sábado, 28 de fevereiro de 2015

A volta dos mortos-vivos








28 de fevereiro de 2015



Verdades sobre o dia 15 (ou a volta dos mortos-vivos)



Por Paulo Moreira Leite



Prevê-se que, no dia 15 de março, ocorram manifestações contra o governo Dilma. Seus organizadores, líderes e apoiadores são os derrotados pelas urnas de 26 de outubro de 2014. Este é o fato básico.

A democracia garante a liberdade de expressão e manifestação mas isso não basta para assegurar a legitimidade de um protesto.

Estamos falando de um ato desleal perante a vontade da maioria.

Questionar medidas e decisões do governo é um direito de todos — inclusive dos eleitores de Dilma.

O protesto programado é outra coisa, sabida, diagnosticada: a venezualização do país.

Será um cortejo daqueles que votaram no candidato que perdeu as eleições presidenciais — ficou atrás no primeiro turno e também no segundo — e, como 54,5 milhões de votos fossem pouco mais do que um detalhe na paisagem, procuram um atalho para mudar o resultado.

Não aceitam uma democracia na qual amargaram quatro derrotas consecutivas. Em vez de, humildemente, procurar entender as causas de mais um fracasso nas urnas, comportam-se como privilegiados que decidiram que não querem brincar mais.

Após uma campanha polarizada, que terminou com a vitória política de um dos lados, o PSDB já discute uma proposta de divisão e privatização da Petrobras.

É o retorno dos derrotados, a volta dos mortos-vivos da Petrobrax. Pode? Simplesmente: não. É um acinte.

Como a palavra “golpe” carrega terríveis recordações, agora falam em impeachment, como se bastasse trocar as palavras para modificar o significado das coisas.

Outro ponto básico: sem fatos concretos, ensina a Constituição, impeachment é conversa e enganação.

Estamos diante de uma tentativa de golpe igual a todos os outros, preparado pela construção artificial de um ambiente político radical e desfavorável.

Quando o cidadão comum perceber, terá sido embrulhado mais uma vez.

O novo governo começou há dois meses e tem um mandato de três anos e dez meses para ser cumprido. Não há um único fato, nem o mais leve indício, sequer um fiapo, capaz de envolver a presidente da República num crime de responsabilidade.

Estamos na Republica de Sérgio Moro, o Átila.

O plano é um stalinismo às avessas, a desindustrialização forçada, que implica em obrigar o povo, os mais humildes, aqueles que não possuíram nem oportunidades, a pagar duas vezes pelo mesmo crime.

O primeiro pagamento, histórico, foi no momento da contratação das obras, os acertos condenáveis por baixo da mesa — de certa forma, com JK, teve início a acumulação primitiva de um capitalismo tardio, na periferia, a sombra do Estado. Imagine o que se deixou de fazer e de oferecer por causa disso.

O segundo pagamento será agora: desemprego, salário baixo, recolonização do país.

Roubar de novo?

Além do sobrepreço, do desvio, do desmando, daquela fortuna onde é possível contabilizar muita coisa que não possuímos e muito daquilo que não nos tornamos, vamos quebrar as empresas, destruir a riqueza que pertence aos 200 milhões de brasileiros, para entregar à pilhagem externa, aos piratas de Sua Majestade, que já esfregam as mãos através da imprensa internacional, em publicações que uma elite desnaturada, em dificuldade para elaborar um pensamento próprio, transformou em Bíblia.

Nesse enredo absurdo é hora de considerar o básico, convocar Chico Buarque: “Chame o ladrão, chame o ladrão.”

Alguma dúvida?

Nem Barack Obama, aquele que tantos chamam de fraco — o que é merecido, muitas vezes — deixou os donos do cassino de Wall Street assumirem o butim dos derivativos e quebrar o país. Colocou dinheiro do Estado e assumiu o controle de empresas de valor estratégico — como a General Motors. Impediu a quebradeira e arrumou uma saída que interessava ao país.

O que está em construção no Brasil de 2015 é um movimento típico da sociedade do espetáculo e é preciso prestar atenção num ponto essencial. Quem escreve o enredo, escolhe os heróis e os vilões, necessários para dar sentido a uma grande ficção e definir o que se entende por final feliz é, como sempre, quem tem a propriedade dos meios de produção, que são as câmaras, os estúdios, e também paga os artistas, compra os jornais onde se pode ler a crítica, acompanhar o show e fechar as cortinas.

Falsos como galãs de opereta, já estão preocupados em montar histórias embelezadas para esconder suas feiúras mais horrendas. Mentem de dia, à luz dos holofotes, para conspirar a noite. Procuram álibis, argumentos de fachada.

Preocupados com aquilo que os eleitores mais atentos já começam a perceber, preparam uma falsa biografia preventiva.

A coisa chegou a um ponto tal que há quem diga que não se deve apoiar um golpe porque o Brasil não pode ser comparado ao Paraguai. Deve ser a primeira jura de amor à democracia feita a partir de uma visão esnobe, alimentada por pressupostos racistas e preconceituosos. Quanto vale isso?

Quem explica o show, com um conhecimento que faz justiça à própria Justiça, é o juiz Rubem Casara, do Rio de Janeiro:

O enredo do “julgamento penal” é uma falsificação da realidade, uma representação social distante da complexidade do fato posto à apreciação do Poder Judiciário. Em apertada síntese, o fato é descontextualizado, redefinido, adquire tons sensacionalistas e passa a ser apresentado, em uma perspectiva maniqueísta, como uma luta entre o bem e o mal, entre os mocinhos e os bandidos. O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo.”

Em cartaz desde abril de 2014, nas manchetes de jornais, revistas e telejornais, em 15 de março o espetáculo deve ganhar a rua, animar pessoas de carne e osso, fingir que se tornou realidade embora continue uma peça de ficção.

Nem o erro mais grave do governo Dilma, nem aquilo que hoje muitos chamam de “sonho desfeito” do PT, pode servir de argumento para punhaladas, provocações ou demais soluções ainda mais sinistras.

Se o palmômetro fosse motivo para interromper mandatos eletivos, imagine o que deveria ser feito com um Príncipe que deixou o Palácio com a popularidade negativa. Pedir nossa parte em PIB?

O que fazer com a moeda que em 1994 valia mais do que o dólar americano e quatro anos depois precisava de favores do tesouro americano para não parar no lixo. O que houve com aquele governo que foi parando, parando, parando … até que o país ficou às escuras?

Fora da democracia não tem jogo.

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