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Carta Maior, 22/09/16
Leonardo Boff: Dez possíveis lições após o impeachment
Por Leonardo Boff*
Seguramente é cedo ainda para tirar lições do questionável impeachment
que inaugurou um nova tipologia de golpe de classe via parlamento. Estas
primeiras lições poderão servir ao PT e aliados e aos que amam a
democracia e respeitam a soberania popular, expressa por eleições
livres. Os que detém o ter, o poder e o saber que se ocultam atrás dos
golpistas se caracterizam por não mostrar apreço à democracia e por se
lixar pela situação de gritante desigualdade do povo brasileiro.
A primeira lição é alimentar resiliência, vale dizer, resistir, aprender dos erros e derrotas e dar a volta por cima. Isso implica severa autocrítica, nunca feita com rigor pelo PT. Precisa-se ter claro sobre que projeto de país se quer implementar.
Segunda lição: reafirmar a democracia, aquela que ganha as ruas e praças, contrariamente da democracia de baixa intensidade, cujos representantes, com exceções, são comprados pelos poderosos para defender seus interesses
Terceira lição: convencer-se de que um presidencialismo de coalizão é um logro, pois desfigura o projeto e induz à corrupção. A alternativa é uma coalizam dos governantes com a rede dos movimentos sociais e a partir deles pressionar os parlamentares.
Quarta lição: convencer-se de que o capitalismo neoliberal, na atual fase de altíssima concentração de riqueza, está dilacerando as sociedades centrais e destruindo as nossas. O neoliberalismo atenuado, praticado nos últimos 13 anos pelo PT e aliados permitiu o aumento dos salários, facilidade de crédito, ascensão social e desonerações fiscais, mostrou-se insustentável. Grande erro do PT: nunca ter explicado que aquelas ações sociais eram fruto de uma política de Estado. Por isso criou antes consumidores que cidadãos conscientes. Permitiu adquirirem bens pessoais mas melhorou pouco o capital social: educação, saúde, transporte e segurança. Bem disse frei Betto: gerou-se “um paternalismo populista que teve início quando se trocou o Fome Zero, um programa emancipatório, pelo Bolsa Família compensatório; passou-se a dar o peixe sem ensinar a pescar”. No novo governo pós golpe, a política econômica neoliberal radicalizada de ajustes severos, recessiva e lesiva aos direitos sociais seguramente vai devolver à fome os que dela foram tirados.
Quinta lição: colocar-se corajosamente ao lado das vítimas da voracidade neoliberal, denunciando sua perversidade, desmontando sua lógica excludente, indo para as ruas, apoiando demonstrações e greves dos movimentos sociais e de outros segmentos.
Sexta lição: suspeitar de tudo o que vem de cima, geralmente fruto de políticas de conciliação de classes, feitas de costas e à custa do povo. Estas políticas vem sob o signo do mais do mesmo. Preferem manter o povo na ignorância para facilitar a dominação e a acumulação e debilitam qualquer espírito critico.
Oitava lição: é urgente a projeção de uma utopia de um outro Brasil, sobre outras bases, a principal delas, a originalidade e a força de nossa cultura, dando centralidade à vida da natureza, à vida humana e à vida da Mãe Terra, base de uma biocivilização. O desenvolvimento/crescimento é necessário para atender, não os desejos, mas as necessidades humanas; deve estar a serviço da vida e da salvaguarda de nossa riqueza ecológica. Concomitante a isso urge reformas básicas, da política, da tributação, da burocracia, da reforma do campo e da cidade etc.
Nona lição: para implementar essa utopia faz-se indispensável uma coligação de forças políticas e sociais (movimentos populares, segmentos de partidos, empresários nacionalistas, intelectuais, artistas e igrejas) interessadas em inaugurar o novo viável, que dê corpo à utopia de outro tipo de Brasil.
Décima lição: esse novo viável tem um nome: a radicalização da democracia que é o socialismo de cunho ecológico, portanto, ecosocialismo. Não aquele totalitário da Rússia e o desfigurado da China que, na verdade, negam a natureza do projeto socialista. Mas o ecosocialismo que visa realizar potencialmente o nobre sonho de cada um dar o que pode e de receber o que precisa, inserindo a todos, a natureza incluída.
Esse projeto deve ser implementado já agora. Como expressou a ancestral sabedoria chinesa, repetida por Mao: “se quiser dar mil passos, comece já agora pelo primeiro”. Sem o que jamais se fará uma caminhada rumo ao destino certo. A atual crise nos oferece esta especial oportunidade que não deverá ser desperdiçada. Ela é dada poucas vezes na história.
*Teólogo, filósofo e articulista do JB on line e escreveu: Que Brasil queremos? Vozes 2000.
A primeira lição é alimentar resiliência, vale dizer, resistir, aprender dos erros e derrotas e dar a volta por cima. Isso implica severa autocrítica, nunca feita com rigor pelo PT. Precisa-se ter claro sobre que projeto de país se quer implementar.
Segunda lição: reafirmar a democracia, aquela que ganha as ruas e praças, contrariamente da democracia de baixa intensidade, cujos representantes, com exceções, são comprados pelos poderosos para defender seus interesses
Terceira lição: convencer-se de que um presidencialismo de coalizão é um logro, pois desfigura o projeto e induz à corrupção. A alternativa é uma coalizam dos governantes com a rede dos movimentos sociais e a partir deles pressionar os parlamentares.
Quarta lição: convencer-se de que o capitalismo neoliberal, na atual fase de altíssima concentração de riqueza, está dilacerando as sociedades centrais e destruindo as nossas. O neoliberalismo atenuado, praticado nos últimos 13 anos pelo PT e aliados permitiu o aumento dos salários, facilidade de crédito, ascensão social e desonerações fiscais, mostrou-se insustentável. Grande erro do PT: nunca ter explicado que aquelas ações sociais eram fruto de uma política de Estado. Por isso criou antes consumidores que cidadãos conscientes. Permitiu adquirirem bens pessoais mas melhorou pouco o capital social: educação, saúde, transporte e segurança. Bem disse frei Betto: gerou-se “um paternalismo populista que teve início quando se trocou o Fome Zero, um programa emancipatório, pelo Bolsa Família compensatório; passou-se a dar o peixe sem ensinar a pescar”. No novo governo pós golpe, a política econômica neoliberal radicalizada de ajustes severos, recessiva e lesiva aos direitos sociais seguramente vai devolver à fome os que dela foram tirados.
Quinta lição: colocar-se corajosamente ao lado das vítimas da voracidade neoliberal, denunciando sua perversidade, desmontando sua lógica excludente, indo para as ruas, apoiando demonstrações e greves dos movimentos sociais e de outros segmentos.
Sexta lição: suspeitar de tudo o que vem de cima, geralmente fruto de políticas de conciliação de classes, feitas de costas e à custa do povo. Estas políticas vem sob o signo do mais do mesmo. Preferem manter o povo na ignorância para facilitar a dominação e a acumulação e debilitam qualquer espírito critico.
Oitava lição: é urgente a projeção de uma utopia de um outro Brasil, sobre outras bases, a principal delas, a originalidade e a força de nossa cultura, dando centralidade à vida da natureza, à vida humana e à vida da Mãe Terra, base de uma biocivilização. O desenvolvimento/crescimento é necessário para atender, não os desejos, mas as necessidades humanas; deve estar a serviço da vida e da salvaguarda de nossa riqueza ecológica. Concomitante a isso urge reformas básicas, da política, da tributação, da burocracia, da reforma do campo e da cidade etc.
Nona lição: para implementar essa utopia faz-se indispensável uma coligação de forças políticas e sociais (movimentos populares, segmentos de partidos, empresários nacionalistas, intelectuais, artistas e igrejas) interessadas em inaugurar o novo viável, que dê corpo à utopia de outro tipo de Brasil.
Décima lição: esse novo viável tem um nome: a radicalização da democracia que é o socialismo de cunho ecológico, portanto, ecosocialismo. Não aquele totalitário da Rússia e o desfigurado da China que, na verdade, negam a natureza do projeto socialista. Mas o ecosocialismo que visa realizar potencialmente o nobre sonho de cada um dar o que pode e de receber o que precisa, inserindo a todos, a natureza incluída.
Esse projeto deve ser implementado já agora. Como expressou a ancestral sabedoria chinesa, repetida por Mao: “se quiser dar mil passos, comece já agora pelo primeiro”. Sem o que jamais se fará uma caminhada rumo ao destino certo. A atual crise nos oferece esta especial oportunidade que não deverá ser desperdiçada. Ela é dada poucas vezes na história.
*Teólogo, filósofo e articulista do JB on line e escreveu: Que Brasil queremos? Vozes 2000.
Carta Maior, 22/09/16
'Liberdade é afastar as paixões tristes'
Por Tatiana Carlotti
Há trinta anos, o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Funarte promovia um
curso livre intitulado 'Os Sentidos da Paixão'. O sucesso foi tamanho
que o curso se transformou em um ciclo de várias conferências, gerando
800 ensaios, sob a coordenação do filósofo Adauto Novaes.
A boa nova é que as conferências foram retomadas neste 2016. Promovido pelo SESC, o ciclo 'Entre dois mundos: 30 anos de experiências do pensamento' revisita os temas abordados anteriormente, com encontros em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília. Confira aqui a programação.
Adauto Novaes justifica a retomada pela “mutação – transformações radicais - que se verifica em todas as áreas da atividade humana. É preciso pensar este novo mundo”. Para tal, grandes pensadores foram chamados como a filósofa Marilena Chauí. Na última semana, ela estreou o ciclo “Os Sentidos da Paixão”, debatendo a questão da liberdade.
Com a didática que lhe é peculiar, Marilena abordou o tema, tão precioso neste momento, a partir das ideias de Espinosa (1632-1677), cujas teorias são trabalhadas por ela na premiada obra 'A Nervura do Real' (Cia. das Letras, 2016), que acaba de ganhar seu segundo volume.
A boa nova é que as conferências foram retomadas neste 2016. Promovido pelo SESC, o ciclo 'Entre dois mundos: 30 anos de experiências do pensamento' revisita os temas abordados anteriormente, com encontros em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília. Confira aqui a programação.
Adauto Novaes justifica a retomada pela “mutação – transformações radicais - que se verifica em todas as áreas da atividade humana. É preciso pensar este novo mundo”. Para tal, grandes pensadores foram chamados como a filósofa Marilena Chauí. Na última semana, ela estreou o ciclo “Os Sentidos da Paixão”, debatendo a questão da liberdade.
Com a didática que lhe é peculiar, Marilena abordou o tema, tão precioso neste momento, a partir das ideias de Espinosa (1632-1677), cujas teorias são trabalhadas por ela na premiada obra 'A Nervura do Real' (Cia. das Letras, 2016), que acaba de ganhar seu segundo volume.
Sobre o pensador, Marilena afirma: “Espinosa
foi um filósofo de uma coragem fora do comum. Ele enfrentou a religião,
o saber, os poderes estabelecidos em nome da liberdade”. Um
enfrentamento que ela destrinchou para a plateia do SESC em São Paulo,
mostrando a atualidade as inovações propostas por Espinosa em relação à
tradição filosófica de seu tempo.
Fortalecer as instituições democráticas
Na esfera política, Espinosa ensina que independentemente das virtudes ou vícios dos governantes e administradores, o que garante a existência da liberdade é a qualidade das institucionais de uma sociedade. “São as instituições que determinam a maneira como o governante e o administrador devem e podem agir”, explica Marilena.
“Eles não podem agir contrariamente ao que as instituições determinam. Uma política livre é determinada pela qualidade inviolável de suas instituições”, complementa, indicando o 'Tratado Político' de Espinosa, obra em que ele analisa como fortalecer essas instituições.
Em sua concepção, a democracia é a “mais natural das formas políticas, porque nela se realiza o desejo de governar e não apenas o desejo de ser governado, visando a manutenção da igualdade e da liberdade do ser humano”.
A partir dessa premissa, Marilena ponderou:
“Para onde vamos, pelo lado da construção de líderes ou do fortalecimento de instituições? A aposta de Espinosa é nas instituições. A minha também”.
Aos que desejam saber mais sobre Espinosa, além dos dois volumes de A Nervura do Real, (Cia. das Letras, 2016), a professora Marilena Chauí também publicou Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa (Cia das Letras, 2011) e Política em Espinosa (Cia das Letras, 2003).
Fortalecer as instituições democráticas
Na esfera política, Espinosa ensina que independentemente das virtudes ou vícios dos governantes e administradores, o que garante a existência da liberdade é a qualidade das institucionais de uma sociedade. “São as instituições que determinam a maneira como o governante e o administrador devem e podem agir”, explica Marilena.
“Eles não podem agir contrariamente ao que as instituições determinam. Uma política livre é determinada pela qualidade inviolável de suas instituições”, complementa, indicando o 'Tratado Político' de Espinosa, obra em que ele analisa como fortalecer essas instituições.
Em sua concepção, a democracia é a “mais natural das formas políticas, porque nela se realiza o desejo de governar e não apenas o desejo de ser governado, visando a manutenção da igualdade e da liberdade do ser humano”.
A partir dessa premissa, Marilena ponderou:
“Para onde vamos, pelo lado da construção de líderes ou do fortalecimento de instituições? A aposta de Espinosa é nas instituições. A minha também”.
Aos que desejam saber mais sobre Espinosa, além dos dois volumes de A Nervura do Real, (Cia. das Letras, 2016), a professora Marilena Chauí também publicou Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa (Cia das Letras, 2011) e Política em Espinosa (Cia das Letras, 2003).
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