Domingo, 04 de Dezembro de 2011
MISSÃO IMPOSSÍVEL
O homem que me deu oito bolos
Por Vera Lucas
Quando trabalhei pela primeira vez no Globo, recebi a tarefa de entrevistar o cantor e compositor Tim Maia. Perfeito. Fã dele de carteirinha, eu sabia todas as suas músicas de cor e, de certa forma, elas também fizeram parte da trilha sonora da minha vida. O que eu não sabia era que não estavam me dando uma pauta simples; eu recebera uma verdadeira missão.
No primeiro dia combinado, lá estava eu, com o fotógrafo, no endereço que Tim me dera, uma casa no Rio Comprido. Não havia ninguém, muito menos o próprio. Voltei frustrada para a Redação, mas acreditando que deveria ter acontecido algo sério com o cantor.
Só consegui falar com ele dois dias depois. Ao telefone, Tim Maia foi bem sincero: “Eu tava de bode, dormi, não deu para ir. Mas vamos marcar para outro dia. É para o Globo, né?” “É, para o Globo Tijuca.” “Sei, eu morei lá, na Professor Gabizo. Você conhece o café Palheta?” “Conheço, era onde você, o Roberto e o Erasmo se encontravam.” “Ah, o Roberto, deixa para lá...”
Combinamos para a semana seguinte, em outro lugar dessa vez. Ele me deu um bom conselho no final do papo: “Liga para mim antes, vai que acontece alguma coisa.” (Naquela época não tinha celular.) Como acertado, telefonei já pronta para encontrá-lo. Uma moça atendeu e falou que não sabia onde o Tim Maia estava. Outro fora. Mas um jornalista não desiste...
“Eu tava numa churrascaria, perdi a hora, meu amor (ele já estava íntimo). Você é loira ou morena?” “Morena (desconversei). Então vamos remarcar para quando?”
Afinal, vale tudo
E assim foram oito bolos, oito papos ao telefone. Mas ele era muito gentil e sempre se justificava: a mulher que ele estava de olho deu bola, bebera demais, estava compondo a música de sua vida, não fizera a barba... Por fim, a revelação: “Você é uma gracinha, mas eu não quero dar entrevista para o Globo, não. Mas gosto de falar com você, podemos nos encontrar para tomar um uísque.”
Não nos encontramos, admiti para o meu chefe que a missão era impossível e continuei fã do Tim Maia. Certamente, as mancadas dele comigo, os pedidos de desculpas dariam uma ótima matéria. Mas naquele tempo eu ainda era uma profissional inexperiente e não percebi isso.
Por que só agora resolvi escrever? Porque ontem fui assistir ao imperdível Tim Maia – Vale tudo, o musical, com Tiago Abravanel, e me lembrei dessa história. Enfim, aí está a reportagem, pedida há tantos anos. Em algum lugar, o cantor e compositor deve estar agora rindo de mim. Afinal, vale tudo.
[Vera Lucas é jornalista e escritora, Rio de Janeiro, RJ]
No primeiro dia combinado, lá estava eu, com o fotógrafo, no endereço que Tim me dera, uma casa no Rio Comprido. Não havia ninguém, muito menos o próprio. Voltei frustrada para a Redação, mas acreditando que deveria ter acontecido algo sério com o cantor.
Só consegui falar com ele dois dias depois. Ao telefone, Tim Maia foi bem sincero: “Eu tava de bode, dormi, não deu para ir. Mas vamos marcar para outro dia. É para o Globo, né?” “É, para o Globo Tijuca.” “Sei, eu morei lá, na Professor Gabizo. Você conhece o café Palheta?” “Conheço, era onde você, o Roberto e o Erasmo se encontravam.” “Ah, o Roberto, deixa para lá...”
Combinamos para a semana seguinte, em outro lugar dessa vez. Ele me deu um bom conselho no final do papo: “Liga para mim antes, vai que acontece alguma coisa.” (Naquela época não tinha celular.) Como acertado, telefonei já pronta para encontrá-lo. Uma moça atendeu e falou que não sabia onde o Tim Maia estava. Outro fora. Mas um jornalista não desiste...
“Eu tava numa churrascaria, perdi a hora, meu amor (ele já estava íntimo). Você é loira ou morena?” “Morena (desconversei). Então vamos remarcar para quando?”
Afinal, vale tudo
E assim foram oito bolos, oito papos ao telefone. Mas ele era muito gentil e sempre se justificava: a mulher que ele estava de olho deu bola, bebera demais, estava compondo a música de sua vida, não fizera a barba... Por fim, a revelação: “Você é uma gracinha, mas eu não quero dar entrevista para o Globo, não. Mas gosto de falar com você, podemos nos encontrar para tomar um uísque.”
Não nos encontramos, admiti para o meu chefe que a missão era impossível e continuei fã do Tim Maia. Certamente, as mancadas dele comigo, os pedidos de desculpas dariam uma ótima matéria. Mas naquele tempo eu ainda era uma profissional inexperiente e não percebi isso.
Por que só agora resolvi escrever? Porque ontem fui assistir ao imperdível Tim Maia – Vale tudo, o musical, com Tiago Abravanel, e me lembrei dessa história. Enfim, aí está a reportagem, pedida há tantos anos. Em algum lugar, o cantor e compositor deve estar agora rindo de mim. Afinal, vale tudo.
[Vera Lucas é jornalista e escritora, Rio de Janeiro, RJ]
São Paulo, quarta-feira, 08 de dezembro de 2010
Discoteca Tim
Caixa reúne pela primeira vez os clássicos quatro primeiros álbuns de Tim Maia , lançados entre 1970 e 1973
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quarenta anos depois do lançamento de seu primeiro álbum, Tim Maia continua entre os nomes mais procurados e vendidos das lojas de música. Ao menos nos sebos de vinis, porque os CDs andavam há mais de uma década fora de catálogo no Brasil.
Para quem ainda compra CDs, muito bem-vinda portanto a recém-lançada caixa dedicada ao catálogo de Tim Maia dentro da gravadora Universal, com oito discos lançados pelo cantor e compositor entre 1970 e 1984, mais um DVD de show realizado em 1989.
(As reedições vem sem quaisquer bônus e discretamente remasterizadas, mas todas com capa e contracapa original).
Especialmente indispensáveis são os quatro primeiros discos da caixa, também primeiros álbuns da carreira de Tim Maia, também primeiros discos da fundação de algo como uma soul music brasileira.
ALMA SOUL
Quando Tim Maia surgiu no panorama, em 1970, não havia modelo, parâmetro ou rival para o que fazia. Seus primeiros discos, além da irresistibilidade de suas composições e do poderio de sua voz, traziam saltos de anos luz em termos de balanço e musicalidade, timbres de bateria, grooves de baixo, uso moderno de órgão, sopros, vibrafone, flauta, falsetes, com doçura brasileira e alma soul.
Havia o comentário pontual de nomes como a Banda Abolição de Dom Salvador e os Diagonais de Cassiano.
Mas até por volta de 1976, e mesmo depois, toda a black music brasileira era mais sincera e amplamente influenciada por Tim Maia do que qualquer artista estrangeiro.
E até hoje, 2010 virando 2011, a concepção musical e personalidade apresentadas por Tim Maia em seus discos iniciais soam completamente atuais em época de recuperação da soul music em escala mundial e de redescoberta da riqueza da vertente brasileira do estilo entre cantores, músicos, DJs, colecionadores, brasileiros, gringos e interessados em geral.
Garoto da zona norte do Rio, amigo da Tijuca de Roberto, Erasmo, Jorge Ben, Tião virou Tim quando resolveu ir para os Estados Unidos: de 1959 a 1964, 16 a 21 anos, morou em Nova York e teve contato em primeira mão com a cena estadunidense de música negra.
Chegou a ensaiar os primeiros passos semiprofissionais, mas o sonho americano não durou: acabou preso e expulso do país por posse de substância ilegais e roubo de carro.
De volta ao Brasil, com novas amizades como Nelson Motta, estourou em 1969 com "Não Vou Ficar" na voz de Roberto Carlos e "These Are the Songs", em dueto com Elis Regina.
No ano seguinte, quando gravou seu primeiro LP, ficou meses em primeiro lugar nas paradas de vendas, chegando a desbancar seu colega de infância, Roberto.
INGLÊS
É quando começa a história contada pelos discos no box: com seu talento sobrenatural, voz de trovão, navegou na fama nacional e foi aproveitando para lançar discos, cada um melhor que o anterior, todos levando a ideia de um funk brasileiro um passo à frente.
E todos com momentos em inglês, como uma espécie de cumprimento às influências americanas.
As faixas em inglês, aliás, chegaram a ser compiladas em um álbum planejado pela gravadora norte-americana Luaka Bop: "Nobody Can Live Forever: The Existential Soul of Tim Maia". Até hoje as negociações não terminaram - o espólio de Tim é regido entre centenas de processos que ainda existem contra os excessos de sua vida.
TIM UNIVERSAL MAIA
ARTISTA Tim Maia
GRAVADORA Universal
QUANTO R$ 160, em média
CLASSIFICAÇÃO livre
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