terça-feira, 13 de maio de 2014

Copa tem que dar errado para que o projeto conservado​r dê certo

​Conversa Afiada, 13/05/2014

   

Copa tem que dar errado para a elite vencer


 
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:

A Bolha depreciativa



A Presidenta Dilma encontrou-se com líderes de um acampamento de oito mil barracos, localizado a três quilômetros do Itaquerão, a arena onde será aberta a Copa.

Vivemos dias de perfeccionismo na narrativa conservadora.

Há um cuidado de ourivesaria, um vasculhar  milimétrico para renovar argumentos que corroborem a conclusão antecedente: no Brasil do PT tudo o que foi feito deu errado; e tudo o que se fizer não dará certo.
Um episódio ilustrativo do conjunto encerra sugestivas providências a tomar.

A  Presidenta Dilma Rousseff teve um encontro, na 6ª feira, com dirigentes do Movimento dos Trabalhadores  Sem Teto, em São Paulo.

O MTST  lidera um acampamento de oito mil barracos, num terreno de 150 mil m2 , localizado a três quilômetros do novo estádio do Corinthians, o ‘Itaquerão’, onde será dado o pontapé da Copa.

O acampamento tornou-se uma espécie de avant-première daquilo que o conservadorismo espera ter em ponto maior durante todo o torneio.

Pode ser um erro de avaliação.


O MTST teve papel decisivo nas mobilizações que levaram a Câmara de São Paulo  a aprovar quase por unanimidade  –com dois votos contra, um do PV, outro do PSOL– o Plano Diretor de Haddad para a capital.

Terá papel importante na  segunda e definitiva votação  que ocorrerá até o final deste mês.

O plano prevê moradias populares marmorizadas em áreas centrais dotadas de infraestrutura, algo historicamente reivindicado pelos que sempre foram deslocados às  periferias distantes.

A receita  da pressão  popular  associada a um bom projeto  –negociado exaustivamente com os movimentos sociais,  autoriza otimismo com o processo.

Agora, Haddad e o MTST negociam sobre a ocupação em Itaquera.

O encontro com Dilma foi parte dessa conversa.

Mais que uma conversa.

Deveria ser encarado como o ensaio de um método.

Nada parecido com aquele utilizado pelo tucanato paulista contra os ocupantes de Pinheirinho, em São José dos Campos.

Como se recorda, registrou-se ali, em janeiro de 2012, um dos episódios mais degradantes de violência policial contra milhares de famílias pobres.

Elas haviam construído ali um bairro. Com moradias, ruas, igreja, escolas e comércio.

Mais que isso.

O assalto policial abortou um processo de negociação em curso na esfera federal para  liberação de um terreno historicamente cercado de negociatas e pendências jurídicas.

Venceu a lógica irrefreável de um  outro  método.


Aquele  adotado  desde sempre por interesses que agora se apresentam como portadores da ‘mudança’, sem declinar para onde ela nos levaria.

Construir linhas de passagem que encurtem as distancias entre o  inadiável  e o viável no Brasil de hoje é um  apanágio da democracia.

O fosso entre as urgências sociais e a  lenta capacidade de resposta das burocracias públicas não vai se fechar tão cedo no país.

Mais que nunca, a travessia brasileira  depende de um esforço político  para articular  projetos, harmonizar prazos, recursos  e metas ancorados  na corresponsabilidade de movimentos, lideranças políticas e autoridades públicas.

Quem pode fazer isso?

Fotos da presidenta Dilma abraçada a dirigentes do MTST saíram nos jornais com a advertência da esmerada  vigilância conservadora: ‘dirigente do MTST diz que vai votar nulo’.

Não foi perguntado a Maria das Dores Cirqueira, a líder citada, por que, ao contrário,  seu descontentamento não resultaria em um voto a Aécio –ou a Campos, tanto faz.

A omissão reflete o cuidado da ourivesaria midiática  em não abrir a guarda a ponto de por em risco o elástico da aposta conservadora para derrotar o PT na disputa de 2014.

Um elástico deliberadamente tensionado no limite irreal da própria vivencia das amplas massas populares  do país.

De um país que não necessita de artifícios para iluminar suas seculares dívidas sociais.

As mesmas, porém,  que não podem ser discutidas seriamente pela emissão  conservadora, porque implicaria submeter  à avaliação retrospectiva as ‘soluções’ impostas à sociedade pelos interesses que agora se apresentam como redentores.

É o mesmo motivo pelo qual Aécio, ou Campos, tanto faz, não podem revelar no palanque o  que prometem  nos salões elegantes.

Daí a ourivesaria de cabeça de alfinete  de uma narrativa midiática que aspira o domínio absoluto das variáveis em jogo.

Nem que para isso seja  preciso envolver o país em uma bolha depreciativa totalizante.

Tensão máxima envolve riscos em qualquer matéria.

Uma ranhura na pele tensionada da bolha pode  faze-la explodir.

A experiência da negociação em curso em Itaquera pode significar um pedaço importante do contraditório que as manchetes zelosas sonegam às forças progressistas nos dias que correm.

O governo não deveria subestimar o que está em jogo.

Faltando exatamente um mês para a Copa do Mundo, que começa dia 12 de junho no Itaquerão,  não há razões para se alimentar qualquer esperança de uma trégua.

Acirrar a guerra de menosprezo pelo ‘Brasil do PT’, e dissolver nessa lógica a pertinência de muitas reivindicações justas  (leia a análise no blog do Emir) é um pedaço decisivo da campanha conservadora.

A Copa do Mundo é o seu palanque cobiçado.

É preciso que ela dê errado para que o projeto conservador dê certo.


O governo pode fazer desse limão uma limonada simbólica.

Sinalizando através de negociações emblemáticas  –como deveria ser essa da ocupação de Itaquera— que neste país onde a emissão conservadora só enxerga barbárie e ruína existe algo mais.

Algo de que os estrangeiros que virão para a Copa –e aqueles que não virão também— ficariam tocados  em saber.

Mais valioso do que os estádios da Copa,  vigora aqui  talvez uma das mais importantes experiências de construção de uma democracia social vinculada  à luta pelo desenvolvimento no século XXI.

Seja pelos interesses em jogo, pelas dimensões do país e pela sua projeção no mundo, se ela der certo, elites locais e assemelhadas terão pela frente um contraponto histórico dificilmente negligenciável.

Um contraponto capaz  abalar a couraça de fatalismo rentista que hoje reduz as aspirações  da sociedade,  o poder do Estado e a coerência dos governos a um rodapé da história.

Uma negociação exitosa  para a ocupação de Itaquera pode ter o peso de um contraditório  contagiante.

A corresponsabilidade entre prefeitura, governo federal e MTST na construção de um projeto crível para seus protagonistas, desencadearia um  efeito simbólico de um triscar de agulha na imensa bolha midiática que submete o Brasil de hoje a um ‘Show de Truman’, ainda mais grotesco que o do filme original.​

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