Em carta enviada esta semana aos governantes e ex-governantes com os
quais manteve relações, durante e depois de seu governo, o ex-presidente
Lula denunciou o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff e
a campanha dos golpistas e da mídia brasileira para excluir do processo
político, por meios arbitrários, o PT e o próprio Lula.
Caro Presidente,
Todos nós, democratas, interessados no aperfeiçoamento institucional do país, apoiamos o combate à corrupção. As pessoas que comprovadamente tiverem cometido crimes, devem pagar por eles, dentro da lei. Mas os juízes, promotores e policiais também estão obrigados a cumprir a lei e não podem abusar do seu poder contra os direitos dos cidadãos. As pessoas não podem ser publicamente condenadas (e terem a sua reputação destruída) antes da conclusão do devido processo legal, e menos ainda por meio do vazamento deliberado de informações praticado pelas próprias autoridades com fins políticos. Uma justiça discriminatória e partidarizada será fatalmente uma justiça injusta.
Luiz Inácio Lula da Silva
São Paulo,
25 de agosto de 2016
Caro Presidente,
Dirijo-me ao senhor para informá-lo da
gravíssima situação política e institucional que vive o Brasil, país que tive a
honra de presidir de 2003 a 2010.
Tomo a liberdade de escrever-lhe em
nome do respeito e da amizade que existe entre nós, pelos quais sou muito
grato.
Orgulho-me de ter conseguido, apesar
da complexidade inerente às grandes democracias e dos problemas crônicos do
Brasil, unir o meu país em torno de um projeto de desenvolvimento econômico com
inclusão social, que nos fez dar um verdadeiro salto histórico em termos de
crescimento produtivo, geração de empregos, distribuição de renda, combate à
pobreza e ampliação das oportunidades educacionais.
Por meios pacíficos e democráticos,
fomos capazes de tirar o Brasil do mapa da fome no mundo elaborado pela ONU,
libertamos da miséria mais de 35 milhões de pessoas, que viviam em condições
desumanas, e elevamos outras 40 milhões a patamares médios de renda e consumo,
no maior processo de mobilidade social da nossa história.
Em 2010, como se sabe, fui sucedido
pela Presidenta Dilma Rousseff, também do Partido dos Trabalhadores, que havia
dedicado sua vida à luta contra a ditadura militar, pela democracia e pelos direitos da população pobre do nosso
país.
Mesmo enfrentando um cenário econômico
internacional adverso, a Presidenta Dilma conseguiu manter o país no rumo do
desenvolvimento e consolidar os programas sociais emancipadores, prosseguindo
na redução das enormes desigualdades materiais e culturais ainda existentes na
sociedade brasileira.
Em 2014, a
Presidenta Dilma foi reeleita com 54 milhões de votos, derrotando uma poderosa
coalizão de partidos, empresas e meios de comunicação que pregava o retrocesso
histórico do país, com a redução de importantes programas de inclusão social, a
supressão de direitos básicos das classes populares e a alienação do patrimônio
público construído com o sacrifício de inúmeras gerações de brasileiros.
A coalizão adversária, vencida nas
urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014, não se conformou com a derrota e desde a
proclamação do resultado procurou impugná-lo por todos os meios legais, sem
alcançar nenhum êxito.
Esgotados
os recursos legais, no entanto, em vez de acatar a decisão soberana do
eleitorado, retomando o seu legítimo trabalho de oposição e preparando-se para
disputar o próximo pleito presidencial – como o PT sempre fez nas eleições que
perdeu –, os partidos derrotados e os grandes grupos de mídia insurgiram-se
contra as próprias regras do regime democrático, passando a sabotar o governo e
a conspirar para apossar-se do poder por meios ilegítimos.
Ao longo de todo o ano de 2015, torpedearam de modo sistemático os esforços do governo para redefinir a política econômica no sentido de resistir ao crescente impacto da crise internacional e recuperar o crescimento sustentável. Criaram um clima artificial de impasse político e institucional, com efeitos profundamente danosos sobre a vida do país, contaminando o ambiente de negócios, deixando inseguros produtores e consumidores, constrangendo as decisões de investimento. No afã de inviabilizar o governo, apostaram contra o país, chegando até mesmo a aprovar no parlamento um conjunto de medidas perdulárias e irresponsáveis destinadas a comprometer a estabilidade fiscal.
Ao longo de todo o ano de 2015, torpedearam de modo sistemático os esforços do governo para redefinir a política econômica no sentido de resistir ao crescente impacto da crise internacional e recuperar o crescimento sustentável. Criaram um clima artificial de impasse político e institucional, com efeitos profundamente danosos sobre a vida do país, contaminando o ambiente de negócios, deixando inseguros produtores e consumidores, constrangendo as decisões de investimento. No afã de inviabilizar o governo, apostaram contra o país, chegando até mesmo a aprovar no parlamento um conjunto de medidas perdulárias e irresponsáveis destinadas a comprometer a estabilidade fiscal.
E,
finalmente, não hesitaram em deflagrar um processo de impeachment
inconstitucional e completamente arbitrário contra a Presidenta da República.
Dilma
Rousseff é uma mulher íntegra, cuja honestidade pessoal e pública é reconhecida
até pelos seus adversários mais ferrenhos. Nunca foi nem está sendo acusada de
nenhum ato de corrupção. Nada em sua ação governamental pode justificar, sequer
remotamente, um processo de cassação do mandato que o povo brasileiro
livremente lhe conferiu.
A Constituição brasileira é categórica
a esse respeito: sem a existência de crime de responsabilidade, não pode haver
impeachment. E não há nenhum – absolutamente nenhum – ato da Presidenta Dilma
que possa ser caracterizado como crime de responsabilidade. Os procedimentos
contábeis utilizados como pretexto para a destituição da Presidenta são
idênticos aos adotados por todos os governos anteriores e pelo próprio
vice-presidente Michel Temer nas ocasiões em que este substituiu a Presidenta
por razão de viagem. E nunca foram motivo de punição aos governantes, muito
menos justificativa para derrubá-los. Trata-se, portanto, de um processo
estritamente político, o que fere frontalmente a Constituição e as regras do
sistema presidencialista, no qual é o povo que escolhe diretamente o Chefe de
Estado e de Governo a cada quatro anos.
As forças conservadoras querem obter
por meios escusos aquilo que não conseguiram democraticamente: impedir a continuidade
e o avanço do projeto de desenvolvimento e inclusão social liderado pelo PT,
impondo ao país o programa político e econômico derrotado nas urnas. Querem a
todo custo comandar o Estado para apossar-se do patrimônio nacional – como já
começa a acontecer com as reservas petrolíferas em águas profundas – e desmontar
a rede de proteção aos
trabalhadores e aos pobres que foi ampliada
e consolidada nos últimos treze anos.
As mesmas
forças que tentam arbitrariamente derrubar a Presidenta Dilma, e implantar a
sua agenda antipopular, querem também criminalizar os movimentos sociais e,
sobretudo, um dos maiores partidos de esquerda democrática da América Latina,
que é o PT. E não se trata de mera retórica autoritária: o PSDB, principal
partido de oposição, já apresentou formalmente uma proposta de cancelamento do
registro do PT, com vistas a proibi-lo de existir. Temem que, em 2018, em
eleições livres, o povo brasileiro volte a me eleger Presidente da República,
para resgatar o projeto democrático e popular .
A luta contra a corrupção, que é uma
mazela secular do Brasil e de tantos outros países, e deve ser combatida de
modo permanente por todos os governos, foi distorcida e transformada em uma
implacável perseguição midiática e política ao PT. Denúncias contra líderes de partidos
conservadores são sistematicamente abafadas e arquivadas enquanto acusações
semelhantes a qualquer personalidade do PT tornam-se de imediato, à revelia do
devido processo legal, condenação irrevogável na maior parte dos meios de
comunicação.
A verdade é que o combate à corrupção
no Brasil passou a ser muito mais vigoroso e eficaz a partir dos governos do
PT, com o respeito, que antes não existia, à plena autonomia do Ministério
Público e da Polícia Federal no exercício de suas atribuições; a ampliação do
orçamento, do quadro de funcionários e a modernização tecnológica dessas
instituições e dos demais órgãos de controle; a nova lei de acesso à informação
e a divulgação das contas públicas na internet; os acordos de cooperação
internacional no enfrentamento da corrupção; e o estabelecimento de punições
muito mais rigorosas para corruptos e membros de organizações criminosas.
Todos nós, democratas, interessados no aperfeiçoamento institucional do país, apoiamos o combate à corrupção. As pessoas que comprovadamente tiverem cometido crimes, devem pagar por eles, dentro da lei. Mas os juízes, promotores e policiais também estão obrigados a cumprir a lei e não podem abusar do seu poder contra os direitos dos cidadãos. As pessoas não podem ser publicamente condenadas (e terem a sua reputação destruída) antes da conclusão do devido processo legal, e menos ainda por meio do vazamento deliberado de informações praticado pelas próprias autoridades com fins políticos. Uma justiça discriminatória e partidarizada será fatalmente uma justiça injusta.
Eu, pessoalmente, não temo nenhuma
investigação. Desde que iniciei a minha trajetória política e, particularmente
nos últimos dois anos, tive toda a minha vida pública e familiar devassada – viagens,
telefonemas, sigilo fiscal e bancário –, fui alvo de todo o tipo de
insinuações, mentiras e ataques publicados como verdade absoluta pela grande
mídia, sem que tenha sido encontrado qualquer desvio na minha conduta ou prova
de envolvimento em qualquer ato irregular. Se a justiça for imparcial, as acusações contra mim jamais prosperarão.
O que não posso aceitar são os atos de flagrante ilegalidade e parcialidade
praticados contra mim e meus familiares por autoridades policiais e
judiciárias. É inadmissível a divulgação na tv de conversas telefônicas sem nenhum conteúdo político, a
coação de presos para fazerem denúncias mentirosas contra mim em troca da
liberdade, ou a condução forçada, completamente ilegal, ocorrida em março
último, para prestar depoimento do qual eu sequer tinha sido notificado.
Por isso,
meus advogados entraram com uma representação no Comitê de Direitos Humanos das
Nações Unidas, relatando os abusos cometidos por algumas autoridades judiciais
que querem a todo custo me eliminar da vida política do país.
A minha
trajetória de mais de 40 anos de militância democrática, que começou na
resistência sindical durante os anos sombrios da ditadura, prosseguiu no
esforço cotidiano de conscientizar e
organizar a sociedade brasileira pela base, até ser eleito como o primeiro Presidente da República de origem
operária, é o meu maior patrimônio e a ele ninguém me fará renunciar. Os
vínculos de fraternidade que construí com os brasileiros e brasileiras na
cidade e no campo, nas favelas e nas fábricas, nas igrejas, nas escolas e
universidades, e que levaram a maioria
do nosso povo a apoiar o vitorioso projeto
de inclusão social e promoção da dignidade humana, não serão cancelados
por nenhum tipo de arbitrariedade. Da mesma forma, nada me fará abrir mão, como
sabem as lideranças de todo o mundo com as quais trabalhei em harmonia e
estreita cooperação - antes, durante e depois dos meus mandatos presidenciais
– do compromisso de vida com a construção de um mundo sem guerras, sem fome,
com mais prosperidade e justiça para todos.
Agradeço
desde já a generosa atenção que o senhor dedicou a esta mensagem e coloco-me à
disposição, como sempre estive, para qualquer esclarecimento ou reflexão de
interesse comum.
Reiterando o meu respeito e amizade, despeço-me
fraternalmente.
Luiz Inácio Lula da Silva
Folha.com, 01.set.2016
O golpe, na verdade, está só começando
Por Guilherme Boulos
O Senado consumou nesta quarta (31) o golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff: 61 votos senatoriais cassaram, numa eleição indireta, 54 milhões de votos populares. Mas isso é só o prenúncio do que está por vir. O golpe, na verdade, está apenas começando.
Michel Temer, ainda como interino, recebeu os primeiros avisos do mercado de que o prazo para "medidas consistentes" em defesa de seus interesses é o fim do ano. A banca cobra a fatura.
Afinal, quem mais poderia fazê-lo? Temer não foi eleito e, ao que tudo indica, não pretende disputar reeleição. Não precisa prestar contas a ninguém a não ser àqueles que sustentaram a manobra que o levou ao Planalto.
Quanto ao Parlamento, a questão se resolve com a distribuição de cargos, em grande medida já efetuada. Cunha é um caso à parte e é de se esperar uma atuação decidida de Temer para abrandar sua pena e evitar a prisão.
A grande fatura é mesmo devida à elite empresarial e financeira, que deu inequívoco suporte ao impeachment, e exige um pacote de reformas regressivas, um verdadeiro golpe aos direitos sociais e trabalhistas.
As medidas antipopulares estão organizadas em três grandes frentes.
Primeiro, um golpe contra a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Eliseu Padilha já deu a senha de como será. Basta torná-la sem efeito.
É o que se pretende apoiando a aprovação de alguns projetos no Congresso: o PLC 30, que autoriza a universalização dos contratos precários ao permitir a terceirização das atividades-fim; o PL 4193, que autoriza a prevalência do negociado sobre o legislado; e o PL 427, que institui a negociação individual entre empregado e empregador.
Com a aprovação desses projetos, a CLT deixa de ser obrigatória, perdendo na prática qualquer efetividade. Nem a ditadura militar, em seus 20 anos sombrios, ousou destruir a CLT. Temer pretende fazê-lo em dois anos.
Segundo, um golpe contra a Previdência. A reforma que querem aprovar ainda em 2016 é de uma perversidade que faz lembrar o ex-ministro das Finanças japonês Taro Aso, que chocou o mundo ao dizer que os idosos deveriam "se apressar e morrer" para poupar gastos públicos.
As principais medidas são o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos e a desvinculação do reajuste do salário mínimo com a aposentadoria. É desolador e não para por aí.
O terceiro grande golpe é contra a Constituição de 1988 e sua rede de proteção social. A PEC 241 pretende congelar o investimento público por 20 anos, atingindo gastos com educação, saúde e programas sociais. Na prática, trata-se de constitucionalizar a política de austeridade.
Por tudo isso, o dia não marca a conclusão de um golpe, mas o início. Essa agenda não foi eleita e jamais seria. Só pode ser aplicada com um cerceamento da democracia, pela anulação do voto.
Seria, contudo, acreditar em conto de fadas supor que um golpe dessa dimensão passará sem resistência. A maioria do povo não foi às ruas até aqui – nem de um lado nem de outro – por acreditar que não era com eles.
A Associação Médica Brasileira (AMB) também protocolou no Supremo Tribunal
Federal, na manhã desta quinta-feira, um mandado de segurança pedindo
que a ex-presidente Dilma Rousseff fique inabilitada por oito anos para o
exercício de função pública.
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