http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Especialista-exibe-falhas-em-estudo-que-levou-a-aplicar-a-austeridade-na-Europa/7/34824
Carta Maior, 23/10/2015
Especialista exibe falhas em estudo que levou a aplicar a austeridade na Europa
La Jornada
Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff cometeram erros elementares, manipulação de dados e falhas no manejo do excel
As políticas de austeridade e redução do endividamento público aplicadas
como suposta cura para a crise da dívida dos países da Zona Euro – que
já se prolonga por anos e tem trazido estancamento econômico,
crescimento da pobreza e níveis inéditos de desemprego, com mais de 27%
da população da Espanha e da Grécia sem trabalho, enquanto a desocupação
juvenil superando os 50% – se basearam na tese de que reduzir o deficit
fiscal era condição necessária para crescer.
Essa teoria foi
elaborada por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, dois economistas da
Universidade de Harvard que, em 2010, publicaram um artigo chamado
“Crescimento em tempos de endividamento”, no qual afirmaram que quando a
dívida pública supera os 90% do produto interno bruto (PIB) deixa de
haver crescimento. A conclusão foi que a máxima prioridade deve ser a de
reduzir o endividamento para poder crescer.
Os economistas de
Harvard foram aclamados no mundo inteiro e reconhecidos entre os
simpatizantes da disciplina fiscal, ganhando muita fama a partir da
publicação – um ano antes do artigo – de um livro sobre as crises de
dívida pública, que analisa o comportamento econômico de dezenas de
países, num período de mais de 200 anos. O livro recebeu prêmios e
homenagens, e foi tomado como uma obra referente em meio da crise
financeira que, apesar de ter sua origem no setor privado, enfocou sua
análise sobre o endividamento público.
O tal artigo foi
publicado depois que Grécia se declarou em crise e solicitou o primeiro
resgate financeiro internacional na Zona Euro, e aceitou em troca as
estritas condições de austeridade e disciplina fiscal.
Status sagrado de guardiães da responsabilidade fiscal
Reinhart
e Rogoff alcançaram rapidamente um status quase sagrado entre os
autoproclamados guardiães da responsabilidade fiscal. “A afirmação sobre
o ponto de inflexão não foi tratada como uma hipótese controvertida,
mas como um fato inquestionável”, comentou o economista Paul Krugman num
artigo.
O também professor de Princeton e vencedor do Prêmio
Nobel de 2008 lembrou que um editorial do The Washington Post, do começo
de 2013, alertava sobre um possível relaxamento a respeito do deficit,
porque estamos perigosamente perto da marca de 90%, que os economistas
considerariam uma ameaça para o crescimento econômico sustentável.
Krugman indicou: “percebam a expressão usada, `os economistas´, não
`alguns economistas´, pois não chamamos mais de `economistas´ aqueles
que contradizem energicamente outros com credenciais igualmente boas”.
O
artigo de Krugman (The Excel Depression, publicado no New York Times,
em abril de 2013) se refere à análise realizada por Thomas Herndon,
Michael Ash e Robert Pollin, economistas da Universidade de
Massachusetts que analisaram o estudo de Reinhart e Rogoff, tratando de
repetir o exercício estatístico.
Os economistas de Massachusetts
descobriram que seus colegas de Harvard cometeram erros elementares de
estatística, manipulação de dados e falhas no manejo da folha de cálculo
do conhecido programa Excel. Ao utilizar a mesma base de dados,
encontraram que para os países com endividamento acima do 90% do PIB, a
taxa de crescimento é positiva e superior a 2%, não negativa, como
afirmaram Reinhart e Rogoff.
“Foi um erro de codificação do
Excel o que destruiu as economias do mundo ocidental?”, aponta Krugman, e
esclarece: “devemos situar o fiasco de Reinhart e Rogoff no contexto
mais amplo da obsessão pela austeridade: o evidentemente intenso desejo
dos legisladores, políticos e especialistas de todo o mundo ocidental de
dar as costas aos desempregados e, em troca, usar a crise econômica
como desculpa para reduzir drasticamente os programas sociais.
Tradução: Victor Farinelli
Carta Maior, 23/10/2015
Austeridade: impropriedade e falsidade
PorJosé Carlos Peliano*
A vida nos ensina que não há resposta pronta para tudo. E mesmo que
haja, cada caso é diferente do outro, seja pelo tempo transcorrido, pelo
espaço onde se deu o caso, seja pela presença distinta de pessoas.
Ainda que as pessoas sejam as mesmas, mas a cada dia a gente se vê,
percebe ou sente algo diferente de tempos passados em nós mesmos.
Pois
bem. Não há, portanto, o mesmo remédio para doenças aparentemente
semelhantes ou, mesmo que sejam, os pacientes podem estar em situações
de saúde diversas uns dos outros. A prescrição pode indicar à primeira
vista o mesmo tratamento e remédios, mas o quadro geral, o exame clínico
e mesmo a reação do paciente podem apontar soluções heterogêneas.
Saindo
da saúde física para a econômica, a visão geral, nesse caso, é a mesma.
A teoria econômica trata das relações entre os agregados, nos
microssistemas ou macro-sistemas, lhes atribuindo comportamentos e
reações observáveis e factuais.
Esse quadro geral é verdade
desde que os cenários reais onde essas relações se deem se comportem e
ajam da mesma maneira. É o modelo que tem que se adaptar à realidade e
não a realidade ao modelo.
Caso contrário, não necessariamente é
a teoria que não se aplica, mas sua aplicação pelos responsáveis pela
política econômica é que deu água. Não foi analisada direito a situação,
tampouco prescritos os remédios e tratamentos econômicos adequados.
Como
os erros dos economistas nesses casos são verificados mais tarde pelo
funcionamento da economia, até lá eles têm tempo para jogar muitas vezes
a culpa noutros fatores fora daqueles atribuídos às suas próprias
análises e prescrições.
Tomando o programa de austeridade levado
a termo na economia brasileira nos dez primeiros meses pelo ministro da
Fazenda, verifica-se uma fragrante incompatibilidade entre o que ele e
sua equipe conceberam e os resultados concretos verificados até agora.
Os
preceitos teóricos aplicados por ele e sua equipe e gente do FMI,
Comissão Europeia, Banco Central Europeu e todo o resto de assessores,
colaboradores, etc. e tal, são os mesmos. Os quadros analíticos deles
são, sem tirar nem por, de fundamento único, monetarista.
Em
situações, como a do Brasil, nas quais a demanda está pressionando os
preços, juntamente com uma oferta reduzida, os investimentos contidos, o
comércio externo entrando no vermelho, a receita fiscal reduzindo e o
superávit primário aumentando, o diagnóstico deles é simples: economia
asfixiada por consumo exagerado e preços altos. Nesse consumo entenda-se
famílias e governo.
Solução invariável em todos os cantos do
mundo: conter e cortar gastos públicos, incluindo ações e atividades;
elevar juros referenciais e congelar salários, até mesmo demitir e adiar
contratações. Em poucas palavras: dar um tranco nas atividades
econômicas.
Essa receita purgativa, que muitos de nós já
conhecem, torna as expectativas dos empresários de duvidosas para
negativas; se antes não investiam porque não sabiam em que a política
econômica iria apostar e apontar, agora entendem que a contenção e corte
de gastos vai reduzir os espaços para novos projetos ou a continuação
de antigos promissores.
A ponto de manietarem os empresários que
quiserem, ainda assim, se atrever na expansão ou modernização das
instalações produtivas e os consumidores atrás de novas aquisições,
manutenções ou reparos. Mesmo que seja para sair na frente na crise e
aguardar o retorno após. A elevação da taxa referencial de juros, que
torna o dinheiro mais caro, restringe essas iniciativas.
A falta
de perspectiva da economia diante da contenção e corte de gastos,
investimentos e consumo torna o país num desfavorável atrativo para
investimentos externos. A queda na entrada de moedas estrangeiras por
conta disso eleva seus valores e derruba o real. A taxa de câmbio sobe e
fica por lá.
Recebe a equipe econômica a ajuda da oposição na
confirmação do estancamento da economia. A balbúrdia política que vêm
fazendo para detonar a presidente com um impedimento encomendado fornece
combustível e faísca para abalar a confiabilidade nas instituições
brasileiras. Daí dispara ainda mais a taxa de câmbio.
A
impropriedade dessas medidas se baseia no princípio, seguido pela equipe
econômica, de que tudo se resume no desequilíbrio da quantidade de
moedas. Ou seja, moeda em demasia em circulação favorece a demanda,
aumentando o consumo e elevando os preços dos produtos – demanda maior
que oferta.
Assim, a alternativa deles é tornar mais cara a
moeda (o real) pelo aumento de juros e reduzir o consumo, não só pelos
juros, mas também pelo corte de gastos públicos (consumo e
investimento). A ideia deles é baixar a inflação e tornar o ambiente
mais favorável aos investimentos e, após isso, o consumo.
Mas em
assim fazendo, eles destroem postos de trabalho e provocam desemprego.
Embora esse resultado atenda à redução da demanda pretendida, o custo
social se eleva abusivamente, sem falar nos estragos da saúde física e
mental dos trabalhadores e famílias.
Sem necessidade teórica e
prática. Senão veja-se. Uma alternativa seria substituir a redução da
dívida pública, através da venda de títulos no mercado, pela velha e
conhecida emissão de moedas. Ao invés de controlar a demanda via taxa de
juros, o governo poderia fazer o mesmo com o uso dos depósitos
compulsórios dos bancos no Banco Central e restrições monitoradas do
crédito em geral.
Dessa forma, as expectativas dos empresários
começariam a se tornar positivas, não haveria destruição de postos de
trabalho, a demanda permaneceria a mesma ou pouco reduzida, mas com a
perspectiva de novos projetos de investimentos e ampliações da
capacidade produtiva existente, o que absorveria eventuais pressões de
demanda.
Não haveria recuo da entrada de divisas para
investimentos, tampouco os importadores não seriam sacrificados pela
elevação da taxa de câmbio. Os exportadores continuariam do mesmo jeito
de antes com suas pautas atendidas.
A falsidade do programa de
austeridade reside no fato de que ele não é imparcial. Teoricamente até
pode ser uma vez que se admite na análise que tudo o mais está
invariável, incluindo a distribuição de renda. Ou seja, os consumidores
tem níveis semelhantes de consumo e renda.
Assim, desde essa
perspectiva, as variações nas agregações de consumo, investimento,
poupança e nível geral de preços são as que importam para o estudo e a
avaliação do quadro, da prescrição e dos remédios econômicos.
Mas
não é assim na vida real. A desigualdade de renda no Brasil é
marcadamente desigual, embora em descenso há uns 10 anos. Poucos
abocanham mais da metade de toda a renda gerada. Logo a austeridade
tende a desconstruir a situação econômica pré-existente, provocando
aumento no grau de desigualdade, tornando a distribuição de renda ainda
mais achatada na base.
A austeridade ao fim e ao cabo serve, no
seu conjunto, somente para dar mais gás ao mercado financeiro, aos
banqueiros, aos rentistas e aos especuladores. Esses não são afetados
pela crise. O discurso de que todos devem pagar ou pagam com a retração
econômica, até mesmo a recessão, é falsidade.
*Colaborador da Carta Maior