sábado, 28 de fevereiro de 2015

A volta dos mortos-vivos








28 de fevereiro de 2015



Verdades sobre o dia 15 (ou a volta dos mortos-vivos)



Por Paulo Moreira Leite



Prevê-se que, no dia 15 de março, ocorram manifestações contra o governo Dilma. Seus organizadores, líderes e apoiadores são os derrotados pelas urnas de 26 de outubro de 2014. Este é o fato básico.

A democracia garante a liberdade de expressão e manifestação mas isso não basta para assegurar a legitimidade de um protesto.

Estamos falando de um ato desleal perante a vontade da maioria.

Questionar medidas e decisões do governo é um direito de todos — inclusive dos eleitores de Dilma.

O protesto programado é outra coisa, sabida, diagnosticada: a venezualização do país.

Será um cortejo daqueles que votaram no candidato que perdeu as eleições presidenciais — ficou atrás no primeiro turno e também no segundo — e, como 54,5 milhões de votos fossem pouco mais do que um detalhe na paisagem, procuram um atalho para mudar o resultado.

Não aceitam uma democracia na qual amargaram quatro derrotas consecutivas. Em vez de, humildemente, procurar entender as causas de mais um fracasso nas urnas, comportam-se como privilegiados que decidiram que não querem brincar mais.

Após uma campanha polarizada, que terminou com a vitória política de um dos lados, o PSDB já discute uma proposta de divisão e privatização da Petrobras.

É o retorno dos derrotados, a volta dos mortos-vivos da Petrobrax. Pode? Simplesmente: não. É um acinte.

Como a palavra “golpe” carrega terríveis recordações, agora falam em impeachment, como se bastasse trocar as palavras para modificar o significado das coisas.

Outro ponto básico: sem fatos concretos, ensina a Constituição, impeachment é conversa e enganação.

Estamos diante de uma tentativa de golpe igual a todos os outros, preparado pela construção artificial de um ambiente político radical e desfavorável.

Quando o cidadão comum perceber, terá sido embrulhado mais uma vez.

O novo governo começou há dois meses e tem um mandato de três anos e dez meses para ser cumprido. Não há um único fato, nem o mais leve indício, sequer um fiapo, capaz de envolver a presidente da República num crime de responsabilidade.

Estamos na Republica de Sérgio Moro, o Átila.

O plano é um stalinismo às avessas, a desindustrialização forçada, que implica em obrigar o povo, os mais humildes, aqueles que não possuíram nem oportunidades, a pagar duas vezes pelo mesmo crime.

O primeiro pagamento, histórico, foi no momento da contratação das obras, os acertos condenáveis por baixo da mesa — de certa forma, com JK, teve início a acumulação primitiva de um capitalismo tardio, na periferia, a sombra do Estado. Imagine o que se deixou de fazer e de oferecer por causa disso.

O segundo pagamento será agora: desemprego, salário baixo, recolonização do país.

Roubar de novo?

Além do sobrepreço, do desvio, do desmando, daquela fortuna onde é possível contabilizar muita coisa que não possuímos e muito daquilo que não nos tornamos, vamos quebrar as empresas, destruir a riqueza que pertence aos 200 milhões de brasileiros, para entregar à pilhagem externa, aos piratas de Sua Majestade, que já esfregam as mãos através da imprensa internacional, em publicações que uma elite desnaturada, em dificuldade para elaborar um pensamento próprio, transformou em Bíblia.

Nesse enredo absurdo é hora de considerar o básico, convocar Chico Buarque: “Chame o ladrão, chame o ladrão.”

Alguma dúvida?

Nem Barack Obama, aquele que tantos chamam de fraco — o que é merecido, muitas vezes — deixou os donos do cassino de Wall Street assumirem o butim dos derivativos e quebrar o país. Colocou dinheiro do Estado e assumiu o controle de empresas de valor estratégico — como a General Motors. Impediu a quebradeira e arrumou uma saída que interessava ao país.

O que está em construção no Brasil de 2015 é um movimento típico da sociedade do espetáculo e é preciso prestar atenção num ponto essencial. Quem escreve o enredo, escolhe os heróis e os vilões, necessários para dar sentido a uma grande ficção e definir o que se entende por final feliz é, como sempre, quem tem a propriedade dos meios de produção, que são as câmaras, os estúdios, e também paga os artistas, compra os jornais onde se pode ler a crítica, acompanhar o show e fechar as cortinas.

Falsos como galãs de opereta, já estão preocupados em montar histórias embelezadas para esconder suas feiúras mais horrendas. Mentem de dia, à luz dos holofotes, para conspirar a noite. Procuram álibis, argumentos de fachada.

Preocupados com aquilo que os eleitores mais atentos já começam a perceber, preparam uma falsa biografia preventiva.

A coisa chegou a um ponto tal que há quem diga que não se deve apoiar um golpe porque o Brasil não pode ser comparado ao Paraguai. Deve ser a primeira jura de amor à democracia feita a partir de uma visão esnobe, alimentada por pressupostos racistas e preconceituosos. Quanto vale isso?

Quem explica o show, com um conhecimento que faz justiça à própria Justiça, é o juiz Rubem Casara, do Rio de Janeiro:

O enredo do “julgamento penal” é uma falsificação da realidade, uma representação social distante da complexidade do fato posto à apreciação do Poder Judiciário. Em apertada síntese, o fato é descontextualizado, redefinido, adquire tons sensacionalistas e passa a ser apresentado, em uma perspectiva maniqueísta, como uma luta entre o bem e o mal, entre os mocinhos e os bandidos. O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo.”

Em cartaz desde abril de 2014, nas manchetes de jornais, revistas e telejornais, em 15 de março o espetáculo deve ganhar a rua, animar pessoas de carne e osso, fingir que se tornou realidade embora continue uma peça de ficção.

Nem o erro mais grave do governo Dilma, nem aquilo que hoje muitos chamam de “sonho desfeito” do PT, pode servir de argumento para punhaladas, provocações ou demais soluções ainda mais sinistras.

Se o palmômetro fosse motivo para interromper mandatos eletivos, imagine o que deveria ser feito com um Príncipe que deixou o Palácio com a popularidade negativa. Pedir nossa parte em PIB?

O que fazer com a moeda que em 1994 valia mais do que o dólar americano e quatro anos depois precisava de favores do tesouro americano para não parar no lixo. O que houve com aquele governo que foi parando, parando, parando … até que o país ficou às escuras?

Fora da democracia não tem jogo.

Uma conversa de brancos de olhos azuis








Carta Maior, 28/02/2015




A encruzilhada do Brasil que poderíamos ser


Por Saul Leblon 




​​
A via ortodoxa escolhida pelo governo para viabilizar o quarto mandato presidencial do PT está implantada e o paradoxo começa a dar frutos.
 
São ácidos.
 
O desemprego saltou de 4,3% em dezembro para 5,3% em janeiro; o governo acaba de anunciar um corte de 23,7% do orçamento do PAC e o BC  deve aumentar a taxa de juro na próxima 4ª feira, para 12,75%.
 
Significa dizer que o ciclo econômico ajustou-se ao ciclo político.
 
Ao cerco conservador que antecedeu o período pré-eleitoral, e somente ali foi afrontado, sobrepõe-se agora uma asfixia econômica, que cada vez mais será percebida pela população como um torniquete que se ajusta diariamente.
 
Estamos só no começo da primeira volta.
 
A emissão conservadora ostenta uma coerência editorial de cabo a rabo. Não há mais dissonância entre o salvacionismo antipetista do noticiário político e os resultados registrados nas páginas de economia.
 
A recessão vai engrossar as fileiras do neoudenismo - se não no aventado dia 15 de março, um pouco mais adiante.
 
Não há pressa. O tempo age a favor da turma que recentemente uivou contra o ex-ministro Guido Mantega, e sua esposa, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Ali ficamos definitivamente cientes de que ‘SUS’ para a fina estampa da elite paulista é o sinônimo de um palavrão.
 
O governo assiste a tudo com notável desdém pela própria cabeça.
 
A hora de Brasília não define mais a hora do Brasil.                                                                                                                                                                                                           

A abertura e o fechamento dos mercados agendam a sociedade e não há contraditório.
 
A democracia não fala.
 
O ministro Joaquim Levy fala por ela.
 
Diariamente, oferece libras de carne fresca às tesourarias que no final do expediente dão a nota seca para o cardápio da jornada e deixam orientações para o desjejum da manhã seguinte.
 
É uma conversa de brancos de olhos azuis.
 
À Nação mestiça ninguém se dirige; tampouco lhe é facultado dizer o que pensa sobre o seu futuro.
 
Ilhadas na inundação das más notícias, sem comunicação com o governo, forças progressistas lançam manifestos desesperados em garrafas que nunca ultrapassam o espelho d’água do Planalto.
 
O aparato conservador não disfarça a sulfurosa agitação, nem camufla mais suas bandeiras no fundo do armário.
 
Serra fareja o clima e hasteia no peito a mais reluzente de todas.
 
O tucano quer fatiar e vender a Petrobras.
 
Sinal dos tempos: agora explicita aquilo que sempre teve o cuidado de ocultar.
 
Seu projeto resgata o plano sedimentado no governo FHC.
 
Trata-se de criar uma situação de fato.
 
Qual?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Trabalho, educação e capital: a lógica perversa do sistema





Carta Maior, 26/02/2015



Trabalho, educação e capital: a lógica perversa do sistema


José Carlos Peliano - Revista Brasil Debate
 
 


O mundo capitalista é surpreendente em inovações, glamour e contradições. Entremeado por períodos de bonanças e crises, em que as sociedades se ajustam às benesses e às dificuldades, umas piores ou melhores que as outras, o vigor ou torpor que o mantém se produz e reproduz por meio de suas relações econômicas e sociais.

As inovações e o glamour são conhecidos e apreciados seja pelas informações na mídia, seja pelos próprios produtos que chegam de quando em vez ao mercado em todos os ramos de atividade.

A produção cada vez mais orientada pelos avanços tecnológicos e descobertas científicas invadem as gôndolas dos supermercados, as vitrines das lojas, os pátios das montadoras, as prateleiras dos shoppings, enfim, o caleidoscópio de mercadorias e serviços à disposição dos consumidores.

Por trás e por dentro da máquina de pesquisa, desenvolvimento e fabricação deste sistema as relações mercantis e produtivas se mesclam e definem, através das estratégias dos produtores individuais, empresas e grupos econômicos, o modo mais eficiente e produtivo do uso do trabalho, da técnica e do capital.

Desnecessário observar, mas importante confirmar, que a predominância no desenho e estabelecimento das relações recai nas unidades de produção de maior relevo, pujança e receitas. As demais unidades a elas se ajustam dentro dos nichos, esquemas e possibilidades encontrados.

Chama especial atenção uma contradição que perpassa os vários períodos de expansão capitalista no mundo, qual seja a relação entre trabalho, educação e capital. Na linguagem dos economistas liberais, a relação entre os fatores de produção, já na nomenclatura dos economistas não liberais (para dar maior abrangência aos grupos) a relação entre trabalho e capital.

Não é a mesma coisa, embora pareça. Os fatores de produção reservam lugar ao trabalho e ao capital apenas na linha de montagem, ou na ilha de produção, ou no canteiro de obras, ou na logística das empresas, e assim sucessivamente.

trabalho e capital envolvem estes locais específicos de produção, mas também as decisões, determinações e soluções, pelo menos, estratégicas e financeiras, que põem o aparato produtivo das unidades a funcionar.

Aos fatores de produção a dimensão econômica, ao capital e ao trabalho as dimensões econômica e política. Daí as expressões economia liberal, de um lado, e economia política, de outro.

Da economia política é que surgem a verificação e análise das contradições, daquela somente as imperfeições no funcionamento do sistema; nessa, as soluções são encontradas em ajustes técnicos e operacionais para devolver ao equilíbrio as combinações ideais entre os fatores de produção; naquela, a falta de soluções faz parte do capitalismo, porque inerente a ele, independentemente de acertos postos em marcha aqui e ali

O caso do desemprego é emblemático porque oportuno, atual e dramático na Zona do Euro. Para os liberais, ele surge do desequilíbrio momentâneo entre as combinações técnicas entre capital e trabalho, mediados pela tecnologia predominante de produção. Basta esperar um pouco para que a equação de produção aponte novas combinações e a quantidade produzida, bem como os volumes dos fatores se ajeitem e voltem ao normal.

Para os não liberais, a conversa é outra. O desemprego faz parte da lógica produtiva. Se todos se empregam, no pleno-emprego, o capital vê minguar o valor extra, a mais valia, e não há retorno de lucratividade.

Daí não haver incentivo para continuar produzindo. Há que operar utilizando sempre o menor número possível de trabalhadores para que a mais valia, o mais valor, seja o mais mesmo. Aqui entra o argumento de eficiência, eficácia e produtividade. O desemprego, portanto, é produto do capitalismo para todo o sempre.

E como fica o discurso dos empresários de que o desemprego é motivado pela inadequação da oferta de trabalho, em outras palavras, da falta de qualificação da mão de obra ou do desajuste do fator de produção? Falta que é provida, segundo eles, por mais educação.

Assim, quanto mais educação, quanto melhor a qualificação, mais oportunidades de trabalho, mais redução do desemprego, mais melhoria do nível salarial, que bom, voltamos ao equilíbrio liberal! Uma mera questão de ajuste no desequilíbrio momentâneo dos fatores de produção.

Só que essa conversa é para entrar num ouvido e sair no outro. O que fica mesmo na cabeça é que não é mais qualificação que garante emprego, nem que reduz o desemprego. O que garante o emprego é, de um lado, a adequada utilização do capital no processo produtivo e, de outro, o maior aproveitamento do trabalho no mercado. Solução esta que, infelizmente, está fora da lógica capitalista porque inerente as suas contradições: para o sistema, o que vale é economizar trabalho para maximizar o capital.

Dados apurados na pesquisa que conduzimos no NEPP/Unicamp ano passado, mostra que não é a educação dos trabalhadores que lhes permitem conseguir mais e melhores vagas no mercado. Mas, sim, a própria permanência no emprego. Ou melhor, sua adequação, reconhecimento e manutenção na estrutura ocupacional das empresas. O tempo de trabalho garante a qualificação.

Mais ainda, quanto mais permanece no emprego de uma empresa ou no mercado, em empresas semelhantes, mais o trabalhador alcança melhores salários. Melhores níveis de educação ficam atrás nessa comparação. Assim, ganha mais no mercado aquele trabalhador que permanece trabalhando, não aquele que estuda mais ou se especializa mais!

Então, pela conversa liberal a coisa não funciona por ajustes periódicos ao equilíbrio geral. Não funciona nem funcionará dia algum se o capital produtivo deixa de sê-lo para se travestir de capital financeiro à cata de taxas superiores de lucratividade; se o mais valor na produção significa menos emprego e trabalho no processo; se não é a educação a razão mais importante para se conseguir ou se manter no emprego e no trabalho, mas sim a própria experiência acumulada no exercício da profissão, sempre ameaçada pelo desemprego, nem a razão que favorece a obtenção de melhores salários.

Contradições que, desculpem a redundância, contradizem a mesmice do discurso e da retórica dos mandantes liberais do sistema de produção e finanças mundiais.

A austeridade no combate às crises econômicas é uma falácia de perversidade. De fato, ela é aplicada apenas no sentido de alijar do processo econômico os mais fracos e dependentes dos mais aquinhoados para restaurar um novo ciclo de produção e finanças com os sobreviventes, 99,9% das vezes os maiores e os mais poderosos.

A tentativa da Grécia de saída da crise frente a tríade financeira (FMI, BCE e CE), se bem-sucedida, pode favorecer mais tarde à Espanha e Portugal. A boa repercussão pode igualmente ajudar aos países menos desenvolvidos no enfrentamento da lógica perversa capitalista de servir a mesa com uma mão e tirar com a outra.

O banco dos BRICS pode, inclusive, ser uma boa alternativa de financiamento das crises econômica e financeira desses países, abrindo uma nova frente de apoio, fomento e incentivo internacional ao desenvolvimento.

 

O Porsche e a nossa liberdade

 
 
 




26 de fevereiro de 2015



O Porsche e a nossa liberdade



Por Paulo Moreira Leite




Alguma coisa só pode estar muito errada numa sociedade na qual o uso indevido de um Porsche causa maior escândalo do que erros flagrantes na proteção da liberdade de homens e mulheres.

O juiz Flavio Roberto de Souza caiu em merecido ridículo depois que assumiu o volante de um carro de meio milhão de reais, propriedade do ex-queridinho de altos negócios Eike Batista. Sua Excelência extrapolou na desculpa, ao dizer que haveria “risco de danos” caso um automóvel tão valioso não ficasse guardado na garagem do edifício onde mora.

O curioso é que isso ocorreu dias depois que uma reportagem de Monica Bergamo demonstrou as deprimentes condições em que são mantidos empresários e executivos acusados na Operação Lava Jato, na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Não vou rememorar os detalhes, aqui. Mas lembro o escândalo essencial: estão presos sem prova, há meses, dias após dia — e não pode haver afronta maior aos valores democráticos, nada mais humilhante e vergonhoso. Isso é muito pior do que comer carne com as mãos, fazer cocô na frente de estranhos, chorar descontroladamente.

Seus advogados apresentam habeas-corpus, alguns chegaram ao Supremo Tribunal Federal, aquela corte que é um dos três poderes da República — e, deixando de fora um único caso, nada aconteceu. Apoiados em formalidades que foram solenemente ignoradas quando Gilmar Mendes teve diante de si as prisões da Operação Satiagraha, e mandou soltar os principais réus em poucas horas, duas vezes consecutivas, nossos ministros evitam examinar o caso, pedem que sejam reexaminados por instancias inferiores que, sabem todos, nunca farão isso.

O objetivo do juiz Sérgio Moro, que atua como policial, como promotor e também como magistrado, num acúmulo de funções estranha à divisão de trabalho do Estado Democrático de Direito, é destruir a auto-estima dos prisioneiros, seu orgulho, suas referências, para que confessem aquilo que quer ouvir.

Assim como a tortura de prisioneiros políticos do passado estava codificada e explicada nos manuais de guerra contra-revolucionária, elaborada pelo Exército Francês na Indochina e na Argélia, depois importados pelos países da América do Sul, a delação premiada foi estudada e examinada em textos sobre o Dilema do Prisioneiro, disponíveis na internet, em português.

O inquérito da Lava Jato tem um rumo político definido, óbvio. Como se fosse uma guerra contra revolucionária, o alvo é político: chegar a cabeça de quem Sua Excelência enxerga como inimigo e considera-se no direito de tratar como tal. Conforme relatos que saem da carceragem, prisioneiros são chamados a fazer uma delação de qualquer maneira. Nada interessa além disso.

No passado do regime militar, os presos eram torturados no pau de arara, com choques elétricos Na inquisição medieval, infiéis ardiam em fogueiras para confessar suas blasfêmias e heresias. A confissão era a prova de culpa — com o fogo ardendo na pele. Eram perdoados — pelo Senhor, com maiúsculas — porque admitiam seus pecados. Entendeu, certo?

No Brasil de 2015, tentam nos fazer acreditar que a prisão sem provas, durante meses, não é uma forma de violência nem pode ser tratada como tortura — afinal, um crime inafiançável. Imagine os valores autoritários, absurdos, que estão embutidos na visão de quem não enxerga a destituição de direitos e a negação da liberdade, a manipulação das celas de uma prisão conforme objetivos políticos, como um ataque supremo a condição humana e até aos direitos dos animais, inclusive selvagens — como se aprende com a inesquecível Pantera, de Rilke. É isso. Temos homens que hoje são menos do que animais, como dizia Sobral Pinto, referindo-se a ditadura do Estado Novo.

Num país com políticos desmoralizados por campanhas malignas, seletivas, sucessivas — o eufemismo é dizer que foram deslegitimados e uma mídia curvada, ajoelhada, ocupada em ideologias pequenas e interesses próprios, a caçada ao Porsche é o falso escândalo que convém.

Porsche aos porcos, diria Oswald.

Em outubro de 2012, quando o julgamento da AP 470 se aproximava do final, escrevi aqui, neste espaço, um artigo chamado “STF e o Thermidor de Lula.” Expliquei:

Thermidor foi aquele período conservador da revolução francesa, quando os ricos recuperam privilégios, a democracia foi enfraquecida e, pouco a pouco, o poder político transformou-se numa ditadura. No fim, restaurou-se o império. A aristocracia recuperou direitos e conseguiu impedir o avanço de mudanças, ao se reconciliar com a burguesia, contra o povo. As eleições se tornaram duas vezes indiretas. O direito de voto retornou aos muito ricos. No caminho de Thermidor, encontrou-se Robespierre e o Terror. Foi uma fase de tal violência política que fez França de 1792-1794 ficar parecida com o Camboja após a vitória de Pol-Pot, quase 200 anos depois. A taxa demográfica do país que havia criado o iluminismo e os direitos do homem chegou a ficar negativa por causa de execuções e mortes sumárias, todas por motivação política, sem direito a um julgamento. E tudo isso em nome do…combate a corrupção.”

Três anos depois, a Lava Jato é uma linha em continuidade da AP 470, na mesma estrada que ameaça levar as conquistas recentes do país, que não pertencem a um governo nem a um partido, mas a toda nação, a seu Thermidor. O que se quer é o retrocesso, num movimento que se reproduz, se perpetua. Na terça-feira passada, condenado a 6 anos e quatro meses na AP 470, o ex-deputado João Paulo Cunha conseguiu uma progressão de regime e passará a cumprir sua pena em regime aberto. Pode sair da cadeia para trabalhar, sendo obrigado a se recolher em casa, à noite. Não pode sair aos domingos e pode receber a visita de um agente penitenciário a qualquer momento. Como vários outros condenados, João Paulo foi obrigado a pagar uma multa de R$ 536 000 para exercer um direito que a lei lhe assegurava. Ele entrou com recursos contra a exigência, pois vivemos num país onde ninguém pode ser preso por dívida — salvo quem deixa de pagar pensões alimentares aos filhos. Perdeu. Só poderá sair da cadeia porque fez um empréstimo.

O Porsche da questão é que João Paulo tem um ponto importante contra sua condenação, uma prova de inocência espetacular, de mudar filme americano na cena final. Ele foi condenado no STF por corrupção e peculato mas sempre contestou a decisão dos ministros. Quando aguardava a decisão da Câmara sobre seu mandato, foi a tribuna e desafio Joaquim Barbosa a explicar o crime pelo qual era acusado. A resposta foi o silêncio, aquele tratamento dispensado às não-pessoas de regimes onde o autoritarismo busca a perfeição. Ocorre que João Paulo é capaz de explicar, nota por nota, recibo por recibo, cada um dos reais que foi acusado de desviar. Os documentos estão lá, até hoje, nos autos da AP 470. Mostram que, como presidente da Câmara de Deputados, ordenou despesas de vulto em campanhas publicitárias divulgadas pelos grandes meios de comunicação: TV Globo, Editora Globo, Abril, Folha, Estado de S. Paulo, Istoé, outras mais. Está tudo lá, arrumado, ordenado, num serviço profissional. Nenhum veículo contestou os pagamentos, nem poderia. As despesas foram confirmados pela investigação do delegado Luis Flávio Zampronha. Isso quer dizer que os recursos foram pagos e devidamente depositados.

João Paulo fez empréstimo para pagar os R$ 536 000 mas jornais e revistas não tiveram de ressarcir um único real. Nem se escandalizaram com uma denúncia que sabiam — por experiência própria — ser apoiada numa acusação sem prova. O surrealismo é este: ele foi condenado por um crime que, do ponto de vista do beneficiário, foi visto como inteiramente lícito. Cadê o desvio? A propina?

Agora, uma coincidência matemática. Acrescentando despesas de frete, quem sabe um seguro pelo farol de milha ou pelas rodas de magnésio, veja que horror: o valor da liberdade de João Paulo equivale ao Porcshe do juiz Flávio Roberto de Souza.

Que bela porcaria de automóvel, não é mesmo?

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

De “trouxas” e de conversa fiada








Jornal do Brasil, 25 de fevereiro de 2015




A "nota" da Petrobras e a "nota" da Moody's



Por Mauro Santayana




A agência de classificação de “risco" Moody´s acaba de rebaixar a nota de crédito da Petrobras de BAA2 para BA2, fazendo com que ela passe de "grau de investimento" para "grau especulativo".

Com sede nos Estados Unidos, o país mais endividado do mundo, de quem o Brasil é, atualmente, o quarto maior credor individual externo, a Moody´s é daquelas estruturas criadas para vender ao público a ilusão de que a Europa e os EUA ainda são o centro do mundo, e o capitalismo um modelo perfeito para o desenvolvimento econômico e social da espécie, que distribui, do centro para a "periferia", formada por estados ineptos e atrasados, recomendações e "notas" essenciais para a solução de seus problemas e a caminhada humana rumo ao futuro.

O que faz a Petrobras ?

Produz conhecimento, combustíveis, plásticos, produtos químicos, e, indiretamente, gigantescos navios de carga, plataformas de petróleo, robôs e equipamentos submarinos, gasodutos e refinarias.

De que vive a Moody´s?

Basicamente, de “trouxas” e de conversa fiada, assim como suas congêneres ocidentais, que produzem, a exemplo dela, monumentais burradas, quando seus "criteriosos" conselhos seriam mais necessários.

Conversa fiada que primou pela ausência, por exemplo, quando, às vésperas da Crise do Subprime, que quase quebrou o mundo em 2008, devido à fragilidade, imprevisão e irresponsabilidade especulativa do mercado financeiro dos EUA, a Moody,s, e outras agências de classificação de "risco" ocidentais, longe de alertar para o que estava acontecendo, atribuíram "grau de investimento", um dos mais altos que existem, ao Lehman Brothers, pouco antes que esse banco pedisse concordata.

Conversa fiada que também primou pela incompetência e imprevisibilidade, quando, às vésperas da falência da Islândia - no bojo da profunda crise europeia, que, como se vê pela Grécia, parece não ter fim - alguns bancos islandeses chegaram a receber da Moody´s o Triple A, o mais alto patamar de  avaliação, também poucos dias antes de quebrar.

Afinal, as agências de classificação europeias e norte-americanas, agem, antes de tudo, com solidariedade de “classe”. Quando se trata de empresas e nações “ocidentais”, e teoricamente desenvolvidas - apesar de apresentarem indicadores macro-econômicos piores do que muitos países do antigo Terceiro Mundo - as agências “erram” em suas previsões e só vêem a catástrofe quando as circunstâncias, se impõem, inapelavelmente, seguindo depois o seu caminho na maior cara dura, como se nada tivesse acontecido.

Quando se trata, no entanto, de países e empresas de nações emergentes, com indicadores econômicos como um crescimento de 400% do PIB, em dólares, em cerca de 12 anos, reservas monetárias de centenas de bilhões de dólares, e uma dívida pública líquida de menos de 35%, como o Brasil, o relho desce sem dó, principalmente quando se trata de um esforço coordenado, com outros tipos de abutres, como o Wall Street Journal, e o Financial Times, para desqualificar a nação que estiver ocupando o lugar da "bola da vez".

Não é por outra razão que vários países e instituições multilaterais, como o BRICS, já discutem a criação de suas próprias agências de classificação de risco.

Não apenas porque estão cansados de ser constantemente caluniados, sabotados e chantageados por "analistas" de aluguel - como, aliás, também ocorre dentro de certos países, como o Brasil - mas também porque não se pode, absolutamente, confiar em suas informações.

Se houvesse uma agência de classificação de risco para as agências de “classificação” de risco ocidentais, razoavelmente isenta - caso isso fosse possível no ambiente de podridão especulativa e manipuladora dos "mercados" - a nota da Moody´s, e de outras agências semelhantes deveria se situar, se isso fosse permitido pelas Leis da Termodinâmica, abaixo do zero absoluto.

Em um mundo normal, nenhum investidor acreditaria mais na Moody´s, ou investiria um cent em suas ações, para deixar de apostar e aplicar seu dinheiro em uma empresa da economia real, que, com quase três milhões de barris por dia, é a maior produtora de petróleo do mundo, entre as petrolíferas de capital aberto, produz bilhões de metros cúbicos de gás e de etanol por ano, é a mais premiada empresa do planeta - receberá no mês que vem mais um "oscar" do Petróleo da OTC - Offshore Technologies Conferences - em tecnologia de exploração em águas profundas, emprega quase 90.000 pessoas em 17 países, e lucrou mais de 10 bilhões de dólares em 2014, por causa da opinião de um bando de espertalhões influenciados e teleguiados por interesses que vão dos governos dos países em que estão sediados aos de "investidores" e especuladores que têm muito a ganhar sempre que a velha manada de analfabetos políticos acredita em suas "previsões".

Neste mundo absurdo que vivemos, que não é o da China, por exemplo, que - do alto da segunda economia do mundo e de mais de 4 trilhões de dólares em ouro e reservas monetárias - está se lixando olimpicamente para as agências de "classificação" ocidentais, o rebaixamento da "nota" da Petrobras pela Moody´s, absolutamente aleatória do ponto de vista das condições de produção e mercado da empresa, adquire, infelizmente, a dimensão de um oráculo, e ocupa as primeiras páginas dos jornais.

E o pior é que, entre nós, de forma ridícula e patética, ainda tem gente que, por júbilo ou ignorância, festeja e comemora mais esse conto do vigário - destinado a enfraquecer a maior empresa do país - que não passa de um absurdo e premeditado esbulho.

Campanha Aliança Pelo Brasil, em defesa da Petrobrás e da Engenharia e Soberania nacionais

 
 
 




Jornal do AEPET, 25/02/2015



EM DEFESA DA PETROBRÁS
ALIANÇA PELO BRASIL: Tiro dos golpistas pode sair pela culatra


Por Rogério Lessa
 
 
 
 
 
 
Reunidos no Clube de Engenharia, Rio, na tarde-noite de quarta-feira (25), no lançamento da campanha Aliança Pelo Brasil, em defesa da Petrobrás e da Engenharia e Soberania nacionais, diversos representantes de entidades e movimentos da sociedade civil, liderados pelo próprio Clube, AEPET e entidades sindicais, entre outros, disseram um sonoro NÃO à corrupção e à tentativa de desestabilização política e econômica do País através do enfraquecimento da maior empresa do Brasil, a Petrobrás, de seu corpo técnico e da engenharia nacional.
 
As propostas giraram em torno da formação de uma unidade para a resistência à campanha sistemática de uma mídia golpista e seus financiadores, locais e estrangeiros, interessados principalmente em acabar com o regime de partilha, bem como atacar a Petrobrás como operadora única do pré-sal e as políticas de conteúdo nacional. A estratégia golpista, além de não ser novidade, estaria em curso também na Argentina e na Venezuela, segundo alguns oradores.
 
O presidente do Clube de Engenharia, Francis Bogossian, classificou o momento como “gravíssimo”, com possíveis desdobramentos futuros. “Não se pode punir os filhos pelos erros dos pais”, disse, referindo-se ao risco da paralisação dos investimentos da Petrobrás para o emprego 500 mil trabalhadores do ramo de engenharia. A Petrobrás responde por 10% do PIB e 80% dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que envolve, sobretudo, obras de infraestrutura. “Para salvar bancos, criou-se no Brasil o Proer. Por que não criar um programa para a engenharia nacional, obviamente sem deixar de punir corruptos e corruptores?”, indagou Bogossian.
 
Já Felipe Coutinho, presidente da AEPET, lembrou que o Brasil não foi convidado a ter engenheiros e teve que desafiar uma injusta divisão internacional do trabalho. “Defendemos a função social das empresas de engenharia, que pré-supõe o afastamento dos cartéis, que ficaram com 90% do que foi superfaturado, e dois caminhos para essas empresas: a gestão direta dos trabalhadores e a estatização de pelo menos uma, para que o Estado tenha parâmetros inclusive para contratar futuramente empreiteiras privadas”, defendeu o presidente da AEPET.
 
O tiro dos golpistas pode sair pela culatra, pois a Petrobrás é patrimônio do povo. O processo regressivo instalado com a Carta aos Brasileiros e com a aliança PT-PMDB pode se inverter”, resumiu Coutinho, que sonha ver a Petrobrás 100% pública, controlada socialmente
 
Por sua vez, o ex-ministro Roberto Amaral, avalia que já houve um golpe de Estado no País, que estaria, segundo ele, sendo dirigido atualmente por um Congresso conservador ancorado pela mídia, em detrimento do que o povo decidiu nas últimas eleições.
 
O físico Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe/UFRJ, lembrou que a Petrobrás foi alvo da espionagem dos Estados Unidos, enquanto o presidente do Crea-RJ contabilizou em 30% do PIB a participação conjunta dos setores de óleo, gás e engenharia na economia nacional. 
 
Discursaram também representantes do Sindipetro, da UNE, da CUT e de outras entidades. Houve unanimidade nas análises a respeito do grave momento político, que inclui a tentativa de um golpe branco, em detrimento de princípios constitucionais elementares e do Estado democrático de direito. 
 
Leia abaixo o manifesto que inaugura a ALIANÇA PELO BRASIL

 
 
EM DEFESA DA SOBERANIA NACIONAL

 
A Nação se defronta com um dos maiores desafios de sua história abalada que está por forças internas e externas que ameaçam os próprios alicerces de sua independência e de sua soberania. As investigações policiais em torno de ilícitos praticados contra a Petrobras por ex-funcionários corruptos e venais estão dando pretexto a ataques contra a própria empresa no sentido de transformá-la de vítima em culpada, assim como de fragilizá-la com o propósito evidente de torná-la uma presa fácil para a fragmentação e a desnacionalização.
 
A Petrobras é a espinha dorsal do desenvolvimento brasileiro. A cadeia produtiva e comercial do petróleo e do setor naval, por ela liderada, representa mais de 10% do produto interno bruto, constituindo a principal âncora da indústria de bens de capital. É uma criadora e difusora de tecnologia, de investimentos e de produtividade que beneficiam toda a economia brasileira. Foi graças aos esforços tecnológicos da Petrobras que se descobriram, em 2006, as reservas do pré-sal, e é ainda graças a sua tecnologia original de produção que o Brasil já retira do pré-sal, em tempo recorde, cerca de 700 mil barris diários de petróleo, que brevemente alcançarão mais de 2 milhões, assegurando autossuficiência e a exportação de excedentes.
 
Deve-se à Petrobras a existência de uma cadeia produtiva anterior e superior do petróleo e da indústria naval, induzindo o desenvolvimento tecnológico da empresa privada brasileira, gerando emprego e renda que, no caso de empresas nacionais, significa resultados que aqui mesmo são investidos, desdobrando-se em outros ciclos de produção e consumo na economia.
 
Tudo isso está em risco. E é para enfrentar esse risco que o movimento social e político que estamos organizando conclama uma mobilização nacional em favor da Petrobras, instando o Governo da República a colocar todos os instrumentos de poder do Estado em sua defesa, de forma a mantê-la íntegra, forte e apta a continuar desempenhando o seu papel de líder do desenvolvimento nacional e a enfrentar, por outro lado, o desafio do seu enfraquecimento planejado por forças desnacionalizantes e privatistas internas e externas.
 
Ao lado da defesa da Petrobras vemos o imperativo de proteger a Engenharia Nacional, neste momento também ameaçada de fragmentação e de liquidação frente ao risco de uma desigual concorrência externa. Repelimos com veemência eventuais atos de corrupção ocorridos na relação entre empresas de engenharia fornecedoras da Petrobras, e seremos os primeiros a apoiar punições para os culpados, mas somos contra a imputação de culpa sem provas, e a extensão de culpa pessoal a pessoas jurídicas que constituem, também elas, centro de geração de centenas de milhares de empregos, de criação de tecnologia nacional e de amplas cadeias produtivas, e de exportação de serviços com reflexos positivos na balança comercial.
 
Todos que acompanham negociações internacionais conhecem as pressões que recaem sobre o Brasil e outros países em desenvolvimento no sentido de abertura de seu mercado de construção pesada a empresas estrangeiras. Somos inteiramente contrários a isso, em defesa do emprego, da renda e do equilíbrio do balanço de pagamentos. Se há irregularidade na relação entre as empresas de construção e a autoridade pública que sejam sanadas e evitadas. Mas a defesa da Engenharia Brasileira implica a preservação da empresa brasileira à margem de qualquer pretexto.
 
Não é coincidência os ataques à Petrobras, ao modelo de partilha da produção que a coloca como operadora única do pré-sal, à política de conteúdo local, à aplicação exclusivamente na educação e na saúde públicas dos recursos do pré-sal legalmente destinados a esses setores, à Engenharia Brasileira como braço executivo de grande parte de seus investimentos, e também ao BNDES, seu principal financiador interno, que tentam fragilizar rompendo sua relação com linhas de financiamento do Tesouro: tudo isso faz parte não propriamente de ataques ao governo mas de uma mesma agenda de desestruturação e privatização do Estado em sua função de proteger a economia nacional.
 
É nesses tópicos mutuamente integrados que concentramos a proposta de mobilização nacional que estamos subscrevendo, e que está aberta à subscrição de outras entidades e de todos os brasileiros que se preocupam com o destino de nossa economia e de nosso país. Estamos conscientes de que o êxito dessa mobilização dependerá da participação do maior número possível de entidades da sociedade civil, de partidos políticos e das cidadãs e cidadãos individualmente. E é da reunião de todos que resultará a afirmação da Aliança pelo Brasil em defesa da Petrobras, do Estado social-desenvolvimentista e de um destino nacional de prosperidade.
 
 
 
 




Jornal da AEPET, 15/12/2014




Petrobrás: sob a lei dos EUA?


Por José Carlos de Assis




Somos um país que se contenta com aparências. Quando o Governo Fernando Henrique decidiu colocar a Petrobrás sob a ordem jurídica americana, nos anos 90, não nos demos conta de que era irrelevante mudar o nome de Petrobrás para Petrobrax, ou para Petrobras sem o acento no a, como acabou prevalecendo. O que muitos não perceberam é que, por trás da troca de nomes para “facilitar” a internacionalização da empresa via lançamento de ações na Bolsa de Nova Iorque, havia a inevitável consequência de mudança de soberania sob a qual a empresa passaria a atuar.
 
Não me atrevo a dizer que havia um propósito deliberado de colocar a Petrobras, a maior empresa da América Latina, sob a ordem jurídica norte-americana. Havia, sim, o propósito econômico de internacionalizar a empresa. A questão jurídica seria mera consequência, aparentemente sem maiores problemas na visão dos economistas neoliberais da época. Dado que nos anos 90 se tinha como consumado o processo de globalização sob a doutrina neoliberal, os ideólogos econômicos do Governo FHC acharam natural aproveitar a onda da internacionalização sem medir as consequências jurídicas disso. Aliás, há muito se sabe nesse círculo que o que é bom para os EUA é bom para o Brasil!
 
Agora essas consequências estão aí. A Petrobras, uma empresa de economia mista sob controle do Estado brasileiro, está sob investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos por conta do escândalo Paulo Roberto. Se os economistas que internacionalizaram a Petrobras acham que também isso é irrelevante, atentem-se para o que aconteceu com o pagamento pela Argentina dos credores de sua dívida externa renegociada. O acordo foi questionado porque os títulos haviam sido registrados em Nova Iorque. Os juízes norte-americanos se acham donos do mundo. Não há ordem superior à deles. Fazem o que querem, sem medir consequências sociais e econômicas, ou com relação a soberania.
 
Se o Departamento de Justiça norte-americano identificar como irregularidades de mercado, reais ou inventadas, certos procedimentos da diretoria da Petrobras, poderá propor multas da ordem de bilhões de dólares, abalando a situação econômico-financeira da empresa. Para se ter uma ideia, Citigroup e Bank America se submeteram, cada um, a multas de 20 bilhões de dólares por conta de fraudes no mercado de títulos imobiliários no contexto da crise financeira. No caso da Petrobras, acionistas individuais que se sintam lesados também terão cobertura da SEC, a agência de regulação, para propor ações judiciais, entupindo a capacidade de resposta da empresa que terá de manter um batalhão de advogados em Nova Iorque.
 
Nacionalistas, como eu, se sentirão ultrajados. Mas o que poderemos fazer diante de uma situação criada pelos economistas de FHC quando tinham a liberdade de não fazer a internacionalização da empresa? De fato, as vantagens trazidas pela internacionalização da Petrobrás – venda na Bolsa de Nova Iorque de mais de 30% de suas ações – eram ínfimas em relação aos riscos incorridos. Note-se que a indústria automobilística americana tem ganhado bilhões aqui e nunca abriu seu capital para brasileiros. Só quem acredita que a ordem jurídica do país hegemônico deve ser a ordem universal, sem contestação, pode encarar como normais, e suportáveis, as consequências jurídicas da internacionalização da Petrobrás.
 
Se antes havia dúvida quanto aos riscos, a situação atual, que qualquer advogado razoável poderia prever, revela friamente que a internacionalização da Petrobras foi um crime de lesa-pátria. Não se diga que era imprevisível. Houve muitos protestos, interpretados na época como estatizantes e anacrônicos. O resultado agora é que a “causa” da Petrobras está nas mãos de uma Justiça discricionária, privatista, anti-setor público, regulada pelo princípio do Direito consuetudinário, não do Direito positivo, e que se arvora, não raro, prerrogativas de extraterritorialidade. Uma Justiça desse tipo pode tentar quebrar a Petrobras em nome dos interesses do acionista minoritário americano, e da ideologia neoliberal anti-Estado.
 
Objetivamente, temos como fato concreto, ainda a ser definitivamente apurado, fraudes bilionárias articuladas por um diretor bandido em favor de si mesmo e de alguns partidos políticos por ele mencionados, mas por enquanto sem provas. Consideremos que todas as acusações sejam verdadeiras. A Petrobrás é vítima, não autora do crime. Ela seria implicitamente conivente, como foi o caso do Bank of America e do Citigroup, se decidisse acobertá-lo com o pagamento de multa para se livrar do processo criminal. Não é o caso da Petrobras, que não fez nenhum movimento para acobertar do crime seu ex-diretor. Contudo, uma Justiça privatista pode torcer os fatos. Seria melhor não estar subordinado a ela. Para isso, talvez teremos que comprar as ações da internacionalização de volta ao custo de um valor substancial de nossas reservas internacionais.
 

A palavra de ordem é: em defesa da Petrobrás, nem corrupção, nem entreguismo.







Ato em defesa da Petrobrás (24.fev.2015 - ABI - Rio de Janeiro)







Carta Maior, 25/02/2015




A Petrobrás é do povo brasileiro: não se aceita nem corrupção, nem entreguismo.



Por Antonio Lassance
 
 
 
 
 
 
 
O ato em defesa da Petrobrás, organizado pela Federação Única dos Petroleiros (terça, 25), demarcou o terreno progressista da disputa que se faz sobre a narrativa e o desenlace do escândalo que abala a empresa.

 
Realizado sob o abrigo da emblemática Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, o ato pode ser resumido em uma bandeira: a Petrobrás é do povo brasileiro.

 
Foi um momento fundamental para deixar clara a posição do campo progressista em relação à crise que ameaça a credibilidade da Petrobrás e o papel da empresa para o futuro do País.

 
A palavra de ordem é: em defesa da Petrobrás, nem corrupção, nem entreguismo.

 
Foi bom ver os petroleiros à frente do ato. Ninguém tem maior autoridade moral para defender a empresa do que os petroleiros. Eles são a vanguarda desse processo e devem ser reconhecidos enquanto tal por todos os que lutam por um desfecho que permita que a Petrobrás saia muito mais forte desse episódio.

 
Eles são agora nossa força e nossa voz para defendê-la, mais do que a direção da própria empresa se mostrou capaz de fazê-lo. Seus rostos, suas falas, suas propostas e principalmente sua disposição de luta devem se tornar conhecidos de cada um de nós, cada vez mais. 

 
Os petroleiros são a liderança incontestável da tarefa de dar a linha para tirar a Petrobrás do atoleiro e defender a empresa dos ataques especulativos que pretendem destroçá-la.

 
O mais incrível é que, diante de um escândalo que afetou a principal empresa do País, o cartel midiático tenha imposto um cala-boca a quem nela trabalha - os petroleiros -. Tem sido assim o tempo todo, inclusive ontem

 
Mesmo com todo o peso político do ato, a mídia tradicional preferiu dar destaque a uma briga de rua. Óbvio. Faz parte de sua profissão de fé desqualificar o debate e priorizar o espetáculo da ignorância.

 
Foi bom ouvir os petroleiros e sua denúncia de que interessa ao povo brasileiro moralizar, e não desmoralizar a empresa.

 
Foi bom ver a blogosfera e a imprensa alternativa mobilizadas, repercutindo o ato e reproduzindo as falas de intelectuais, artistas, jornalistas, ativistas sociais e do ex-presidente Lula.

 
Foi bom relembrar a história da Petrobrás, seu papel estratégico e o que ela significa para o futuro do país, como fez Luis Nassif logo no início do ato. 

 
Foi bom ter Wadih Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, exigindo das autoridades cumprir o dever de respeitar o Estado democrático de Direito. 

 
Não se pode contemporizar com uma investigação de meia tigela, que investiga uns e preserva outros, indecorosa e inexplicavelmente. Uma investigação parcial que coloca na cadeira só os malvados favoritos, e não todos os que roubaram a Petrobrás e guardaram seu dinheiro na Suíça, desde os anos 1990. Para uns, o inquérito e as grades; para outros, um processo na gaveta e um cofre cheio nos Alpes.

 
Foi bom ouvir Lula deixar claro que não se admite que se ouse pensar em transformar o escândalo em uma crise institucional, ou vai ter troco

 
O pior erro que se pode cometer na atual conjuntura é o de se deixar intimidar. 

 
Não se pode abaixar a cabeça diante de uma legião de hipócritas e canalhas, cada qual com sua conta na Suíça, desde os anos 1990. Os pilantras que se arvoram campeões da moral e da ética, durante o dia, à noite conferem seu saldo em Genebra com a sensação de alívio e êxtase.

 
Queremos a Petrobrás. Não abrimos mão da Petrobrás. Nem para corruptos, nem para entreguistas - sejam eles políticos, donos de meios de comunicação, policiais, delegados, juízes, especuladores, enfim, para nenhum pilantra, não interessa a que espécie da fauna do país pertença.