21/12/2011
A (nova) política da contracepção nos Estados Unidos
Discussão nos Estados Unidos sobre a segurança da nova geração de pílulas anticoncepcionais termina com grande virada e mina as expectativas em relação à ampliação do acesso à pílula contraceptiva de emergência para adolescentes menores de 17 anos. Veto da secretária de Saúde americana à decisão da FDA surpreende e repercute negativamente entre grupos em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos
As pílulas contraceptivas foram a bola da vez nos Estados Unidos em dezembro. O mês começou com a discussão acalorada no Senado sobre a segurança dos anticoncepcionais à base de drospirenona, hormônio presente em medicamentos modernos como o Yasmin e o YAS, disponíveis no Brasil, o Beyaz e o Safyral. A substância triplicaria as chances de a mulher desenvolver trombose e sofrer um infarto, mesmo em idades inferiores a 35 anos. Considerou-se até a hipótese de tirá-los do mercado, mas depois de uma votação de mais de 10 horas, concordou-se com a análise da Food and Drugs Administration (FDA) de que os benefícios para a saúde das mulheres superavam os riscos.
Outro consenso foi o de que o maior problema, entretanto, é a falta de informação sobre os efeitos adversos e os riscos das pílulas para as consumidoras. Uma das recomendações é que essas informações estejam mais claras nas embalagens e bulas e que os médicos estejam atentos a fatores de risco de suas pacientes.
Discussão à parte, foi outra a polêmica que mexeu com os humores – e a saúde - do norte-americano nas últimas semanas: a liberação da pílula contraceptiva de emergência Plan B One-Step para adolescentes menores de 16 anos sem a necessidade de prescrição médica. Atualmente, o fármaco produzido pela Teva é vendido sem prescrição nas farmácias dos Estados Unidos para jovens a partir dos 17 anos de idade. A Teva preparava-se para a liberação da FDA, que analisou estudo desenvolvido pelo laboratório com meninas entre 11 e 17 anos de idade apontando que cerca de 90% das jovens que procuraram o método souberam utilizá-lo corretamente sem a orientação de um adulto. A agência reguladora de fármacos e alimentos norte-americana deu o aval para a liberação, vetada pela secretária de Saúde e Serviços Humanos Kathleen Sebelius. ]
Repercussão negativa
Acompanhando as reações nos Estados Unidos quanto à decisão do governo de vetar a liberação da FDA, dá para se ter uma ideia da dimensão política que a questão tomou. Mas se o fato de pela primeira vez em anos um membro do governo norte-americano ter vetado a recomendação da FDA surpreende, não causa espanto o cunho político que ganhou o debate. Ora, já não é de hoje, e disso bem sabem os países que lidam cotidianamente com as restrições aos diretos sexuais e reprodutivos, que a pílula contraceptiva de emergência é pivô de muitas brigas entre os grupos em defesa daqueles direitos e grupos ultraconservadores. Não é de hoje que a “pílula do dia seguinte” é acusada de abortiva ou, ainda, tem sua segurança questionada.
Uma vez liberada para jovens menores de 17 anos pela maior agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, o veto da secretária de Saúde confirma uma tendência quase absoluta – quase mundial? - de tratar questões da saúde pública com princípios ideológicos e políticos. Em se tratando da saúde da mulher, a tendência parece ser ainda mais forte. As justificativas de Kathleen Sebelius, que teve total apoio do presidente Barack Obama, não se sustentam. “Não acredito terem sido apresentadas informações suficientes para apoiar a proposta de tornar o Plan B One-Step acessível sem prescrição médica para todas as garotas em idade reprodutiva”, afirmou, segundo reportagem publicada pelo site do jornal The Washingnton Post.
A virada no debate sobre o uso de métodos contraceptivos nos Estados Unidos foi recebida com preocupação pelos movimentos a favor dos direitos sexuais e reprodutivos e dos direitos das mulheres em todo o mundo. O episódio significa um retrocesso e pode dificultar o diálogo sobre o acesso a métodos contraceptivos, em especial à pílula contraceptiva de emergência, em países com leis mais restritivas na área da saúde do que nos EUA.
No Brasil, os problemas da restrição à pílula contraceptiva de emergência, entre outros, estão há muito na pauta de atuação dos grupos em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos e dos direitos das mulheres. Ação política focalizada, sob liderança decisiva da Comissão de Cidadania e Reprodução, colocou freio na tendência de criação de barreiras legais à contracepção de emergência no Brasil, em âmbito municipal e nacional. Hoje, isto não é mais problema em nosso país. Se nos permitem, nossa recomendação às/aos colegas americanos é de atenção redobrada, afinal, o atual cenário político nos EUA é nosso velho conhecido. Às vésperas das eleições presidenciais, um país em crise, em que o acesso à saúde é um dos maiores desafios, diga-se de passagem, tudo pode acontecer, uma vez que as Igrejas costumam “pintar e bordar”, fazendo de tudo para realizar seus mandatos morais, com sérias consequências para a cidadania.
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