segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A República do Paraná e a contrarrevolução conservadora

 
 
 




Carta Maior, 23/02/2015




A República do Paraná e a contrarrevolução conservadora



Leonardo Avritzer*




Nesta conjuntura política confusa na qual com menos de dois meses de governo, alguns atores políticos falam em impeachment e outros em derrubada judicial do governo, alguns acontecimentos ocorridos nas últimas semanas no Paraná nos dão uma boa ideia do que ocorrerá no Brasil se as forças progressistas não reagirem a altura dos desafios colocados pela conjuntura. 

Três fatos gravíssimos ocorridos no Paraná antecipam a contrarrevolução conservadora que se anuncia no Brasil: o assalto aos trabalhadores do setor público pelo governador Beto Richa; a tentativa de partidarizar as delações da operação "Lava Jato" e a absoluta imobilidade da polícia federal em investigar os vazamentos seletivos durante o processo eleitoral. Analisemos cada um deles.

O Paraná como quase todos os estados da federação se encontra em uma situação financeira difícil provocada seja por um processo de reeleição bastante custoso, como também pela situação mais geral da economia que tem reduzido a capacidade de arrecadação dos estados. Mas, apenas no Paraná, o governador dirigiu um assalto ao funcionalismo e ao setor público

No dia 04 de fevereiro, o governador do Paraná - utilizando a supermaioria que ele tem na Assembleia Legislativa no estado - apresentou em regime de urgência urgentíssima um projeto de lei (06/2015) que, entre outras coisas, extinguiu o Fundo Previdenciário dos Funcionários Públicos do estado incorporando-o ao orçamento do setor público. Além disso, o governo do Paraná extinguiu os quinquênios e tornou as licenças dos servidores inviáveis, uma vez que sua concessão passou a depender dos secretários de estado. 

Ou seja, na ânsia de equilibrar o orçamento estadual, o governo retirou direitos que o funcionalismo tem há décadas. Pior, ele ameaça fechar ou desativar quatro universidades estaduais que estão, juntamente com as universidades estaduais paulistas e cariocas, entre as melhores do país. Apenas, a mobilização social impediu o pior, mas aqui já se anunciou o projeto socialmente regressivo através do qual o PSDB pretende equilibrar o orçamento público no Brasil.

O segundo pilar da república do Paraná é um judiciário politizado e partidarizado. 

Evidentemente que a inciativa de deslanchar a operação Lava Jato foi extremamente bem vinda, já que a população brasileira não aguenta mais as formas ilegais de financiamento do sistema político. Também foram extremamente exitosas os acordos para a recuperação de ativos desviados da Petrobrás. 

Mas, rapidamente, a operação Lava Jato foi politizada com o vazamento de informações que tinham como objetivo criminalizar o partido do governo e interferir no processo eleitoral. 

Acusações que chegaram a ser feitas à própria presidenta na fase final da corrida eleitoral não tiveram a sua origem devidamente explicitadas e comprometeram fortemente a ideia de uma investigação republicana sem objetivos políticos. 

Pior, as delações premiadas passaram a transformar bandidos em heróis desde que apontassem na direção de um partido. Tal fato, coloca mais uma vez o judiciário brasileiro em questão na sua capacidade de punir malfeitos e a corrupção utilizando as regras do estado de direito. 

No caso da república do Paraná e de seu maior expoente judicial, o juiz Moro a situação é bem pior. Deturpa-se o estado de direito, coagindo física e moralmente os suspeitos como é o caso das condições degradantes que os donos de empreiteiras estão sendo submetidos, para coagi-los a assinar delações ou confissões para as quais o estado não tem prova.  

Esse instituto parece ser uma enorme deturpação do estado de direito e sugere uma completa politização e partidarização das investigações judiciais que ao que parece dispensam a apresentação de provas empíricas. O único objetivo parece ser obter uma informação que possa ser vazada à imprensa e aproveitada por atores políticos perdedores da última eleição presidencial.

Por fim, cabe aqui mencionar o papel da Polícia Federal. O Paraná apresenta a situação lamentável de uma polícia que não tem mais comando centralizado, que abandonou os princípios republicanos básicos e no qual os delegados podem se dar ao luxo de se expressar politicamente contra o governo ou de não investigar aquilo que não lhes interessa investigar.

O melhor exemplo vem de artigo na Folha de São Paulo desta semana no qual a advogada de um dos investigados pela Lava Jato expressa sua perplexidade em relação a não investigação de vazamentos pela Polícia Federal do Paraná. Amplamente ignorado pela grande imprensa, ela afirma que foi ao Ministério da Justiça informar ao ministro que o inquérito que apura vazamentos ouviu quatro jornalistas que não quiseram informar as suas fontes, direito este consagrado pela Constituição. 

Nenhuma outra estratégia investigativa foi tentada porque nada se procurou investigar. Ou seja, a mesma polícia federal que pula muros para aparecer na TV, constrange empreiteiros no cárcere e não investiga vazamentos que tiveram como objetivo desestabilizar o processo eleitoral de uma eleição para presidente. Ou seja, não parece existir o crime de lesão a soberania popular para a República do Paraná

O Paraná representa muito bem o projeto regressivo da direita brasileira expresso pelo mote “desempoderamento da democracia e partidarização do Estado de Direito”. 

Esse projeto, que despreza a vontade popular expressa no pleito do dia 26 de Outubro, parece ter igual desprezo pelo estado de direito e os métodos que ele consagrou para punir delitos. A justiça é confundida com a vingança e não se legitima em nenhum processo público. 

Esse projeto que se apresenta como alternativa de poder em um momento em que o poder não está ou não devia estar em disputa, deve ser respondido a altura pelos brasileiros que continuam acreditando que os problemas do país podem ser resolvidos com mais democracia e mais Estado de Direito.


Leonardo Avritzer é doutor em sociologia pela New School for Social Research (1993) e pós-doutor pelo Massachusetts Institute Of Technology (MIT), é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais.

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