Carta Maior, 09/05/2014
Maren Mantovani (*)
O fim das negociações: o ato final do Teatro do Absurdo na Palestina?
Maren Mantovani (*)
Na semana passada, o prazo final do processo de negociação entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina terminou, longe de aproximar os palestinos ao seu direito de autodeterminação ou de alcançar a paz. Esta situação era previsível e lógica, até autoevidente, porém aqui aparentemente termina a racionalidade.
Para começar, no ano passado quando a administração americana foi puxando a "Iniciativa Kerry", ou seja, o período de 9 meses de negociações, supostamente, para alcançar uma solução para a questão palestina, a maioria das pessoas sabiam que este era um filho nascido morto. A única explicação dos EUA para insistir neste processo foi a tentativa de recuperar a hegemonia diplomática temporária após o reconhecimento do Estado Palestino por parte da Assembleia Geral da ONU, mostrando que o sul global pode - mais efetivamente que os EUA – suceder em iniciativas internacionais a respeito do Oriente Médio.
A equipe de negociações norteamericana não fez o papel de "mediador", mas tomou o apoio integral do lado israelense: Kerry nomeou o ex-funcionário da AIPAC, o lobby israelense nos EUA - Martin Indyk como enviado especial ao Oriente Médio para liderar um grupo de outros veteranos do lobby anti-Palestino. Rumores acerca de um plano norteamericano para a "paz" de 1000 páginas vazaram, revelando que essa proposta não tinha nada a ver com a implementação dos direitos palestinos. Era simples e puramente uma solução à la Bantustão na forma de entidades territoriais isoladas e com soberania limitada, semelhante ao escárnio da “autodeterminação” negra promovida pelo regime de apartheid sul africano. No entanto, Israel foi descarado o suficiente para implodir até mesmo esta charada de “processo de negociações”.
A reação dos EUA foi dura e raivosa, sempre considerando os limites da Casa Branca na frente do lobby anti-Palestina. Após de fracassar no intento de entrar diretamente na guerra na Síria, o desafio aberto pelos interesses ocidentais na Ucrânia feito por Putin e a incapacidade demonstrada no lidar com a chamada Primavera Árabe e seus desdobramentos, a administração Obama precisava de uma vitória diplomática, não de uma humilhação por parte de Israel.
Kerry culpou explicitamente o lado israelense por frustrar a sua iniciativa. Isso não acontecia desde o fracasso das negociações de Camp David, no 2000, quando James Baker, secretário de Estado naquele período, leu o número central da Casa Branca avisando o governo israelense que "quando tivesse uma posição séria sobre a paz, ligasse para nós". Há poucos dias, Kerry advertiu Israel que iria se transformar em um estado 'apartheid' se continuasse a recusar uma solução de dois Estados. Isso é uma afirmação pesadíssima vinda de um ministro das Relações Exteriores dos EUA.
Evidentemente, Kerry estava errado. Israel não vai se transformar em um estado de apartheid, simplesmente porque já é um. Uma série de estudos jurídicos de alto nível, bem como o Muro do Apartheid de 8 metros de altura e 700 km de extensão e um regime de estradas segregadas, assentamentos somente para judeus e leis diferentes para pessoas de diferentes grupos étnico-religiosos são provas disso. De acordo com uma enquete israelense de 2012, a maioria dos cidadãos israelenses concorda com a afirmação de que Israel pratica políticas de apartheid.
Então, como poderia Israel, sem rodeios, recusar a proposta dos EUA, que tinha como objetivo garantir o reconhecimento por parte da comunidade internacional e da Autoridade Nacional Palestina de uma solução Bantustão à la apartheid da África do Sul?
Como a zona de conforto israelense mudou-se de Washington para Brasilia
De fato, ocorreu uma divisão dentro da liderança israelense sobre o assunto. A líder da equipe de negociações israelense, considerada criminosa de guerra pelos palestinos e atual ministro da Justiça de Israel, Tzipi Livni, e um número de líderes dos serviços de inteligência israelenses, saíram em defesa de um compromisso com a Iniciativa de Kerry, que teria incluído um congelamento parcial da atividade de colonização da Cisjordânia.
Seu argumento era simples: se Israel estava prestes implodir as negociações, mais uma vez, os EUA não voltariam para promover novas negociações no futuro previsível. Não que alguém desejasse que as negociações alcançaram um acordo, mas como Tzipi Livni declarou incisivamente "as negociações de paz são a parede que vai parar a onda [de pressão do boicote internacional]. Se há uma crise nas negociações, [esta onda] irá acertar em cheio."
No entanto, a outra fação em Israel prevaleceu. Eles optaram por matar 61 palestinos, aprovar mais de 13.000 unidades de assentamentos, realizar quase 4.500 operações militares em território palestino, demolir 196 casas palestinas e permitir mais de 660 ataques de colonos contra os palestinos durante o período de negociações. Seus cálculos são baseados na esperança de que Israel vai encontrar uma maneira de sobreviver a pressão do boicote, ter mais tempo para construir assentamentos e ao final dar ainda menos terra para o povo palestino em uma solução futura de Bantustão.
Para garantir que a solução apartheid não perca força, o primeiro-ministro Netanyahu propôs há poucos dias atrás uma nova lei que reforça o caráter "judeu" do Estado de Israel como um pilar na constituição. O objetivo é garantir que, aconteça o que aconteça, nem palestinos ou qualquer outra pessoa não-judia serão capazes de alcançar a cidadania igual a um judeu.
Embora ambos os campos principais em Israel concordarem que as negociações não devem ser consideradas uma ferramenta para alcançar uma paz justa ou um acordo com o povo palestino, eles diferem essencialmente na sua consideração sobre o quão profunda é a zona de conforto de Israel antes que a impunidade acabe.
O que deve ser preocupante com isso, pelo menos do ponto de vista brasileiro, é que as pessoas que insistem que não há ameaça à impunidade de Israel são as mesmas que estão discutindo desde o início deste ano que a América Latina e os países de economias emergentes são a zona de conforto para Israel. Em sua visão, esses países "não se preocupam com a questão [palestina]. Eles querem falar sobre três coisas: Tecnologia israelense, tecnologia israelense e tecnologia israelense".
Como se quisessem comprovar que os promotores do colonialismo de Israel estão certos, o mais recente esforço de propaganda israelense se alimenta dos contratos do Brasil para empresas militares e de segurança de Israel. O diário Haaretz, na semana passada, desencadeou uma onda de artigos nos jornais em torno do mundo apresentando uma reportagem sobre "Israel no Brasil: para a segurança não para o futebol". Esta campanha midiática que está promovendo a presença durante a próxima Copa do Mundo da tecnologia do apartheid israelense, desenvolvida em guerras e segregação racial do povo palestino, nada mais é do que um tapa na cara do governo brasileiro que lançou nos jogos o lema "Copa do Mundo contra o Racismo e pela Paz”.
Ou, mais simplesmente, o vilão pode ter dito a verdade: cinco VANT da israelense Elbit, dois VANT e um Centro Integrado de Comando e Controle da Israeli Airspace Industries, uma série de contratos com outras empresas militares israelenses e numerosos treinamentos policiais e seminários de anti-terrorismo e segurança pública organizados por Israel vão entrar em operação durante a Copa.
Superar o absurdo: uma estratégia para a Libertação da Palestina
Quando no final do período de nove meses o lado palestino seguiu em frente, o clamor de Israel contra as "ultrajantes medidas unilaterais” sendo tomadas desvenda um outro nível de aparentes absurdos semânticos e políticos.
Em primeiro lugar, por que os palestinos são acusados de tomar medidas "unilaterais"? Israel não expulsou a maioria da população palestina de suas casas, tomou controle de cerca de 87 por cento das terras palestinas, construiu assentamentos e muros do apartheid somente depois que tiveram alcançado um consenso "bilateral". Além disso, não houve um movimento de libertação nacional na história que tenha acordado suas estratégias de libertação com os colonizadores e ocupantes antes de implementá-las. O que a Palestina precisa é de uma estratégia multilateral, global para alcançar uma paz justa com base na aplicação do direito internacional e dos direitos humanos.
Em segundo lugar, o clamor de Israel sobre movimentos palestinos revelou que não foi Israel, mas sim o lado palestino que teve que aceitar pré-condições para ser autorizado a participar neste teatro do absurdo. O primeiro pré-requisito que Israel exigiu para os palestinos foi a não assinatura de qualquer tratado internacional de direitos humanos (sic!). Querer fazer parte e respeitar os instrumentos de direitos humanos da ONU é presumivelmente considerada uma ameaça à segurança nacional israelense. A segunda condição era que a ANP na Cisjordânia não se reconcilie com a administração do Hamas em Gaza. Como resultado, a equipe de negociações palestina nunca foi, de fato, representante de toda a população palestina e, com isto, teria sido praticamente impossível para eles ratificarem qualquer acordo. Que após o colapso das negociações a “reconciliação” ocorreu quase imediatamente mostra que o verdadeiro obstáculo nunca foi uma questão de disputa interna palestina, mas sim a proibição externa de reconciliar além das diferenças.
No entanto, para concluir, o absurdo de todo o que foi exposto desaparece assim que se leva um elemento simples em consideração: o pressuposto axiomático da impunidade contínua de Israel, apesar de seus crimes e seu regime ilegal do apartheid, colonialismo e ocupação. Esta impunidade transforma os EUA em refém de seu próprio protegido, Israel em uma potência cheio de hybris e vê a liderança palestina forçada a privar-se de elementos muito básicos de governança ou dos movimentos de libertação.
Frente a isso, ninguém deve se surpreender que há quase uma década a sociedade civil e os partidos políticos palestinos têm chamado a pessoas, instituições e governos de todo o mundo para responsabilizar Israel por meio de uma campanha sustentada por boicotes, desinvestimento e sanções (BDS). Igualmente, a campanha BDS tem crescido no Brasil debito ao compromisso dos movimentos que opõem-se firmemente contra a invasão israelense ao mercado brasileiro em forma de armamento, tecnologia e comércio livre - relações que contribuem diretamente para o financiamento de crimes de guerra contra o povo palestino. Israel tem que ser isolado internacionalmente, com sanções, para que seja forçado a respeitar os direitos humanos do povo palestino e para a paz no Oriente Medio. Até hoje, este movimento que cresce diariamente representa o caminho mais coerente e de maior sucesso a ser seguido a partir deste último ato do teatro do absurdo.
(*) Mestranda em Estudos Orientais, tem sida nos últimos 10 anos, coordenadora de relações internacionais para 'Stop the Wall', a campanha palestina contra o Muro de apartheid que Israel está construindo na Palestina. Ela é a autora de "Relações Militares Entre Brasil e Israel", um amplo estudo sobre o assunto.
Para começar, no ano passado quando a administração americana foi puxando a "Iniciativa Kerry", ou seja, o período de 9 meses de negociações, supostamente, para alcançar uma solução para a questão palestina, a maioria das pessoas sabiam que este era um filho nascido morto. A única explicação dos EUA para insistir neste processo foi a tentativa de recuperar a hegemonia diplomática temporária após o reconhecimento do Estado Palestino por parte da Assembleia Geral da ONU, mostrando que o sul global pode - mais efetivamente que os EUA – suceder em iniciativas internacionais a respeito do Oriente Médio.
A equipe de negociações norteamericana não fez o papel de "mediador", mas tomou o apoio integral do lado israelense: Kerry nomeou o ex-funcionário da AIPAC, o lobby israelense nos EUA - Martin Indyk como enviado especial ao Oriente Médio para liderar um grupo de outros veteranos do lobby anti-Palestino. Rumores acerca de um plano norteamericano para a "paz" de 1000 páginas vazaram, revelando que essa proposta não tinha nada a ver com a implementação dos direitos palestinos. Era simples e puramente uma solução à la Bantustão na forma de entidades territoriais isoladas e com soberania limitada, semelhante ao escárnio da “autodeterminação” negra promovida pelo regime de apartheid sul africano. No entanto, Israel foi descarado o suficiente para implodir até mesmo esta charada de “processo de negociações”.
A reação dos EUA foi dura e raivosa, sempre considerando os limites da Casa Branca na frente do lobby anti-Palestina. Após de fracassar no intento de entrar diretamente na guerra na Síria, o desafio aberto pelos interesses ocidentais na Ucrânia feito por Putin e a incapacidade demonstrada no lidar com a chamada Primavera Árabe e seus desdobramentos, a administração Obama precisava de uma vitória diplomática, não de uma humilhação por parte de Israel.
Kerry culpou explicitamente o lado israelense por frustrar a sua iniciativa. Isso não acontecia desde o fracasso das negociações de Camp David, no 2000, quando James Baker, secretário de Estado naquele período, leu o número central da Casa Branca avisando o governo israelense que "quando tivesse uma posição séria sobre a paz, ligasse para nós". Há poucos dias, Kerry advertiu Israel que iria se transformar em um estado 'apartheid' se continuasse a recusar uma solução de dois Estados. Isso é uma afirmação pesadíssima vinda de um ministro das Relações Exteriores dos EUA.
Evidentemente, Kerry estava errado. Israel não vai se transformar em um estado de apartheid, simplesmente porque já é um. Uma série de estudos jurídicos de alto nível, bem como o Muro do Apartheid de 8 metros de altura e 700 km de extensão e um regime de estradas segregadas, assentamentos somente para judeus e leis diferentes para pessoas de diferentes grupos étnico-religiosos são provas disso. De acordo com uma enquete israelense de 2012, a maioria dos cidadãos israelenses concorda com a afirmação de que Israel pratica políticas de apartheid.
Então, como poderia Israel, sem rodeios, recusar a proposta dos EUA, que tinha como objetivo garantir o reconhecimento por parte da comunidade internacional e da Autoridade Nacional Palestina de uma solução Bantustão à la apartheid da África do Sul?
Como a zona de conforto israelense mudou-se de Washington para Brasilia
De fato, ocorreu uma divisão dentro da liderança israelense sobre o assunto. A líder da equipe de negociações israelense, considerada criminosa de guerra pelos palestinos e atual ministro da Justiça de Israel, Tzipi Livni, e um número de líderes dos serviços de inteligência israelenses, saíram em defesa de um compromisso com a Iniciativa de Kerry, que teria incluído um congelamento parcial da atividade de colonização da Cisjordânia.
Seu argumento era simples: se Israel estava prestes implodir as negociações, mais uma vez, os EUA não voltariam para promover novas negociações no futuro previsível. Não que alguém desejasse que as negociações alcançaram um acordo, mas como Tzipi Livni declarou incisivamente "as negociações de paz são a parede que vai parar a onda [de pressão do boicote internacional]. Se há uma crise nas negociações, [esta onda] irá acertar em cheio."
No entanto, a outra fação em Israel prevaleceu. Eles optaram por matar 61 palestinos, aprovar mais de 13.000 unidades de assentamentos, realizar quase 4.500 operações militares em território palestino, demolir 196 casas palestinas e permitir mais de 660 ataques de colonos contra os palestinos durante o período de negociações. Seus cálculos são baseados na esperança de que Israel vai encontrar uma maneira de sobreviver a pressão do boicote, ter mais tempo para construir assentamentos e ao final dar ainda menos terra para o povo palestino em uma solução futura de Bantustão.
Para garantir que a solução apartheid não perca força, o primeiro-ministro Netanyahu propôs há poucos dias atrás uma nova lei que reforça o caráter "judeu" do Estado de Israel como um pilar na constituição. O objetivo é garantir que, aconteça o que aconteça, nem palestinos ou qualquer outra pessoa não-judia serão capazes de alcançar a cidadania igual a um judeu.
Embora ambos os campos principais em Israel concordarem que as negociações não devem ser consideradas uma ferramenta para alcançar uma paz justa ou um acordo com o povo palestino, eles diferem essencialmente na sua consideração sobre o quão profunda é a zona de conforto de Israel antes que a impunidade acabe.
O que deve ser preocupante com isso, pelo menos do ponto de vista brasileiro, é que as pessoas que insistem que não há ameaça à impunidade de Israel são as mesmas que estão discutindo desde o início deste ano que a América Latina e os países de economias emergentes são a zona de conforto para Israel. Em sua visão, esses países "não se preocupam com a questão [palestina]. Eles querem falar sobre três coisas: Tecnologia israelense, tecnologia israelense e tecnologia israelense".
Como se quisessem comprovar que os promotores do colonialismo de Israel estão certos, o mais recente esforço de propaganda israelense se alimenta dos contratos do Brasil para empresas militares e de segurança de Israel. O diário Haaretz, na semana passada, desencadeou uma onda de artigos nos jornais em torno do mundo apresentando uma reportagem sobre "Israel no Brasil: para a segurança não para o futebol". Esta campanha midiática que está promovendo a presença durante a próxima Copa do Mundo da tecnologia do apartheid israelense, desenvolvida em guerras e segregação racial do povo palestino, nada mais é do que um tapa na cara do governo brasileiro que lançou nos jogos o lema "Copa do Mundo contra o Racismo e pela Paz”.
Ou, mais simplesmente, o vilão pode ter dito a verdade: cinco VANT da israelense Elbit, dois VANT e um Centro Integrado de Comando e Controle da Israeli Airspace Industries, uma série de contratos com outras empresas militares israelenses e numerosos treinamentos policiais e seminários de anti-terrorismo e segurança pública organizados por Israel vão entrar em operação durante a Copa.
Superar o absurdo: uma estratégia para a Libertação da Palestina
Quando no final do período de nove meses o lado palestino seguiu em frente, o clamor de Israel contra as "ultrajantes medidas unilaterais” sendo tomadas desvenda um outro nível de aparentes absurdos semânticos e políticos.
Em primeiro lugar, por que os palestinos são acusados de tomar medidas "unilaterais"? Israel não expulsou a maioria da população palestina de suas casas, tomou controle de cerca de 87 por cento das terras palestinas, construiu assentamentos e muros do apartheid somente depois que tiveram alcançado um consenso "bilateral". Além disso, não houve um movimento de libertação nacional na história que tenha acordado suas estratégias de libertação com os colonizadores e ocupantes antes de implementá-las. O que a Palestina precisa é de uma estratégia multilateral, global para alcançar uma paz justa com base na aplicação do direito internacional e dos direitos humanos.
Em segundo lugar, o clamor de Israel sobre movimentos palestinos revelou que não foi Israel, mas sim o lado palestino que teve que aceitar pré-condições para ser autorizado a participar neste teatro do absurdo. O primeiro pré-requisito que Israel exigiu para os palestinos foi a não assinatura de qualquer tratado internacional de direitos humanos (sic!). Querer fazer parte e respeitar os instrumentos de direitos humanos da ONU é presumivelmente considerada uma ameaça à segurança nacional israelense. A segunda condição era que a ANP na Cisjordânia não se reconcilie com a administração do Hamas em Gaza. Como resultado, a equipe de negociações palestina nunca foi, de fato, representante de toda a população palestina e, com isto, teria sido praticamente impossível para eles ratificarem qualquer acordo. Que após o colapso das negociações a “reconciliação” ocorreu quase imediatamente mostra que o verdadeiro obstáculo nunca foi uma questão de disputa interna palestina, mas sim a proibição externa de reconciliar além das diferenças.
No entanto, para concluir, o absurdo de todo o que foi exposto desaparece assim que se leva um elemento simples em consideração: o pressuposto axiomático da impunidade contínua de Israel, apesar de seus crimes e seu regime ilegal do apartheid, colonialismo e ocupação. Esta impunidade transforma os EUA em refém de seu próprio protegido, Israel em uma potência cheio de hybris e vê a liderança palestina forçada a privar-se de elementos muito básicos de governança ou dos movimentos de libertação.
Frente a isso, ninguém deve se surpreender que há quase uma década a sociedade civil e os partidos políticos palestinos têm chamado a pessoas, instituições e governos de todo o mundo para responsabilizar Israel por meio de uma campanha sustentada por boicotes, desinvestimento e sanções (BDS). Igualmente, a campanha BDS tem crescido no Brasil debito ao compromisso dos movimentos que opõem-se firmemente contra a invasão israelense ao mercado brasileiro em forma de armamento, tecnologia e comércio livre - relações que contribuem diretamente para o financiamento de crimes de guerra contra o povo palestino. Israel tem que ser isolado internacionalmente, com sanções, para que seja forçado a respeitar os direitos humanos do povo palestino e para a paz no Oriente Medio. Até hoje, este movimento que cresce diariamente representa o caminho mais coerente e de maior sucesso a ser seguido a partir deste último ato do teatro do absurdo.
(*) Mestranda em Estudos Orientais, tem sida nos últimos 10 anos, coordenadora de relações internacionais para 'Stop the Wall', a campanha palestina contra o Muro de apartheid que Israel está construindo na Palestina. Ela é a autora de "Relações Militares Entre Brasil e Israel", um amplo estudo sobre o assunto.
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