser continuar atraindo dinheiro externo, precisa estabelecer instrumentos próprios de defesa da imagem do país lá fora, criando, como se está projetando fazer com os BRICS, agências próprias de qualificação, bancos de fomento, fundos de reserva, etc.
Até mesmo porque a credibilidade das principais agências de qualificação que existem hoje está tão baixa, no exterior, quanto a dos bancos, aos quais tantas vezes se aliam e protegem, para enganar e pilhar países e correntistas.
É preciso que aprendamos a não dar ouvidos aos enganosos oráculos da pilantragem.
Assim como no Brasil, na China os maiores bancos são estatais, e a dependência de capital externo no mercado financeiro é – até por uma questão estratégica – marginal e quase irrelevante.
A diferença que existe entre nós e eles – prestes a se transformar na maior economia do planeta – é que, no Brasil, a opinião de instituições externas, acusadas de envolvimento em duvidosos episódios e nas últimas crises internacionais, orienta e pauta as ações do governo, e vai para a primeira página dos jornais.
Em lugares como Pequim e Xangai, o país, os empreendedores e os consumidores, estão se lixando, redondamente, para a opinião dos bancos ocidentais.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Choque de gestão de Aécio expulsaria 19 milhões de pobres do Bolsa Família

Eis o que diz a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello:
 





 


http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/2014/05/choque-de-gestao-de-aecio-expulsaria-19.html




30/05/2014


Choque de gestão de Aécio expulsaria 19 milhões de pobres do Bolsa Família



​Aécio apavora de novo. Agora já planeja jogar 19 milhões de brasileiros, que saíram da linha de pobreza nos governos Lula e Dilma, ao retrocesso da vida que tinham de pobreza no governo FHC.

É o fantasma do passado atacando.

À primeira vista achei que a proposta do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de mexer no Bolsa Família às vésperas da eleição era, além de mero oportunismo eleitoreiro, só coisa de "filhinho de papai" mimado, que mora na avenida mais cara do Rio de Janeiro de frente para o mar, e que não tem a menor noção das necessidades das pessoas mais pobres.

Coisa de quem não sabe como é a vida de lavradores de baixa renda, que vivem em lugares longe, de populações ribeirinhas, de vila de pescadores distantes, de pessoas que não tiveram oportunidade nem de se alfabetizar ainda. De mães que trabalham o dia inteiro e ainda tem que cuidar dos filhos.

Mas é muito pior do que isso.

O projeto do tucano quer exigir de maiores de idade que façam obrigatoriamente cursos de qualificação profissional. Se não fizerem, perderão o pagamento do Bolsa Família. Isso no projeto do Aécio, que não vai ser aprovado, porque seria um enorme retrocesso.
Na teoria poderia ser até uma tese aceitável, afinal como ser contra alguém que vive em situação de pobreza se qualificar melhor? Aliás, o Ministério do Desenvolvimento Social já faz isso. Oferece o Pronatec Brasil Sem Miséria, onde 1,2 milhão de beneficiários do Bolsa Família já se matricularam em cursos profissionalizantes e técnicos. Mas, diferente do projeto do Aécio, ninguém é expulso do Bolsa Família se não conseguir vaga imediatamente ou se viver em um lugar onde ainda não há cursos.

Só que na prática a proposta de Aécio é um desastre. Por mais que Lula e Dilma tenham investido em escolas técnicas, cursos profissionalizantes e assistência técnica rural, ainda não há como atender todo mundo do dia para noite, seja por haver famílias que vivem mais isoladas das cidades onde há os cursos, em um país continental como o nosso. Seja por trabalharem e o horário dos cursos não encaixar. Seja porque outros governos como o de FHC/PSDB/Aécio não fizeram sua parte no passado, deixando gente demais para trás, sem qualificação. Agora Lula e Dilma estão tirando o atraso e de forma acelerada. Até agora, só no Pronatec já são quase 7 milhões de matrículas.
Além do mais, cursos profissionalizantes precisam ser focados, de acordo com as potencialidades de trabalho em cada região. Não funciona levar um curso de soldagem industrial para o sertão rural sem indústrias, e não funciona cursos relacionados à agricultura familiar para quem vive em metrópoles sem área para cultivo. Os próprios cursos precisam ser elaborados, precisam de professores que sabem o que ensinam, para dar resultado, para o cidadão sair do curso e ter condição de arranjar um emprego ou empreender um pequeno negócio de sucesso, mesmo que seja em casa.

Pelo projeto do Aécio, um auxiliar de pedreiro que precisa do Bolsa Família, em vez de especializar-se em sua área, teria que fazer curso de manicure, se só tivesse vagas neste curso. E como obrigar uma mãe que precisa trabalhar o dia inteiro, e ainda tem que cuidar dos filhos, a frequentar um curso profissionalizante, se ela não tem horário livre? Só tucano mesmo, para propor uma coisa destas.
A proposta de Aécio é um desastre porque é óbvio que quanto menos desenvolvida a região, quanto menor o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), menos tem disponibilidade de cursos técnicos e de instrutores, ainda. Como expulsar estes adultos do Bolsa Família antes dos cursos técnicos chegarem até eles? É desumano. É condená-los de volta à fome. A conta não fecha.

Aliás a conta fecha sim, de forma maquiavélica. É a conta do "choque de gestão", das medidas amargas, do arrocho, do FMI, do Armínio Fraga. A conta é expulsar 19 milhões de pessoas do Bolsa Família, cortando verbas sociais.
Segundo a ministra do Desenvolvimento Social, que tem os números à mão, cerca de 20 milhões de adultos são beneficiários do Bolsa Família. Como tucano nunca gostou de investir em escola técnica pública para pobre (*) se pelo menos mantivesse as vagas do Pronatec Brasil Sem Miséria (em vez de cortar), 19 milhões iriam ter o Bolsa Família cortado porque não conseguiriam fazer o ensino técnico.

Entenderam o plano maquiavélico da tucanada?

Há outros absurdos na proposta de Aécio, como não entender que no Pronatec tem vagas para quem tem o ensino médio, outras vagas são para diferentes níveis de escolaridade, e há pessoas no Bolsa Família que já são idosas, outras que precisam terminar o EJA (Educação de Jovens e Adultos). Há uma diversidade de casos que não tem como cumprir as exigências que o tucano quer impor numa canetada.

O objetivo do Pronatec não é apenas para os beneficiários do Bolsa Família, é também para nós brasileiros não perdermos as oportunidades de empregos que se abrem. Senão a Petrobrás e seus fornecedores iriam acabar tendo que contratar estrangeiros para conseguir explorar o pré-sal, por exemplo, por falta de mão de obra brasileira.



(*) No governo do FHC/PSDB/Aécio eles fizeram uma lei para proibir o governo federal de fazer escola técnica. É mole?

O jeitinho fashion de bater a carteira e gritar “pega ladrão”

 
 

DCM, 30/05/2014

 

O incrível tiro no pé da Ellus (ou: o jeitinho fashion de bater a carteira e gritar “pega ladrão”)​


Por Kiko Nogueira​



Escravos
Escravos


Ao fazer uma denúncia, ou algo que o valha, num desfile, a Ellus chamou atenção nacionalmente para um problema importante — num dos maiores tiros no pé em toda a história do marketing.
Na São Paulo Fashion Week, foi lido um manifesto cabeça-oca chamado “Desabafo”. Se a intenção era provar o estereótipo de que a indústria da moda é forrada de pessoas superficiais, iletradas e magras, o objetivo foi plenamente alcançado.
Um trecho:
“Brasil = ineficiência, improdutividade. Isso faz com que fiquemos isolados do mundo, acarretando esse atraso todo em relação ao mundo moderno.
É claro que os maiores responsáveis são os políticos e os governos antiquados, cartoriais, quase medievais, que com suas ideias atrasadas de protecionismo acabam por gerar atrofia.
Precisamos desburocratizar, simplificar para motivar, avançar, abrir, internacionalizar, se não, cada vez mais, ficaremos isolados nas geleiras do Polo Sul.”
(“Geleiras do Pólo Sul??”)
Não demorou e descobriu-se que a Ellus está sendo processada por uso de trabalho escravo. É espantoso que quem tenha escrito um texto falando sobre o quanto somos vagabundos não tenha levado isso em conta (quem assina é a entidade difusa “time Ellus”).
Mas o debate trouxe à tona casos envolvendo outras marcas como M.Officer, Marisa, Pernambucanas, C&A, Collins e Gregory (além da Zara, já um clássico). Recentemente, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo teve a ideia de criar um polo têxtil de trabalhadores imigrantes financiado por empresas do setor. Ficaria na região de Itaquaquecetuba ou Carapicuíba e seria mantido com o dinheiro da aplicação das multas às empresas.
Quem cumpre rigorosamente a lei tem muito interesse em combater aquele que agride a legislação. Então, nós vamos lançar um programa envolvendo as 70 grandes marcas que estão no topo da cadeia produtiva no setor de costura, com o objetivo de isolar economicamente aqueles que exploram o trabalho escravo”, disse o procurador Luiz Fabre, do MPT, ao Terra.
E o Senado aprovou nesta semana, por unanimidade, a PEC do Trabalho Escravo, que determina a expropriação de imóveis urbanos e rurais onde seja constatada exploração de trabalho escravo ou de gente em situação análoga à escravidão.
O texto vai à promulgação pelo Congresso. Ficou 15 anos em tramitação. Sem o apoio inestimável da Ellus e de sua tática de bater a carteira e gritar “pega ladrão”, demoraria muito mais tempo.


A nova versão da camiseta
A nova versão da camiseta

Sobre o Autor
Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.​

A melhor notícia do ano

 
 
 
 

 

Brasil 247, 30 de maio de 2014


 
A melhor notícia do ano


Por Bepe Damasco


​No final da manhã fria para os padrões cariocas desta quinta-feira, 29 de maio, entro na internet em busca de notícias com a certeza de topar pela milésima vez com mais manchetes sobre greves e manifestações ou problemas nos estádios e em outras obras para a Copa. Coisas de uma mídia conservadora e partidarizada que, mais uma vez, vai perdendo a queda de braço com a realidade, já que os  estádios estão prontos e grande parte das obras também. Mas não. Desta vez o destaque absoluto é para o périplo de Joaquim Barbosa pelo Congresso Nacional e Palácio do Planalto para anunciar sua aposentadoria em junho. Comemorei como pretendo comemorar um gol do Neymar na final da Copa. Afinal, não é toda hora que se recebe uma notícia capaz de tornar o Brasil um país melhor.

Ao longo do seu protagonismo midiático, que teve início em 2007 quando o Supremo aceitou a denúncia contra os réus da Ação Penal 470, Barbosa disseminou ódio e intolerância, violou o Código Penal e o Código de Processo Penal, desprezou jurisprudências, afrontou a Constituição brasileira, cerceou o direito dos réus à ampla defesa, aplicou teorias jurídicas estapafúrdias para condenar sem provas, desprezou o depoimento de mais de 600 pessoas que negaram o mensalão (para dar crédito apenas ao denunciante), fatiou o processo da forma mais oportunista, sustentou toda a acusação sob o  falso pilar do desvio de dinheiro público, aplicou penas absurdas ( Marcos Valério cumpre pena de mais de 37 anos, enquanto o jovem que tirou a vida de 67 militantes trabalhistas, na Noruega, pegou 17 anos), enfim, é responsável pela maior farsa da história do Judiciário brasileiro. Sua falta de espírito democrático, de respeito a ideias divergentes e de um mínimo de civilidade no trato com os outros ministros proporcionaram cenas constrangedoras difíceis de esquecer.

Não satisfeito, inovou ao se transformar no primeiro presidente de Suprema Corte dublê de chefe de carceragem. No exercício dessa função canhestra e bizarra, perseguiu de maneira implacável os presos petistas. Sofrendo de cardiopatia grave, Genoíno é mandado de volta para a Papuda, enquanto José Dirceu, que cumpre pena de forma ilegal há seis meses, já que foi condenado pelo regime semiaberto e cumpre pena no regime fechado, vê negados todos os seus pedidos para trabalhar fora, sob as justificativas mais torpes e mentirosas. Acabou por suspender o direito ao trabalho de todos os outros presos da AP 470, trancafiando todo mundo de volta na Papuda. Na tentativa de dar algum verniz de legalidade a esses atos apelou para a exigência do cumprimento de pelo menos 1/6 da pena para se ter direito ao trabalho externo.

Com essa medida insana, que se choca com decisões de tribunais superiores e com toda jurisprudência, ele não só se lixou para a situação dos quase 100 mil apenados que cumprem pena no semiaberto e trabalham, como deu a derradeira demonstração de que pratica uma espécie medieval de direito, na qual não há espaço para  um pingo de humanismo, mas sobram impulsos mesquinhos e vingativos. Os recursos da defesa dos presos, pedindo que o plenário do STF se posicionasse sobre o direito ao trabalho, jamais foram pautados por Barbosa na ordem do dia do Supremo. Por temer a derrota entre seus pares, ele não hesita em lançar mão de uma prerrogativa execrável e antidemocrática do regimento do STF, que permite ao presidente da Corte a definição da pauta de votações.

O fato é que, pelo conjunto da obra, Barbosa hoje é praticamente uma unanimidade negativa no mundo jurídico, diante do qual vive um isolamento irreversível. Todas as associações de magistrados já se manifestaram contra sua conduta, bem como juristas progressistas e conservadores, OAB, instâncias da Igreja Católica, movimentos sociais, intelectuais e artistas e centrais sindicais. Apenas reacionários até a medula de setores da classe média e da elite ainda aplaudem as atrocidades cometidas por Barbosa, além é claro da velha mídia monopolista, mas com defecções vindas de um ou outro articulista mais independente ou notadas através de algumas matérias críticas a Barbosa, publicadas principalmente no Estadão.

Nem vou perder muito tempo aqui com considerações sobre episódios como a compra do  apartamento de Miami, o emprego do filho por Luciano Hulck, na Globo, as diárias recebidas em viagens de férias, o convite para uma jornalista de O Globo acompanhá-lo em viagem autopromocional ao exterior, etc. Afinal, esses acontecimentos falam por si em relação ao falso moralismo de Barbosa,

Joaquim Barbosa parte sem deixar saudade em todos aqueles que têm apreço pela tolerância e pelo debate democrático, pela afabilidade e serenidade, pela generosidade e pelo respeito à dor alheia. Fica a esperança de que o mais grosseiro e despreparado de todos os juízes que já passaram pelo STF seja um dia lembrado nos bancos escolares de direito como um exemplo a não ser seguido.​

O novo papel de Joaquim

​30/05/2014​


O NOVO PAPEL DE JOAQUIM



Paulo Moreira Leite



A saída de Joaquim Barbosa do STF representa um alívio para a Justiça do país e é uma boa notícia para os fundamentos da democracia brasileira. Abre  a oportunidade para a recuperação de noções básicas do sistema republicano, como a separação entre poderes, e o respeito pelos direitos humanos – arranhados de forma sistemática no tratamento dispensado aos réus da Ação Penal 470, inclusive quando eles cumpriam pena de prisão.
Ao aposentar-se, Joaquim Barbosa ficará longe dos grandes constrangimentos que aguardam “o  maior julgamento do século”, o que pode ser util na preservaçãdo do próprio mito.
Para começar, prevê-se, para breve, a absolvição dos principais réus do mensalão PSDB-MG, que sequer foram julgados – em primeira instância – num tribunal de Minas Gerais. Um deles, que embolsou R$ 300.000 do esquema de Marcos Valério – soma jamais registrada na conta de um dirigente do PT - pode até sair candidato ao governo de Estado.
Joaquim  deixa o Supremo depois de uma decisão que se transformou em escândalo jurídico.  Num gesto que teve como consequência real manter um regime de perseguição permanente aos condenados da AP 470, revogou uma jurisprudência de quinze anos, que permitia a milhares de réus condenados ao regime semi-aberto a trabalhar fora da prisão - situação que cedo ou tarde iria incluir José Dirceu, hoje um entre tantos outros condenados. Mesmo Carlos Ayres Britto, o principal aliado que Joaquim já fez no STF, fez questão de criticar a decisão. Levada para plenário, essa medida é vista como uma provável derrota de Joaquim para seus pares que, longe de expressar qualquer maquinação política de adversários, apenas reflete o desmonte de sua liderança no STF. 
Em outro movimento na mesma direção,  o Supremo acaba de modificar as regras para os próximos julgamentos de políticos. Ao contrário do que se fez na AP 470 – e só ali - eles não serão julgados pelo plenário, mas por turmas em separado do STF. Não haverá câmaras de TV. E, claro:  sempre que não se tratar de um réu com direito a foro privilegiado, a lei será cumprida e a ninguém será negado o direito de um julgamento em primeira instância, seguido de pelo menos um novo recurso em caso de condenação. É o desmembramento, aquele recurso negado apenas aos réus da AP 470 e que teria impedido, por exemplo, malabarismos jurídicos como a Teoria do Domínio do Fato, com a qual o Procurador Geral da Republica tentou sustentar uma denúncia sem provas consistentes contra os principais réus. 
Hoje retratado como uma autoridade inflexível,   incapaz de qualquer gesto inadequado para defender interesses próprios – imagino quantas vezes sua capa negra será exibida nos próximos dias, num previsível efeito dramático  – Joaquim chegou ao STF pelo caminho comum da maioria dos mortais. Fez campanha.
Quando duas aguerridas parlamentares da esquerda do PT – Luciana Genro e Heloísa Helena – ameaçaram subir à tribuna do Congresso para denunciar um caso de agressão de Joaquim a sua ex-mulher, ocorrido muitos anos antes da indicação, quando o casal discutia a separação,  o presidente do partido José Genoíno (condenado a seis anos na AP 470) correu em  defesa do candidato ao Supremo. Argumentou que a indicação representava um avanço importante na vitória contra o preconceito racial e convenceu as duas parlamentares. (Dez anos depois desse gesto, favorável a um cidadão que sequer conhecia, Joaquim formou sucessivas juntas médicas para examinar o cardiopata Genoíno. Uma delas autorizou a suspensão da prisão domiciliar obtida na Justiça).
O diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato (condenado a 12 anos na AP 470) foi procurado para dar apoio, pedindo a Gilberto Carvalho que falasse de seu nome junto a Lula. José Dirceu (condenado a 10 anos e dez meses, reduzidos para sete contra a vontade de Joaquim), também recebeu pedido de apoio. Dezenas – um deputado petista diz que eram centenas – de cartas de movimentos contra o racismo foram enviadas ao gabinete de Lula, em defesa de Joaquim. Assim seu nome  atropelou outro juristas negros – inclusive um membro do Tribunal Superior do Trabalho, Carlos Alberto Reis de Paula – que tinha apoio de Nelson Jobim para ficar com a vaga.
Quando a nomeação enfim saiu, Lula resolveu convidar Joaquim para acompanhá-lo numa viagem presidencial a África. O novo ministro recusou. Não queria ser uma peça de marketing, explicou, numa entrevista a Roberto dÁvila. Era uma referência desrespeitosa, já que a África foi, efetivamente, um elemento importante da diplomacia brasileira a partir do governo Lula, que ali abriu embaixadas e estabeleceu novas relações comerciais e diplomáticas.
De qualquer modo, se era marketing convidar um ministro negro para ir a África, por que não recusar a mesma assinatura da mesma autoridade que o indicou para o Supremo?
À frente da AP 470, Joaquim Barbosa jamais se colocou na posição equilibrada que se espera de um juiz. Não pesou os dois lados, não comparou argumentos.
Através do inquérito 2474, manteve em sigilo fatos novos que poderiam embaralhar o trabalho da acusação e que sequer chegaram ao conhecimento do plenário do STF – como se fosse correto selecionar elementos de realidade que interessam a denúncia,  e desprezar aqueles que poderiam, legitimamente, beneficiar os réus.   Assumiu o papel de inquisidor, capaz de tentar destruir, pela via do judiciário, aquilo que os adversários do governo se mostravam incapazes de obter pelas urnas.
Ao verificar que o ministro era capaz de se voltar em fúria absoluta contra as forças políticas que lhe deram sustentação para chegasse a mais alta corte do país, os adversários da véspera esqueceram por um minuto as desconfianças iniciais, as críticas ao sistema de cotas e todas políticas compensatórias baseadas em raça.
Passaram a dizer, como repete Eliane Cantanhede na Folha hoje, que Joaquim rebelou-se contra o papel de “negro dócil e agradecido.” Rebelião contra quem mesmo? Contra o que? A favor de quem?
Já vimos e logo veremos.
Basta prestar atenção nos sorrisos e fotografias da campanha presidencial.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O legado de um antibrasil​eiro



http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-legado-de-joaquim-barbosa/



DCM, 29/05/2014



O legado de um antibrasileiro

Por Paulo Nogueira
jornalista, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.



​Se for confirmada a aposentadoria de Joaquim Barbosa para junho, chegará ao fim uma das mais trágicas biografias do sistema jurídico brasileiro.
O legado de Barbosa resume-se em duas palavras absolutamente incompatíveis com a posição de juiz e, mais ainda, de presidente da mais alta corte nacional: ódio e vingança. Foi a negação do brasileiro, um tipo cordial, compassivo e tolerante por natureza.
A posteridade dará a ele o merecido espaço, ao lado de personalidades nocivas ao país como Carlos Lacerda e Jânio Quadros.
Barbosa acabou virando herói da classe média mais reacionária do Brasil e do chamado 1%. Ao mesmo tempo, se tornou uma abominação para as parcelas mais progressistas da sociedade.
É uma excelente notícia para a Justiça. Que os jovens juízes olhem para JB e reflitam: eis o que nós não devemos fazer.
Sua anunciada saída revela cálculo e orgulho: ele está hoje em monumental minoria no STF, depois da renovação dos quadros. Só impõe sua vontade a marretadas, monocraticamente, sem que tenha que convencer seus pares. Das marretadas foram vítimas notáveis Dirceu e Genoino.
Este o cálculo: JB sabe que perdeu todo o poder de influência. O orgulho entra na seguinte questão: como aceitar, depois de tudo, ser comandado por Lewandowski no próximo rodízio na presidência no Supremo?
O que será dele?
Dificuldades materiais Joaquim Barbosa não haverá de ter. O 1% não falha aos seus.
Você pode imaginá-lo facilmente como um palestrante altamente requisitado, com cachês na casa de 30 000 reais por uma hora, talvez até mais. Com isso poderá passar longas temporadas em Miami.
Na política, seus passos serão necessariamente limitados. Ambições presidenciais só mediante uma descomunal dose de delírio.
Joaquim Barbosa é adorado por aquele tipo de eleitor ultraconservador que não elege presidente nenhum.
Ele foi, na vida pública brasileira, mais um caso de falso novo, de esperanças de renovação destruída, de expectativas miseravelmente frustradas.
Que o STF se refaça depois do trabalho de profunda desagregação de Joaquim Barbosa em sua curta presidência.
Nunca, desde Lacerda, alguém trouxe tamanha carga de raiva insana à sociedade a serviço do reacionarismo mais petrificado.
Que se vá – e não volte a assombrar os brasileiros.
Vi, em Trafalgar Square, a festa que os ingleses fizeram quando Maggie Thatcher morreu. Um sindicalista contou que abriu e tomou uma garrafa de uísque que guardara durante vinte anos para a ocasião.
Penso aqui comigo que muita gente no Brasil haverá de comemorar o fim de JB como juiz. Mentalmente me uno à festa.

Os órfãos de Joaquim Barbosa

Carta Maior, 29/05/2014



Os órfãos de Joaquim Barbosa

 
Por Saul Leblon



Joaquim Barbosa deixa a cena política como um farrapo do personagem desfrutável que se ofereceu um dia ao conservadorismo brasileiro.

Na verdade, não era  mais funcional ter a legenda política associada a ele.

Sua permanência à frente do STF tornara-se insustentável.

Vinte e quatro horas antes de comunicar a aposentadoria,  já era identificado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, como um fator de insegurança jurídica para o país.

A OAB o rechaçava.
O mundo jurídico manifestava constrangimento diante da incontinência autoritária.

A colérica desenvoltura com que transgredia  a fronteira que separa o sentimento de  vingança e ódio da ideia de justiça, inquietava os grandes nomes do Direito.

Havia um déspota sob a toga que presidia a Suprema Corte do país.

E ele não hesitava em implodir o alicerce da equidistância republicana que confere à Justiça o consentimento legal,  a distingui-la dos linchamentos falangistas.

O obscurantismo vira ali, originalmente, o cavalo receptivo a um enxerto capaz de atalhar o acesso a um poder que sistematicamente lhe fora negado pelas urnas.

Barbosa retribuía a ração de holofotes e bajulações mercadejando ações cuidadosamente dirigidas ao desfrute da propaganda conservadora.

Na indisfarçada  perseguição a José Dirceu, atropelou decisão de seus pares pondo em risco  um sistema prisional em que 77 mil sentenciados desfrutam o mesmo semiaberto subtraído ao ex-ministro.

Desde o início do julgamento da AP 470  deixaria  nítido o propósito de atropelar o rito, as provas e os autos, em sintonia escabrosa com a sofreguidão midiática.

Seu desabusado comportamento exalava o enfado de quem já havia sentenciado os réus  à revelia dos autos, como se viu depois,  sendo-lhe  maçante e ostensivamente desagradável submeter-se aos procedimentos do Estado de Direito.

O artificioso recurso do domínio do fato, evocado como uma autorização para condenar sem provas, sintetizou a marca nodosa de sua relatoria.

A expedição de mandatos de prisão no dia da República, e no afogadilho de servir à grade da TV Globo,  atestaria a natureza viciosa de todo o enredo.

A exceção inscrita no julgamento reafirmava-se na execução despótica de sentenças sob o comando atrabiliário de quem não hesitaria em colocar vidas em risco.

O  que contava era  servir-se da lei. E não servir à lei.

A mídia isenta esponjava-se entre o incentivo e a cumplicidade.

Em nome de um igualitarismo descendente que, finalmente, nivelaria pobres e ricos no sistema prisional,  inoculava na opinião pública o vírus da renúncia à civilização em nome da convergência pela barbárie.

A aposentadoria de Barbosa não apaga essa nódoa.

Ela continuará a manchar o Estado de Direito enquanto não for reparado o arbítrio a que tem sido submetidas lideranças da esquerda brasileira, punidas não pelo endosso, admitido, e reprovável, à prática do caixa 2 eleitoral.

Igual e precedente infração cometida pelo PSDB, e relegada pela toga biliosa, escancara o prioritário sentido da AP 470:  gerar troféus de caça a serem execrados em trunfo no palanque conservador.
A liquefação jurídica e moral de  Joaquim Barbosa nos últimos meses tornou essa estratégia anacrônica e perigosa.

A toga biliosa assumiu, crescentemente, contornos de um coronel Kurtz, o personagem de Marlon Brando, em Apocalypse Now, que se desgarrou do exército americano no Vietnã para criar  a sua própria guerra dentro da guerra.

Na guerra pelo poder, Barbosa lutava a batalha do dia anterior.

Cada vez mais, a disputa eleitoral em curso no país é ditada pelas escolhas que a  transição do desenvolvimento impõe à economia, à sociedade e à democracia.

A luta se dá em campo aberto.

Arrocho ou democracia social desenham  uma encruzilhada de nitidez crescente aos olhos da população.

A demonização do ‘petismo’ não é mais suficiente para sustentar os  interesses conservadores na travessia de ciclo que se anuncia.

Aécio Neves corre contra o tempo para recadastrar seu  apelo no vazio deixado pela esgotamento da judicialização da política.

Enfrenta dificuldades.

Não faz um mês, os centuriões do arrocho fiscal que o assessoram –e a mídia que os repercute-  saíram de faca na boca após o discurso da Presidenta Dilma, na véspera do 1º de Maio.

Criticavam acidamente o reajuste de 10%  aplicado ao benefício do Bolsa Família.

No dia seguinte, numa feira de gado em Uberaba, MG, o tucano ‘não quis assumir o compromisso de aumentar os repasses, caso seja eleito’, noticiou a Folha de SP (02-05).

‘De mim, você jamais ouvirá uma irresponsabilidade de eu assumir qualquer compromisso antes de conhecer os números, antes de reconhecer a realidade do caixa do governo federal", afirmou Aécio à Folha, na tarde daquela sexta-feira.

Vinte e seis dias depois, o mesmo personagem, algo maleável, digamos assim, fez aprovar, nesta 3ª feira,  na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, uma medida que exclui limites de renda e tempo para a permanência de famílias pobres no programa (leia a reportagem de Najla Passos; nesta pág)

A proposta implica dispêndio adicional que o presidenciável recusava assumir há três semanas.

Que lógica, afinal, move as relações do candidato com o Bolsa Família?

A mesma de seu partido, cuja trajetória naufragou na dificuldade histórica do conservadorismo em lidar com a questão social no país.

Órfão da toga justiceira, Aécio Neves tenta vestir uma inverossímil fantasia de justiceiro social, desde logo esgarçada pela estreiteza dos interesses que representa.

 A farsa corre o risco de evidenciar seus limites  tão rapidamente quanto a anterior.

A ver.

A saída de Joaquim Barbosa preenche uma lacuna no Judiciário brasileiro




A saída de Joaquim Barbosa preenche uma lacuna no Judiciário brasileiro

 


Por Fernando Brito



                                                                                                                   




A anunciada saída do Ministro Joaquim Barbosa pode ser um alívio, mas não é uma alegria para quem deseja que o Judiciário brasileiro evolua para a plenitude institucional de uma Corte a quem cabe, sobretudo, guardar o respeito à Constituição.
Não é uma alegria porque a sua presença no cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal poderia ser, enfim, a afirmação da diversidade étnica deste país tão marcado pelo preconceito e pelas injustiças com nossos irmãos negros.
Não é uma alegria porque Joaquim Barbosa, por todas as dificuldades que lhe deu sua origem humilde, poderia também mostrar que as oportunidades da educação podem transformar em iguais aqueles que vêm de famílias pobres, trabalhadoras e sacrificadas em nome do desejo de educar seus filhos.
Não é uma alegria, sobretudo, porque sua cátedra no STF, em lugar de ser o júbilo geral por alguém  que  carregava  em si o látego que se abateu – e que se abate, figurativamente – sobre negros e pobres deste país demonstrasse a grandeza de ser firme com suavidade, diferente sem teatralidades, humano e generoso sem fraqueza, tornou-se,  essencialmente, um retrato do ódio e da intolerância.
A magistratura exige – e a mais alta magistratura, sempre e muito mais – exige discrição, exige tolerância, exige ponderação e quantas vezes isso faltou ao Dr. Joaquim.
Não se quer dele ou de qualquer outro a infalibilidade, a perfeição, uma condição sobre-humana.
Ao contrário, foi ele quem sempre procurou mostrar-se assim, agradado de comparações com a figura de um “Batman”, vingador, justiceiro.
Joaquim Barbosa virou, sim, herói.
Herói dos homens pequenos, cuja ideia de Justiça é a da imposição de sua vontade e de humilhação do diferente, do divergente, em lugar de, ainda assim, respeitar a sua honra, o seu direito, a sua condição de humano e, por isso, igual.
O Dr. Barbosa não hesitava, inclusive, em tentar desmoralizar publicamente todo aquele com quem concordava.
E o furor de construir-se assim, o deus dos intolerantes, afinal, acabou por levá-lo ao melancólico isolamento com que se encerra sua carreira na Suprema Corte.
Mesmo os que lhe aplaudem, por conveniência política, em voz baixa o tem na conta de um homem sem equilíbrio.
Ou do homem mau, como disse dele o jurista Celso Bandeira de Mello.
Sai, assim, sem deixar alegrias, mas provocando alívio.
Porque restaura um mínimo de equilíbrio na Corte Suprema brasileira, a quem ele publicamente desonrou ao, derrotado, atribuir-lhe uma intenção subalterna de uma “sanha reformadora” de uma “maioria de ocasião”.
Barbosa não percebeu que a toga deve ter o condão e reduzir o homem e ampliar a alma de quem a enverga.


Barbosa faz leitu​


Fracking: já fracassou na Califórnia, qual o próximo lugar?





http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Fracking-ja-fracassou-na-California-qual-o-proximo-lugar-/3/31044






​Carta Maior, 29/05/2014 




Fracking: já fracassou na Califórnia, qual o próximo lugar?


 


Mike Ludwig, do Truthout


 
Representantes da Administração de Informação de Energia (EIA), orgão ligado ao governo federal norte-americano, informaram na quarta-feira que estão diminuindo – em 96% - a proporção estimada de petróleo que seria retirada das formações de xisto de Monterey, Califórnia.

Ambientalistas comemoram o esforço legislativo como uma tentativa de colocar o fracking californiano em moratória.

Em 2012, os oficiais federais estimaram que poderiam ser retirados 13.7 bilhões de barris de petróleo do campo de xisto em Monterey. Agora, a EIA diz que somente 600 milhões de barris de petróleo podem ser retirados usando as tecnologias existentes como tratamento com ácido e fracking, a técnica controversa que envolve forçar milhões de litros de água contendo silício e químicos para quebrar formações rochosas.

A estimativa mais nova foi baseada num estudo de 2011 feito pela EIA e assumiu que as técnicas mais recentes de extração fariam com que as reservas de Monterey fossem as mais fáceis de extrair o xisto. Mais fáceis até do que as formações do Texas e da Dakota do Norte, onde a tecnologia do fracking alimentou o boom do gás e do petróleo. Mas parece que as formações geológicas no xisto de Monterey não são tão fáceis assim de ‘furar’ por terem sido impactadas pelas atividades sísmicas.

“Com as informações que conseguimos juntar, não tivemos evidências comprovando que o uso do fracking nesse local é produtivo,” John Staub, analista da EIA, disse ao Los Angeles Times.

A estimativa de 2012 tornou as companhias petrolíferas operantes na Califórnia ainda mais apressadas em usar o fracking, entre outros métodos para explorar a área de xisto de Monterey que contém dois terços das reservas de petróleo da nação. Uma investigação da Truthout em 2013 revelou que companhias petrolíferas experimentavam o fracking em mar aberto, no canal de Santa Bárbara, e que os fiscais federais permitiam o fracking sem revisão dos possíveis impactos ambientais.

Mesmo com a oposição inabalável dos grupos ambientalistas, o governador da Califórnia, Jerry Brown, abraçou o 'boom', o qual era originalmente projetado para criar 2.8 milhões de novos empregos para o Estado e $24.6 bilhões em receita anual de impostos, de acordo com um estudo em 2013 que foi parcialmente financiado pela Associação de Petróleo dos Estados do Oeste (WSPA).

"Agora sabemos que a bonança econômica do gás de xisto prometida pelo governador Brown não virá,” disse Jennifer Krill, diretora do grupo ambiental Earthworks. "O risco ambiental do fracking perdura, mas sem nenhuma possibilidade de ganho econômico pelo Estado da Califórnia."

Sabrina Lockhart, porta-voz dos 'Californianos por um Futuro com Energia Segura' que falou com a Truthout, disse que a estimativa da EIA não significa que a Califórnia deva se afastar da produção domestica de petróleo.

“Esses números refletem o fato de que há a necessidade de avanços na tecnologia para uma extração segura de petróleo. Quando essa tecnologia estiver disponível as estimativas podem aumentar," disse Lockhart, representante um grupo pró-indústria que mobiliza a oposição por uma moratória sobre o fracking na Califórnia.

Ambientalistas, no entanto, dizem que a nova estimativa deveria soar como uma sentença de morte para o fracking

"A poluição do fracking ameaça os ares, a água e o progresso na questão climática do nosso Estado," disse Patrick Sullivan, porta-voz do Centro de Diversidade Biológica. "Companhias petrolíferas ainda utilizam o fracking e o tratamento com ácido perto das casas das pessoas em muitas comunidades. O governador Brown precisa fazer com que as indústrias de óleo parem de experimentar, no nosso solo, diferentes técnicas de exploração do solo."

Dois senadores do estado da Califórnia recentemente introduziram o SB 1132 (projeto de lei no senado), o qual iria determinar, em âmbito nacional, uma moratória sobre o fracking e outros métodos de extração. O projeto enfrenta uma batalha, tendo em vista que esforços legislativos similares falharam no passado, mas os simpatizantes da causa esperam que as novas estimativas do governo mudem isso.

"O governador Brown deveria encarar os fatos, ordenar moratória no fracking, e assim o legislativo irá passar o SB 1132," disse Krill.

Moratórias similares mantiveram o fracking sob controle em New York e Maryland. Em Vermont o fracking foi banido recentemente.


Tradução de Isabela Palhares.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A primeira contradição histórica do Papa Francisco






​Carta Maior, 28/05/2014 
 

A primeira contradição histórica do Papa Francisco


 
 
Federico Fasano (*)

​Há poucos dias, o Papa Francisco, furacão das mudanças estratégicas na segunda religião do planeta Terra, cometeu seu primeiro erro histórico.
Deu aval à canonização simultânea do “Papa bom”, como chamavam o Papa João XXIII, o Papa da mudança renovadora, o dirigente pontífice que voltou às raízes se inspirando na Igreja primitiva das primeiras centúrias; e a de João Paulo II, o Papa do status quo, artífice da restauração termidoriana na Igreja dos pobres, aquela comunidade espiritual fundada há dois mil anos por um humilde carpinteiro hebreu de Nazaré – a mesma que Francisco pretende refundar com sagacidade e cautela, resgatando as sementes igualitárias dos primeiros cristãos.

Ignoro o fato de isso talvez ter sido uma concessão tática à poderosa burocracia do Vaticano, que já havia decidido canonizar o principal baluarte dos conservadores muito antes da eleição do cardeal Jorge Bergoglio para ocupar a cadeira de Pedro, o pescador da Galileia.

Parece algo difícil de explicar e de entender o fato de se colocar no mesmo pedestal Angelo Giuseppe Roncalli – o renovador de Sotto Il Monte, arquiteto do edifício intelectual e filosófico mais humanista da história da Igreja Católica do último milênio, que foi o Concílio Vaticano II, de 21 de janeiro de 1959 – com Karol Wojtyla, a máquina de demolição mais feroz desse Concílio, destruído peça por peça durante os 27 penosos anos de sua administração, a segunda mais duradoura desde a crucificação do primeiro Papa, Pedro.

Mas Wojtyla, emergido no seio da Igreja polaca, profundamente conservadora – que não titubeou ao apoiar as formações políticas da ultradireita e racistas, como o PIS (Partido Lei e Justiça) da Polônia –, não somente demoliu o Concílio da igualdade, como também enterrou a revolucionária proposta de Medellín de 1968 (Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano), a Teologia da Libertação e a colegialidade no governo do Vaticano, fortalecendo a tendência absolutista restauradora do antigo sistema romano medieval, profundamente pré-conciliar. Seu reinado foi autoritário, afastado de qualquer horizontalidade.

Bem o define o sólido teólogo suíço Hans Kung ao analisar o legado de Wojtyla:

Peço aos bispos que exijam um novo Concílio, porque a Igreja Católica caminha para se transformar em uma grande seita. O absolutismo de Roma não conseguiu sepultar o Concílio Vaticano II, mas o traiu. O Papa deveria ser o servus servorum, o servidor dos servidores e não o dominus dominorum homini”. Acrescentando algo que Francisco está tentando fazer: “Devemos entender também os agnósticos e os que não têm nenhuma religião. Não é possível mandar todos para o inferno, seria uma imensidão”.

Para os católicos, a canonização não é uma condecoração, mas a constatação da santidade de um membro dessa fé comum que une, capaz de realizar fatos sobrenaturais. Para os não crentes, é a outorga da medalha mais valorizada obtida por um homem excepcional de um grupo humano religioso. É, então, impossível, para os que não acreditam em milagre, entender como a Igreja Católica pode dar tal condecoração a um homem que defendeu o corrupto Banco Ambrosiano, que protegeu a pedofilia e os dois mais eminentes abusadores de menores, os cardeais Bernard Law, dos Estados Unidos, e Hans Hermann Groer, da Áustria. Isso sem nos esquecer de seu apoio ao sinistro Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, sacerdote com duas mulheres e vários filhos de quem abusou sexualmente; e do fato de ter prejudicado por todos os lados os teólogos da libertação, negando-se a beatificar o bispo mártir de El Salvador, Arnulfo Romero, porque esse gesto “seria instrumentalizado pela esquerda”. E ainda teve a insolência quando o Monsenhor Romero lhe entregou, no Vaticano, em 1979, poucos meses antes do assassinato do religioso salvadorenho, as provas das violações dos direitos humanos em seu país e as ameaças de morte que diariamente ele recebia do governo homicida, respondendo, sem rubor: “Pois então se relacionem melhor com seu governo”. Este é mesmo São Wojtyla, cúmplice das ditaduras latino-americanas. O mesmo que saiu na varanda do Palácio La Moneda no Chile, em 1987, ao lado do tirano Pinochet, ambos saudando o sofrido povo chileno sem pronunciar uma só palavra de proteção àqueles que estavam submetidos ao ditador.

Os que creem poderão dizer que, apesar de isso tudo estar correto, também é certo que foram comprovados milagres, cumprindo as normas canônicas necessárias para a beatificação e santificação. Mas isso tampouco está certo. Todas essas normas foram violadas para que São Wojtyla tivesse um lugar na sancta santorum. Seriam necessários 30 anos depois de morto para que fosse aberto o processo de beatificação. Eliminados 23 anos em um só golpe, aos sete anos de falecimento de Wojtyla foi aberto esse processo para o Papa viajante.

Entre outras questões, o processo estava semigarantido pela instituição do “advogado do diabo”, uma espécie de fiscal que colocava todo tipo de travas e obstáculos para evitar manobras ou fraudes que desacreditassem a honra da santidade. Pois o cargo e a função foram eliminados para facilitar a fraude. O advogado do diabo se transformou em advogado de Deus. Os milagres também foram reduzidos a 2, porque não encontraram 3 e os 2 que afirmam terem encontrado são inverossímeis.

Esse processo de canonização de João Paulo II, pontífice que passará à história como o Papa carrasco da modernidade, da Igreja dos pobres e do Concílio Vaticano II, é uma vergonha histórica.

Confiamos que o aval de Francisco foi uma necessidade tática diante dos poderosos interesses burocráticos que o rodeiam, tal como rodearam João Paulo I, que desapareceu do mundo dos vivos 33 dias após assumir. Tudo indica que seu pontificado será renovador, ao menos nas suas folhas, e talvez em algumas raízes. É soldado de um exército espiritual, inteligente e inovador, como os jesuítas, envolvidos em batalhas históricas, expulsos pelos poderes conservadores de outrora de muitas comarcas do mundo por sua valentia frente a poderes autoritários. Eles alcançam pela primeira vez uma magistratura espiritual com jurisdição sobre 1,22 bilhão de seres humanos que seguem os passos do hebreu crucificado por se opor à oligarquia religiosa de sua época. Seu chefe foi um ser humano excepcional, Ignacio de Loyola, o mesmo que há 300 anos, rodeado por seus seguidores nas portas do mesmo Vaticano, lhes dizia enquanto serviam aos pobres dos bairros romanos: “Não será ainda mais condizente com a vontade de Deus se nos esforçássemos para que os pobres de Roma pudessem viver por si mesmos?”. Ele se adiantava a Mao Tse Tung, que séculos mais tarde preferiu ensinar o povo a pescar em vez de lhes entregar o peixe. Ou aos abolicionistas, que antes de brigar por um tratamento humano e justo para os escravos, estavam decididos a lutar pela supressão da escravidão.

Acredito que o Papa Francisco seja primo-irmão dessas ideias no campo social – não me refiro ao religioso –, e ele também não teme o socialismo. Não se assustaria se lhe recordássemos, com Nikolai Berdiaev, que o “comunismo não é outra coisa se não o dever não cumprido pelos cristãos”.

É talvez a última oportunidade para uma Igreja que se esqueceu de sua gênese igualitária.

(*) Federico Fasano Mertens, advogado, jornalista e empresário uruguaio nascido na Argentina, é o fundador (em 1988) e atual diretor do jornal La República, de Montevidéu.

Tradução: Daniella Cambaúva

O peru do vigário



O peru do vigário


O vigário de um vilarejo tinha um peru como mascote. 

Certo dia, o peru desapareceu e ele achou que alguém o havia roubado. 

No dia seguinte, na missa, o vigário perguntou à congregação:

- Algum de vocês aqui tem um peru?
Todos os homens se levantaram.

- Não, não!  Não, não foi isso que eu quis dizer. Quem de vocês viu um peru?
Todas as mulheres se levantaram.

- Não, não,não! O que eu quero dizer é se algum de vocês viu um peru que não lhes pertence.
Metade das mulheres se levantou.

- Não, não, não, não....! Deus meu, talvez eu possa formular melhor a pergunta. Quem de vocês viu o MEU peru?
Todos os coroinhas se levantaram.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Livro: 'O capital no século 21'





 

terça-feira, 27 de maio de 2014
 
 

O pavor dos abastados: a desigualdade e a taxação das riquezas​


Por Leonardo Boff​*




Está causando furor entre os leitores de assuntos econômicos, economistas e principalmente pânico entre os muito ricos um livro de 700 páginas escrito em 2013 e publicado em muitos países em 2014. Transformou-se num verdadeiro best-seller. Trata-se de uma obra de investigação, cobrindo 250 anos, de um dos mais jovens (43 anos) e brilhantes economistas franceses, Thomas Piketty. O livro se intitula "O capital no século XXI (Seuil, Paris 2013). Aborda fundamentalmente a relação de desigualdade social produzida por heranças, rendas e principalmente pelo processo de acumulação capitalista, tendo como material de análise particularmente a Europa e os USA.
A tese de base que sustenta é: a desigualdade não é acidental, mas o traço característico do capitalismo. Se a desigualdade persistir e aumentar, a ordem democrática estará fortemente ameaçada. Desde 1960, o comparecimento dos eleitores nos USA diminuiu de 64% (1960) para pouco mais de 50% (1996), embora tenha aumentado ultimamente. Tal fato deixa perceber que é uma democracia mais formal que real.
Esta tese sempre sustentada pelos melhores analistas sociais e repetida muitas vezes pelo autor destas linhas, se confirma: democracia e capitalismo não convivem. E, se ela se instaura dentro da ordem capitalista, assume formas distorcidas e até traços de farsa. Onde ela entra, estabelece imediatamente relações de desigualdade que, no dialeto da ética, significa relações de exploração e de injustiça. A democracia tem por pressuposto básico a igualdade de direitos dos cidadãos e o combate aos privilégios. Quando a desigualdade é ferida, abre-se espaço para o conflito de classes, a criação de elites privilegiadas, a subordinação de grupos, a corrupção, fenômenos visíveis em nossas democracias de baixíssima intensidade.
Piketty vê nos USA e na Grã-Bretanha, onde o capitalismo é triunfante, os países mais desiguais, o que é atestado também por um dos maiores especialistas em desigualdade Richard Wilkinson. Nos USA executivos ganham 331 vezes mais que um trabalhador médio. Eric Hobsbawn, numa de suas últimas intervenções antes de sua morte, diz claramente que a economia política ocidental do neoliberalismo "subordinou propositalmente o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o maior crescimento econômico possível, deliberadamente inigualitário”.
Em termos globais, citemos o corajoso documento da Oxfam Intermón, enviado aos opulentos empresários e banqueiros reunidos em Davos em janeiro deste ano como conclusão de seu relatório "Governar para as elites, sequestro democrático e desigualdade econômica”: 85 ricos têm dinheiro igual a 3,57 bilhões de pobres do mundo.
O discurso ideológico aventado por esses plutocratas é que tal riqueza é fruto de ativos, de heranças e da meritocracia; as fortunas são conquistas merecidas, como recompensa pelos bons serviços prestados. Ofendem-se quando são apontados como o 1% de ricos contra os 99% dos demais cidadãos, pois se imaginam os grandes geradores de emprego.
Os prêmios nobéis J. Stiglitz e P. Krugman têm mostrado que o dinheiro que receberam do Governo para salvarem seus bancos e empresas mal foram empregados na geração de empregos. Entraram logo na ciranda financeira mundial que rende sempre muito mais sem precisar trabalhar. E ainda há 21 trilhões de dólares nos paraísos fiscais de 91 mil pessoas.
Como é possível estabelecer relações mínimas de equidade, de participação, de cooperação e de real democracia quando se revelam estas excrecências humanas que se fazem surdas aos gritos que sobem da Terra e cegas sobre as chagas de milhões de co-semelhantes?
Voltemos à situação da desigualdade no Brasil. Orienta-nos o nosso melhor especialista na área, Márcio Pochmann (veja também Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil, Cortez, 2004): 20 mil famílias vivem da aplicação de suas riquezas no circuito da financeirização, portanto, ganham através da especulação. Continua Poschmann: os 10% mais ricos da população impõem, historicamente, a ditadura da concentração, pois chegam a responder por quase 75% de toda riqueza nacional. Enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25%”(Le Monde Diplomatique, outubro 2007).
Segundo dados de organismos econômicos da ONU de 2005, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo. Mas graças às políticas sociais dos últimos dois governos, diga-se honrosamente, o índice de Geni (que mede as desigualdades) passou de 0,58 para 0,52. Em outras palavras, a desigualdade que continua enorme, caiu 17%.
Piketty não vê caminho mais curto para diminuir as desigualdades do que a severa intervenção do Estado e da taxação progressiva da riqueza, até 80%, o que apavora os super-ricos. Sábias são as palavras de Eric Hobsbawn: "O objetivo da economia não é o ganho mas sim o bem-estar de toda a população; o crescimento econômico não é um fim em si mesmo, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas”.
E como um granfinalea frase de Robert F. Kennedy:”o PIB inclui tudo; exceto o que faz a vida valer a pena”.​

* Leonardo Boff doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).​