"... se você pegar a experiência do pós-guerra nos países desenvolvidos vai ver que a carga tributária subiu, o gasto público subiu, de modo a aumentar a participação da população desempregada, de modo a absorvê-la. Juntando seus efeitos diretos e indiretos, foi o Estado que criou emprego no pós-guerra,tanto na Europa como nos Estados Unidos. Isso é inequívoco,os estudos da OCDE e qualquer estudo benfeito mostram. O setor privado não vai criar emprego (...) Se o Estado não cuidar dessa questão, não é o setor privado que vai cuidar, esqueça.
Então devemos ter uma política de emprego, e é por isso que eu falo do desenvolvimento cultural. O governo brasileiro terá que criar emprego não só cultural, mas nas áreas ditas sociais, educação e saúde. Essa é a cara que vai assumir, no futuro, o emprego no mundo.
É na contramão do que os ingleses estão querendo fazer ao desestruturarem o National Health Service, ao reduzirem empregos. Esse David Cameron é um engomadinho louco, ele vai levar um contravapor na Inglaterra, já que está destruindo todas as relações sociais que foram construídas na base do Estado do bem-estar social inglês. O mesmo com o Sarkozy. Em Portugal, então, é inacreditável, na Grécia idem. Mas o povão está indo para a rua " (Luiz Gonzaga Belluzzo; entrevista ao Centro Celso Furtado')
Desemprego na França atinge nível mais alto desde 1999
Eduardo Febbro - Correspondente da Carta Maior em Paris
A crise financeira está cobrando um tributo altíssimo do mercado de trabalho europeu. Nenhum país está ao abrigo da onda desencadeada a partir da Grécia com a crise da dívida, nem sequer duas das economias mais sólidas do Velho Continente, França e Alemanha. Os últimos números sobre o desemprego na França, publicados antes do final do ano revelam um quadro devastador: o desemprego chegou ao seu nível mais alto desde 1999. A curva ascendente parece irresistível. As porcentagens reveladas pelo Ministério do Trabalho dão conta da existência de 2.844.800 pessoas desempregadas na França, o que equivale a 9,8% da população ativa.
Novembro de 2011 foi um dos meses mais agudos com o ingresso de 29 mil pessoas no seguro desemprego, unicamente na chamada categoria A, ou seja, as pessoas que não trabalharam nem um só dia durante o mês. Isso representa uma alta de 1,1% em apenas um mês, o sexto aumento do desemprego em um ano. No entanto, uma vez analisados, os números são ainda mais abismais.
Se levamos em conta as três categorias de desempregados, ou seja, a já mencionada A, a B e a C, que englobam as pessoas que tiveram uma atividade reduzida, os percentuais disparam para tetos históricos, totalizando 51.800 novos desempregados unicamente no mês de novembro. 2011 termina assim com um aumento do desemprego de 5,2%, expondo o fracasso das ações governamentais, em especial sua vontade de desmantelar o esquema das 35 horas de trabalho semanal, adotado em 1997 pelo ex-primeiro-ministro socialista Lionel Jospin. Naquele período, os socialistas optaram por “compartilhar” o tempo de trabalho como um dos antídotos contra o desemprego. Mas uma vez no poder, a direita passou a secundarizar esse princípio.
Segundo o ministro francês do Trabalho, Xavier Bertrand, o aumento do desemprego “é uma consequência direta da perda de velocidade da atividade econômica”. Os sindicatos também admitem que a explosão do desemprego se explica em larga medida pela ampliação da onda expansiva da crise. Laurent Berger, secretário geral do sindicato CFDT, explicou que “é possível perceber muito bem que a crise toca setores como os serviços para as pessoas, o setor associativo e os bancos. Esses ramos não tinham sido afetados pela paralisação em 2008 e 2009”.
Um mal endêmico do liberalismo especulador, quase nenhum governo, de esquerda ou de direita, conseguiu frear o crescimento aumento do desemprego. O governo conservador de Nicolas Sarkozy tinha conseguido deter essa tendência em 2010 graças a quatro meses consecutivos de diminuição do desemprego na categoria A. Mas em 2011, voltou a tendência positiva.
O ápice do desemprego alcançado nesta categoria consagra o fracasso das políticas governamentais já que Sarkozy fez desse segmento da população sua prioridade absoluta. A síntese dispensa todo comentário: nos primeiros 11 meses do ano o desemprego dentro da categoria A alcançou 139.800 pessoas, o que representa o dobro de 2010 (76 mil). Se ampliamos a leitura dos percentuais para as demais categorias, os resultados são igualmente negativos: 199.300 novos desempregados contra 197.300 para 2010. Os jovens de menos de 25 anos, as pessoas com mais de 50 e os chamados “precários”, ou seja, aqueles que tem trabalhos temporários, são os mais afetados pela falta de emprego.
O Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (INSEE) prevê um 2012 pior que 2011. Segundo o INSEE, no decorrer do primeiro trimestre de 2012 pode se materializar o pesadelo de um desemprego superior a 10% da população ativa. Antes disso, a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris) havia antecipado que a França superaria, em 2012, a barreira simbólica dos 10% de desemprego. Pior ainda, o INSEE calcula que a aceleração do desemprego não se explicaria unicamente por motivos demográficos mas, ao invés disso, por uma freada brusca da criação de postos de trabalho.
Todos os fatores se combinam para criar um quadro muito agudo: falta de ofertas no mercado de trabalho, demissões, fechamento de empresas e fábricas. O tempo corre e é um inimigo feroz. Seja quem for o vencedor das eleições presidenciais de abril de 2012, terá em suas mãos o timão de um barco que navega em águas profundas. No próximo dia 18 de janeiro, o presidente Nicolas Sarkozy organiza uma cúpula social, na qual se contemplam “soluções rápidas para conter ao máximo os efeitos da crise”.
O calendário escolhido pelo mandatário se assemelha mais uma vitrine eleitoral ante a proximidade das eleições do que um programa para enfrentar a crise. Sem conhecer as taxas de desemprego de filme de horror que se constatam na Espanha (cerca de 22% da população ativa), a França se encaminha para um ano de curvas de desemprego e de pobreza em pleno crescimento. Muitos analistas admitem hoje que é muito provável que se volte à metodologia dos socialistas: “trabalhar menos horas para que todos trabalhem”.
Tradução: Katarina Peixoto
Portugal: Bom Natal e Pior Ano Novo!
Francisco Carlos Teixeira
Lisboa – É quase impossível andar pelas ruas de Lisboa, tomar um taxi ou sentar-se em uma de suas muitas “esplanadas” sem que o assunto da crise econômica se faça presente. É um trauma nacional. Toda uma nação – e uma nação antiga, valorosa e trabalhadora! – foi colocada diante de uma realidade chocante: os homens, e partidos, responsáveis por sua administração não foram capazes de liderar o país em direção a uma vida melhor. Pior do que isso: não foram capazes se quer de conservar as conquistas e as garantias sociais que a geração passada construiu na sua luta contra a ditadura salazarista.
Portugal hoje
Portugal é um pequeno país, nós sabemos. Possui pouco mais de dez milhões de habitantes, em um território de 92 mil quilômetros quadrados, o que é apenas duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro (que possui, entretanto 15 milhões de habitantes). Portugal, por sua vez, possui um PIB de 247 bilhões de dólares, enquanto o PIB do Rio de Janeiro é de cerca de 200 bilhões de dólares, com chance de chegar a um trilhão em 2025.
Portugal, em suas terras limitadas pelo mar e por Espanha, atravessadas por montanhas de pedras, com um chão avaro, parco, para os trabalhos agrícolas, não é uma grande economia. Somente os vinhedos, pequenos, artesanais e de grande excelência, sobrevivem ao lado de algumas oliveiras, limões, laranjas e alecrins. Ao sul, as charnecas são secas, áridas, como Fernando Namora já nos descreveu. Igual ao Rio somente o turismo.
É impossível andar pelas ruas limpas e bem sinalizadas do país, sem deparar com grupos de turistas europeus – o que ainda mantém vivos cafés e tascas do Bairro Alto, do Rossio e da Ladeira da Alfama.
Entretanto ao contrário do Rio, falta a Portugal perspectivas. Não há uma vocação clara, nem mesmo um projeto que una partidos, lideranças e a sociedade. Ao contrário da Alemanha e Inglaterra, que declaram o fim dos experimentos multiculturalistas e multiétnicos, Portugal é uma nação diversa em sua composição, com uma larga população negra – oriunda das ex-colônias ou nascida aqui – além de indianos e chineses étnicos, e é claro, um bom número de brasileiros. Todos vivem bom convívio, melhor do que qualquer outro país da Europa. Contudo, tamanha diversidade não ajudou a criar um projeto de nação, e de futuro, capaz de tirar o país do marasmo.
Não há grandes indústrias, o comércio é quase todo local, e a agricultura não responde ao mínimo necessário para o país. O desemprego atingiu quase 11% dos poucos mais de cinco milhões de trabalhadores portugueses, mas entre os jovens – incluindo os jovens formados em escolas técnicas e universidades – o índice atinge quase 25%! Mais da metade dos 620 mil desempregados do país são jovens. As perspectivas para estes de encontrar um emprego em seu rama de especialização em seu próprio país são tremendamente baixas.
Uma terra que envelhece!
Portugal é um país velho de história(s). Aqui estão os túmulos megalíticos de Braga e sua Sé; as ruínas romanas de Évora, os fundamentos árabes do castelo de São Jorge em Lisboa. Mas, acima de tudo, Portugal envelhece em sua gente. Nas ruas poucas crianças são vistas e aldeias inteiras são povoadas por velhos. A inexistência de empregos, um mercado de trabalho pouco flexível e imaginativo, afugentou os jovens, que migram para toda a Europa, Estados Unidos e Brasil.
Alguns países, no interior da União Européia, se aproveitam disso. No início de 2011, já frente às terríveis exigências feitas pela U.E. aos portugueses, a chanceler alemã Angela Merkel ofereceu condições favoráveis para a migração de jovens de nível universitário para o país. Ou seja, Portugal educa e forma, paga os gastos e a Alemanha recebe bons técnicos sem qualquer investimento, enquanto o país envelhece!
Hoje já vivem no exterior mais de um milhão de portugueses e diariamente centenas de outros pedem visto de residência em outro país. O primeiro-ministro português Pedro Passos Coelho (no poder desde junho de 2011), da coalizão direitista do PSD/CDS, em recente discurso aconselhou simplesmente os jovens a migrarem, abandonando Portugal. Talvez tenha sido o único chefe de governo do mundo que, em vez de criar empregos, mandou seus concidadãos embora do país!
De qualquer forma, o risco da fórmula de Passos Coelho é que na próxima eleição não haja mais quem governar em Portugal. A demografia do país é um desastre. A média de idade da população está acima de 43 anos e apenas 16% tem menos de 15 anos. A maioria da população, e daqueles que ficam, envelhece. Aldeias inteiras, formadas de velhos, dependem do sistema da previdência para sobreviver. O crescimento demográfico do país é de apenas 0.2% ( Para efeito de comparação: a população com menos de 15 anos no Brasil é cerca de 27% do total de nossa população, enquanto a média de idade é de 30 anos e o crescimento anual é de 1.4%).
Não se trata como querem alguns economistas da chamada “troika” – que em verdade por trás da coligação PSD/CDS governa Portugal, formada pelo Banco Central Europeu/BCE, o FMI e a direção da União Europeía – de preguiça ou de falta de iniciativa do povo português. Se trata, a bem da verdade, da ausência de empregos.
Aqui cabe também ressaltar a responsabilidade de anos de governo do Partido Socialista/PS, que aceitou as imposições do núcleo financeiro da União Européia e não buscou, quando ainda era possível – em 2009/10 – meios eficazes de defesa do país em face da crise financeira nascida nos EUA.
Portugal, alvo da especulação financeira
Logo após o desastre do sistema financeiro americano, com a explosão escandalosa do sistema imobiliário – o subprime – os governos Bush (em seu amargo final) e o governo Obama (em ações decepcionantes) resolveram salvar os bancos americanos em nome da saúde do conjunto da economia. Emprestaram centenas e centenas de milhões de dólares para bancos, seguradoras e algumas montadoras de automóveis em ambas as margens do Atlântico. Havia medo de uma paralisia total da economia, posto que os bancos – após anos de especulação desenfreada no “livre mercado” – estavam incapazes de fazer frente as suas garantias.
Já sabemos hoje o que se passou: os bancos saíram da crise, não melhoraram suas carteiras e nem se preocuparam em fazer investimentos produtivos, que gerassem empregos e renda. Garantiram apenas os empregos e bônus de seus executivos, tudo com o dinheiro público.
Viciados em especulação, abandonaram o deprimido mercado imobiliário, deixando um rastro de infelicidades, desde famílias que perderam seus lares até o desemprego maciço na cadeia produtiva voltada para a construção civil. Buscaram como alternativa os empréstimos diretos a países, abrindo uma nova frente de crise, chamada de crise das dívidas soberanas. Os países periféricos do sistema do euro – Irlanda, Portugal, Grécia – foram seus alvos principais. Após grandes empréstimos, voltados para a manutenção dos próprios orçamentos nacionais, passaram a pressionar os títulos, visando a elevar exageradamente o prêmio/preço a ser pago pelos empréstimos.
As agências ditas “de riscos” – que não souberam prever as crises de seus próprios bancos associados – participaram, intensamente, criando um circuito de boatos e de análises catastróficas, que elevavam os juros dos países, sangrando ainda mais a sociedade. Assim, um a um, caíram as peças do dominó: Irlanda, Grécia, Portugal até chegar a Itália e Espanha, que por seu peso e pela capacidade de arrastar na crise os próprios bancos mereceram mais favores que os pequenos países.
Empobrecer em Portugal
O governo do PS não viu, ou não soube prever o impacto dos ataques especulativas contra o país. Derrotado nas urnas, por um eleitorado decepcionado e assustado, foram substituídos pela coligação de direita PSD/CDS, com Passos Coelho à frente. As medidas tomadas, desde julho, são duras e divididas de forma injusta pela sociedade. As greves eclodem quase diariamente, setor por setor, sem, qualquer capacidade de emocionar o governo. Os cortes sobre salários são brutais, com a perda do abono de férias e de Natal. Restrições imensas recaem sobre as pensões de velhos e viúvas, com uma porção gigantesca de recursos da população sendo arrancada pelo governo e entregues a “troika” para pagamento aos bancos.
Lembra-nos em muito a liberdade e a desfaçatez dos executivos do FMI no Brasil nos anos de 1980. Tal qual no Brasil, as exigências do FMI e do BCE são as mesmas: austeridade e sacrifícios (por parte da população). Ora, trata-se de exigir sacrifícios de uma população pobre, frugal e que sempre trabalhou duro. Assim, as pensões entre 247 até 600 euros mensais não terão qualquer aumento em 2012, embora o corte dos subsídios e o aumento dos impostos tenham elevado o custo de vida do país.
A mais irritante de todas as medidas do governo – para além de cortar os abonos, congelar salários, impor atendimento médico pago mesmo para os que contribuem para previdência – foi uma medida que surgiu aos olhos dos portugueses como um deboche: no próximo ano todos os empresários poderão exigir de seus trabalhadores meia hora diária de trabalho não pago.
O povo português não comemorou este Natal. Não houve fogos ou decoração natalina no Rossio ou no Comércio. Não havia muito a comemorar, talvez apenas a certeza, dita por todos, que o ano de 2012 será bem pior. Os partidos não apresentam respostas ou alternativas. O PS está em silêncio. O PCP – menos de 8% na última eleição conclama a revolta, sem dizer o que fazer. Restam talvez os “indignados”, que grafitam as paredes do Bairro Alto, com a clareza lusitana: “sacrifícios é o caralho”!
(*) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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