quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Capitalismo anticapitalista




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Farofáfa, 15/01/2014


Capitalismo anticapitalista


 
Por Renato Barreiros*


Uma rápida busca na internet mostra que os shoppings centers são hoje o lugar preferido, o principal “espaço publico” do filhos da nova classe C: manifestação das fãs de Justin Bieber pedindo show do cantor em um shopping de Fortaleza, manifestação dos fãs do MC assassinado Daleste em frente ao Shopping Penha no mês de julho, um vídeo do YouTube que mostra que os famosos “rolezinhos” já são um tanto velhos - pois em 2012, em um encontro de fãs do MC Gui (o vídeo chama “MC Gui - Rolê no Shopping Metrô Tatuapé”), já havia tumulto de jovens dentro do shopping por causa da presença do cantor.
 
Nada é mais lógico para um geração que escolheu o funk-ostentação como trilha sonora que marcar seus encontros nos templos de consumo, sejam eles para beijar, conversar, consumir, comer ou até mesmo protestar.
 
O que chama a atenção é a visão míope dos donos dos shoppings, que tratam seus consumidores de agora, e de muitos anos mais adiante, com polícia e repressão pura. Mas essa visão dos capitalistas de, por puro preconceito, negarem seus consumidores e perderem oportunidades de aumentar suas vendas e lucros já é algo que ocorre no funk-ostentação há algum tempo.
 
Três histórias são emblemáticas. Em uma delas, uma dupla de MCs de funk popularizou uma marca de óculos entre os milhares de jovens da periferia do Brasil. Quando, por um amigo em comum, tentamos falar com o representante da marca para os artistas ganharem algum patrocínio, a resposta, de modo irônico, foi: “Pergunte quanto eles querem para não cantarem mais o nosso nome”.
 
Em outra história bizarra, uma marca de roupa conhecida por vestir os jovens endinheirados do Rio e de São Paulo fazia com que o YouTube retirasse os funks cujas letras citassem sua marca e notificava os donos dos canais onde estavam os vídeos que eles poderiam ser processados caso colocasse de novo as músicas.
 
Na última delas, um dos videoclipes mais vistos de funk, com milhões de visualizações, foi retirado do YouTube  por uma famosa marca de bebida, porque o cantor, maior de idade, segurava uma garrafa de destilado. Talvez o primeiro comercial gratuito da história tirado do ar pela marca beneficiada!
 
Apesar dos milhões de acessos, com audiência maior que de muitos canais de TV, pouquíssimos clipes de funk-ostentação conseguiram patrocínio de alguma marca, mesmo com os MCs escancarando e fazendo verdadeiras odes para algumas delas.
 
Nosso capitalismo tupiniquim poderia se espelhar em como as marcas se comportam nos Estados Unidos, onde diversos rappers tem o patrocínio de diversas empresas. Como são referência para a juventude, alavancam as vendas de diversos produtos. Alguns desses rappers recebem ações das empresas para que exista um envolvimento real.
 
Quem sabe ao invés de receber os jovens com polícia e gás lacrimogêneo os shoppings poderiam se organizar para reforçar sua estrutura e recebê-los com promoções de marcas que eles gostam, atrações musicais, oportunidades gastronômicas etc.?
 
A lanchonete McDonald's poderia fazer o dia do Mac-rolezinho, com descontos nos seus hambúrgueres. Lojas de tênis fariam liquidação dos cobiçados tênis Mizuno. Lojas de roupa preparariam uma outlet de camisetas da Hollister e da Abercrombie. Lá fora, promoveriam um supershow com MC Guime, MC Dede, Rodolfinho e outros. Qualquer produtora de eventos de porte médio saberia organizar tal evento sem que houvessem confusões e tumultos.
 
É horrível ver que nossos capitalistas brasileiros ainda têm uma visão tão míope e preconceituosa, que faz com que neguem seus próprios consumidores por conta da cor da pele ou da classe social.
 
Por outro lado, a atual geração dos rolezinhos e do funk-ostentação pode mudar de ideia e começar a cantar e se mobilizar contra as marcas e os centros comerciais que os tratam com tanta hostilidade. Quem sabe quando começar a doer no bolso dos nossos capitalistas eles aprendam.

*Produtor cultural e diretor do documentário Funk Ostentação. Desde 2008 atua em projetos ligados à cultura criada na periferia

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