Lula, vá para o SUS´ é preconceito de classe!
Por Luis Eugênio Portela e Luis Sestelo, no site Bahia 247, no dia 07 de novembro de 2011.
A recente notícia sobre a doença de Lula e sua internação no Hospital Sírio Libanês em São Paulo repercutiu na mídia e nas redes de relacionamento virtuais como uma bomba. Vários comentários forma publicados, muitos deles sugerindo que Lula deveria procurar atendimento no SUS e não naquele hospital. Uma colunista fez comentários sobre os hábitos de consumo de bebida alcoólica e de tabaco de Lula e sobre o comportamento de D. Mariza nos corredores do hospital.
Todo esse furor midiático guarda um traço em comum que pode ser facilmente identificado: o preconceito de classe social contra Lula e sua família. A mensagem sub-reptícia que é veiculada pode ser interpretada como algo assim: esse hospital é reduto de pessoas de classe! O que é que um operário nordestino está fazendo aqui? Seu lugar é junto aos pobres, junto aos desclassificados, na fila do atendimento dos hospitais públicos! Veja D. Marisa, sem compostura, anda de chinelinhos no corredor do hospital! O Lula cachaceiro e fumante, só podia mesmo ter câncer de laringe. Coisa de pobre... quando Paulo Maluf andou por lá ninguém lembrou de perguntar se ele não deveria ser assistido pelo SUS.
No caso específico do slogan "Lula, vá para o SUS!", entretanto, existe uma falácia adicional que precisa ser esclarecida em nome da verdade factual. A ideia de que no Brasil existem duas categorias estanques de sistema de saúde, uma pública, representada pelo SUS, e outra privada, representada pelos planos de saúde, é falsa.
Existe, de fato, uma complexa articulação entre as dimensões pública e privada no sistema de saúde brasileiro que favorece as empresas de planos de saúde e seus clientes e prejudica o conjunto do sistema de saúde e a maioria da população.
Os limites entre o público e o privado são extremamente nebulosos e nessa névoa prevalece uma apropriação privada de recursos públicos, utilizados pela parcela da população em melhor condição socioeconômica.
O Hospital Sírio Libanês é, oficialmente, um hospital filantrópico que, portanto, é beneficiado com isenção fiscal e outras modalidades de financiamento público direto e indireto no seu funcionamento. A sua equipe médica exerce uma dupla militância, atendendo simultaneamente a clientela encaminhada pelo SUS e aos clientes dos planos de saúde. A magnífica estrutura física daquele hospital foi constituída apenas com recursos da comunidade sírio-libanesa? Será que não entrou nenhum recurso público na montagem daquele aparato de diagnóstico e tratamento?
O Hospital Sírio Libanês é, oficialmente, um hospital filantrópico que, portanto, é beneficiado com isenção fiscal e outras modalidades de financiamento público direto e indireto no seu funcionamento. A sua equipe médica exerce uma dupla militância, atendendo simultaneamente a clientela encaminhada pelo SUS e aos clientes dos planos de saúde. A magnífica estrutura física daquele hospital foi constituída apenas com recursos da comunidade sírio-libanesa? Será que não entrou nenhum recurso público na montagem daquele aparato de diagnóstico e tratamento?
Vamos colocar a questão de forma honesta. Vivemos em um país que tem um sistema tributário regressivo. Tira dos pobres, por meio de impostos indiretos, proporcionalmente mais do que dos ricos. Quase a metade do Orçamento Geral da União vai para o pagamento de juros da dívida pública interna, portanto é uma espécie de "bolsa família" para as cerca de 20 famiglie de detentores de títulos da dívida pública. O pouco que sobra para a saúde também obedece a essa mesma lógica pouco republicana de distribuição, preconizada pelo Banco Mundial desde os anos 1990: oferta pública de serviços focalizada para os pobres, ao lado de um mercado de venda de serviços subsidiado com o dinheiro dos pobres, para os ricos e os remediados.
O sistema de saúde no Brasil é um só. As distorções evidentes que existem e aumentam a cada dia, decorrem da bem sucedida estratégia de apropriação privada do espaço público levada adiante ao longo dos anos. Os detratores do SUS, em geral, são os maiores beneficiados dessa estratégia.
O governo Lula pôs o Brasil no rumo do desenvolvimento, com algum grau de distribuição de renda, mas algumas coisas seu governo de coalisão não foi capaz de fazer. Entre elas: a democratização dos meios de comunicação, que continuam a praticar o preconceito de classe explícito contra sua figura e tramam, diariamente, contra o governo Dilma, e uma inequívoca opção política pelo uso republicano dos recursos públicos na saúde.
Tivesse Lula garantido o financiamento público adequado do sistema de saúde, estaria, possivelmente, no mesmo hospital, ao lado de outros trabalhadores de origem nordestina e também ao lado dos parentes de Maluf (notório membro da comunidade sírio libanesa), compartilhando o uso das mesmas instalações financiadas com recursos de toda a sociedade.
O SUS, adequadamente financiado e organizado com base no interesse público, é o lugar ideal para Lula e para qualquer cidadão brasileiro. Esse sim seria um grande passo em direção a uma sociedade mais justa e democrática!
Luis Eugênio Portela é vice-presidente da ABRASCO é docente do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBa). Luis Sestelo é membro do Comitê de Saúde do Trabalhador - TRT 5ª Região.
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