sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Vesúvio rentista

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Carta Maior, 17/01/2014






O Vesúvio rentista



Por Saul Leblon



Há um vulcão fumegando nas entranhas da economia brasileira.

Avisos de lava  em ebulição são emitidos aqui e ali desde abril passado.

Na última 4ª feira, ele cuspiu pela sétima vez na cabeça da Nação.

A nova elevação de  0,5 ponto  na taxa de juro reafirma  um  desarranjo  em  profundezas intestinas.  

Vozes  tranquilizadoras  adiantam que uma 8ª, quem sabe  9ª, irrupção do Vesúvio rentista é inevitável –benéfica, de fato.

O que se passa de fato no interior da cratera  que ora urra, ora faísca e ameaça explodir tudo, é de qualquer forma sonegado à população.

Explicações sumárias, supostamente técnicas, ofuscam mais do que esclarecem.

Os juros sobem porque  é preciso conter a inflação, explica o coral que convida para o grande baile da restauração ortodoxa.

Mas ao subir não  inibiriam eles  o investimento produtivo que se persegue como crucial?
E não atrairiam fluxos especulativos de capitais, que valorizam o Real e barateiam as importações  - com efeitos dissolventes na estrutura industrial, além de inibir as exportações?
Ademais de reduzir o nível de atividade , não penalizariam  a relação dívida/PIB  estreitando  a margem de manobra fiscal do governo - antessala de cortes ou protelações de investimentos públicos  inadiáveis?

Desse nó nas tripas o distinto público toma conhecimento apenas pelas  irrupções intermitentes.

Copiosas considerações de vulgarizadores  asseveram a pertinência da purga incandescente. O Vesúvio, antes de ser ameaça, é benção.

Toca o baile!  - aconselham  especialistas em convencer nações inteiras  a dançar  no ritmo das lavas fumegante, com resultados que não deixam Pompéia sozinha no museu das catástrofes.
O  nonsense  aparente  não é aleatório – faz parte da crise.

Entorpecer a agenda do país  é um recurso constitutivo da luta pela repartição da riqueza, que só terá  desenlace progressista se a sociedade conquistar  o discernimento  histórico do que está em jogo nesse baile de máscaras.

Distinguir  a natureza dos interesses em confronto no salão, ademais das escolhas que eles encerram  - e as suas implicações, não é café pequeno.

Requer, por exemplo,  libertar-se da hipnótica orquestração comandada a partir  do Jornal Nacional.

E adquirir imunidade aos esporões liberados pelos  vulgarizadores, que alardeiam os interesses dos endinheirados como se fossem os de toda a nação.
Interditar o debate político da encruzilhada  brasileira  é uma forma de circunscrever as opções  do país  aos estritos limites da boca do vulcão rentista.

As eleições presidenciais de 2014 se oferecem como a oportunidade concreta de ir além das lamúrias e da rendição.

Vence-las, sem dúvida é o imperativo.

O que se deve perguntar  é como essa vitória deve ser construída para que não seja apenas inercial, mas erga pontes ao passo seguinte da luta pela construção da democracia social brasileira.

A barragem de votos pode  alterar as bases de um diálogo do qual a sociedade hoje sai invariavelmente chamuscada?

Quando o  Vesúvio  expele sua lava incandescente é como se dissesse não:
‘O Estado pode flertar com o pleno emprego, mas o estoque da riqueza financeira não deve ser depreciado; e a fatia que ele detém no  fluxo da renda é intocável’.

Ou seja, ‘mãos ao alto, isso é um assalto: passe para cá os  3% do PIB  para pagar os juros da dívida pública e garanta uma  Selic com ganho real  acima da inflação que  nada lhe acontecerá’.

É tautológico dizer que o ‘governo petista aceita’  as condições impostas  pelo mercado.
O governo se mexe na pinguela estreita que  a atual correlação de forças reserva  à mobilidade social brasileira.

Correlações de forças, a exemplo das vantagens comparativas na esfera econômica,  são uma construção histórica de cada povo e de cada época, não uma fatalidade da natureza.
Mas  existem. E tem peso objetivo não apenas no plano interno.

Um governo que entre em choque  com a tríade rentista (FMI, agencias de risco, grandes bancos) simplesmente não encontra  um guichê internacional para se abrigar dos caças bombardeio e assegurar um fluxo alternativo  da ordem de dezenas de bilhões de dólares .

A inexistência desse contraponto  diz muito do aparente paradoxo entre a anemia eleitoral do conservadorismo  nativo e a sua força de sabotagem vocalizada pela mídia.

Doze  anos de governos progressistas  elevaram a participação do salário no PIB para algo em torno de 51% no Brasil ( o dado disponível do IBGE é de 2009; estima-se que tenha se mantido assim até 2012).

No ciclo tucano (1995/2003) essa fatia  oscilou entre 49% e 46%.
Estamos falando, portanto,  de uma reversão na luta pela riqueza, que até 2003 premiava invariavelmente as rendas do capital.

O que o vulcão rentista passou a urrar, e cada vez mais alto, é que essa espiral  bateu no teto.

‘No passara’, avisa.

O interdito afeta todo o metabolismo econômico  e contribui significativamente para agravar os impasses  em curso.

A saber: descasamento entre demanda e infraestrutura, desequilíbrio cambial, desindustrialização dissolvente  e déficit preocupante  em contas correntes.

Não é uma questão de ‘inconsistência do modelo petista’, como alardeiam os zeladores do dinheiro grosso alocados nas editorias de economia.

É uma questão de conflito de interesses.

A macroeconomia não opera em uma  dimensões celestial onde vigem os mercados autorreguláveis, os agentes racionais e seus querubins  midiáticos.

O chão da macroeconomia é a correlação de forças e os sinais são de que ela mudou o patamar de sua tensão no país.

Elevar o discernimento social sobre essa encruzilhada e se preparar para superá-la, erguendo linhas de passagem entre as eleições de outubro e o futuro, é a opção concreta que se coloca à frente progressista brasileira.

Lamúrias radicais diante de um vulcão não logram vantagem nem no quesito decibéis.

Mas tampouco aquiescer aos seus ditames garantirá a indulgência das lavas, como parece crer um certo economicismo  que aconselha ir às urnas vestido de estátua de cinzas.


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Carta Maior, 17/01/2014


E continua firme a escalada dos juros!




Por Jaciara Jardim


O noticiário econômico da semana foi marcado pela expectativa que se criou em torno do primeiro encontro do Comitê de Política Monetária (COPOM) realizado em 2014. O resultado foi divulgado para a imprensa no início da noite da quarta-feira, dia 15. Como costuma acontecer, as previsões construídas pelos responsáveis das áreas estratégicas das instituições financeiras foram consumadas pela reunião dos diretores do Banco Central (BC). A cada 45 dias tende a se repetir o fenômeno da crônica da deliberação anunciada.
A um só tempo idolatrada e temida, essa misteriosa confraria chamada carinhosamente de “mercado financeiro” manda seus recados, sem muito constrangimento. Algumas vezes, de forma explícita; em outras situações, a mensagem é emitida de forma mais cifrada. O problema é que o BC torna-se refém dessa chantagem e cria uma armadilha para si mesmo. Ele realiza uma consulta com os dirigentes das instituições financeiras a respeito das expectativas dos mesmos quanto a diversas variáveis da economia, inclusive a SELIC. É a famosa pesquisa Focus. Se não atender ao pleito dos representantes da banca, estará criando atrito e abrindo brecha para a famosa “guerra psicológica”.


O financismo e a política monetária

Para janeiro, os bancos desejavam uma elevação da SELIC de 0,25%. Esse era o resultado da Focus. O BC entendeu o pedido, atendeu a demanda e ainda deu uma canjinha, elevando a SELIC em 0,5%. O fato é que os representantes do governo morrem de medo do capital, também aqui nessa esfera de competência. Mas tamanho temor não se justifica. Governar é isso mesmo: arbitrar conflitos e tomar decisões que podem contrariar determinados setores.
Com receio das reações adversas oriundas do coração do sistema financeiro, o governo se sujeitou de novo. Resolveu elevar a taxa de juros pela sétima vez consecutiva e a SELIC atinge a marca de 10,50% anuais. Com isso, o Brasil mantém - com muito orgulho, em ano de Copa do Mundo - a posição estratégica de disputa do título de campeão mundial da taxa de juros!

A atual escalada ascendente teve início em abril de 2013. Naquele momento foi revertida uma tendência de queda, que estava sendo patrocinada pela própria Presidenta Dilma. Ela havia assumido o governo em janeiro de 2011, quando a taxa oficial de juros estava em 10,75%. Na seqüência ainda houve algumas decisões altistas, mas depois de atingir 12,50%, o COPOM passou a promover reduções consecutivas, até o mínimo de 7,25%. A taxa ficou nesse patamar ao longo de 6 meses e em seguida começou a atual fase de alta, passando inicialmente para 7,5% até a SELIC atingir os atuais 10,50%.


Juros altos: tiro no pé

No entanto, o que mais impressiona nessas decisões de política monetária é a ausência de argumentos econômicos consistentes para justificá-las. A única marca de coerência é a permanente pressão do financismo pela elevação da taxa oficial de juros. As desculpas se transformam a cada instante, assim como varia o foco dos argumentos apresentados. Em um determinado momento, a desculpa de plantão é a “inflação do tomate” descambar para o risco da hiperinflação. A solução é o aumento da SELIC. Um absurdo teórico, pois não existe nenhum risco de que um único item de consumo da cesta alimentar, com caráter sazonal, se converta no vilão da alta generalizada de preços. Mas esse raciocínio equivocado estava na base da retomada altista dos juros no ano passado.

Em outro contexto, começam a chover artigos das consultorias especializadas, espinafrando o governo pelo suposto descontrole da austeridade fiscal e exigindo o cumprimento do superávit primário. Uma verdadeira loucura, uma vez que aumentar o superávit primário não significa redução de gastos orçamentários. Tem apenas o sentido de cortar as despesas do Estado nas áreas sociais e de investimentos, para assegurar recursos para o pagamento juros e serviços da dívida pública. Para reconquistar a credibilidade da política econômica, os especialistas ouvidos pela imprensa - do alto de sua suposta neutralidade técnica - afirmam em uníssono que a solução seria o aumento da SELIC.

A flexibilização do tripé da política econômica tampouco é aceita pelo “establishment” conservador. A ortodoxia clama contra a equipe econômica, chamando a atenção para os resultados apurados pelo índice oficial de preços, o IPCA. Ao ignorar propositalmente a sistemática da chamada “meta da inflação”, os adeptos do rigor monetário tentam criar um clima de catastrofismo a respeito do desempenho dos preços em 2013. Ora, a sistemática prevê que o governo deva operar dentro de um intervalo, que aceita dois pontos percentuais para cima e para baixo do chamado “centro da meta”. É essa flexibilidade que permite à autoridade monetária utilizar todos os instrumentos a seu dispor. Como o centro da meta oficial é de 4,5% ao ano, são aceitos resultados de inflação anual entre 2,5% e 6,5%. Assim, por exemplo, os valores do IPCA de 5,8% em 2012 e 5,9% em 2013 estão dentro do intervalo esperado. Mas isso não importa e é solenemente ignorado na grita contra o descontrole inflacionário. A solução apresentada pelos beneficiários do rentismo parasita, como sempre, é promover ainda mais aumentos na SELIC.


SELIC elevada: redução do crescimento e maiores gastos com juros

Na verdade, as consequências do aumento da taxa oficial de juros afetam de forma bastante negativa outras dimensões da vida social e econômica. Isso significa dizer que o preço do tomate não baixou por conta da alta da SELIC.

Porém, o primeiro efeito da alta dos juros oficiais é uma sinalização para o sistema financeiro de uma elevação das taxas que os bancos e instituições similares passarão a cobrar em suas operações de crédito. Com isso, a tendência é de um aumento nos custos de empréstimo e financiamento de uma forma generalizada.

As empresas adiam ou diminuem o volume de seus investimentos em ampliação e modernização de suas instalações. Novos projetos de investimento devem ser avaliados, em razão do maior componente do custo financeiro.
Pelo lado das famílias e dos indivíduos, o aumento dos juros também provoca uma redução de novas aquisições e mesmo do padrão de consumo estabelecido até então. Como boa parte da atividade econômica está embasada no crédito (empréstimos tradicionais e uso do cheque especial), o ritmo de compras tende a diminuir, pois o componente da parcela financeira passa a pesar mais no bolso dos consumidores.

Esse é o quadro típico do cenário posterior à elevação da taxa referencial de juros. Ela tem mesmo essa intenção: reduzir a atividade econômica, promover algum grau de freio no ritmo existente até o momento. Porém, um dos resultados sobre o qual não se comenta nada é o aumento das despesas públicas. Em sentido contrário ao discurso liberalóide contra o Estado e contra tudo que guarde alguma semelhança com setor público, o aumento da SELIC eleva também o gasto orçamentário. Ela é a taxa que dá o patamar da remuneração dos títulos financeiros de uma forma geral e da dívida pública em especial. No caso concreto do Brasil de hoje, o estoque de endividamento do Tesouro Nacional já superou a casa dos dois trilhões de reais. Assim cada aumento de 1% decidido pelo COPOM tem por consequência imediata uma despesa extraordinária de R$ 20 bilhões ao longo dos 12 meses subsequentes. Ou seja, justamente aqueles que mais enchem a boca para gritar conta a gastança ineficiente do Estado, são os que mais se beneficiam dessa despesa parasitária do orçamento da União com juros. Assim, com essa simples canetada, terminaram por aumentar a despesa da União em R$ 10 bi ao longo do ano.

Parece mais do que óbvia a necessidade de adotarmos um modelo desenvolvimentista e preocupado com a promoção da verdadeira igualdade social.

Mas para tanto, o caminho passa pela ruptura com essa política econômica concentradora e estagnacionista, herdada ainda dos tempos do neoliberalismo.

Caso haja alguma intenção de reorientar a política econômica para a maioria da população, é preciso ter a clareza de que a manutenção do viés ortodoxo na condução da política monetária opera como um grande obstáculo.
(*) Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

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