Blog do Santayana, 26 de outubro de 2016
Por uma nova polícia
Por Mauro Santayana
A
propósito do incidente ocorrido na porta de uma delegacia da Zona Leste
de São Paulo, na madrugada de quarta-feira, a imprensa chama a atenção
para o "agravamento da rixa" entre policiais civis e militares de São
Paulo.
A questão por
trás do fato não é essa, mas sim o que se seguiu a um primeiro gesto,
emblemático, de um delegado de polícia, no sentido de fazer valer a lei e
combater a tortura, que é crime hediondo, dando voz de prisão, em
flagrante, a um sargento da PM, acusado de dar uma série de choques em
um suspeito de roubo dentro da viatura a caminho da delegacia, e a
reação de um bando de PMs, em sua defesa, que foi, na verdade, a defesa
da parte mais visível de um gigantesco iceberg de cultura da violência e
do genocídio, caracterizado pela onipotência dos agentes de segurança
no Brasil, que se acham no direito de tratar, como a um animal de caça
ou de sua propriedade, qualquer pessoa que venha a cair sob sua
custódia, em uma situação de "trabalho".
Chama a
atenção, também, o fato de que, na Câmara dos Deputados, circulem
projetos destinados a dar à PM poder de investigação, e que, por
iniciativa do Secretário de Segurança de SP, Alexandre de Moraes, PMs
estejam sendo dispensados de aguardar, em casos mais simples, a
conclusão de Boletins de Ocorrência por parte de delegados.
Ora, o que o
Brasil precisa não é de uma legislação que divida ainda mais as
diferentes polícias, dando mais poder a cada uma delas, mas de uma nova
polícia, unificada, judiciária, com a presença de um juiz em cada
delegacia, para que se proceda à audiência de custódia, no momento do
encaminhamento do preso pelos agentes responsáveis pela prisão, com o
rígido cumprimento do exame de corpo de delito.
Como é
simplesmente impossível, diante de fatos como esse, unificar as
polícias já existentes em todos os estados, deveria ser criada, por
decreto, essa nova polícia, responsável pelo policiamento ostensivo -
nos primeiros anos de carreira - e depois, pela investigação, a partir
da estruturação de um novo sistema acadêmico, com uma nova filosofia,
baseada, fundamentalmente, no mais estrito cumprimento da lei, e
suspender a realização de concursos para a Polícia Civil e Militar, até
que estas viessem a se extinguir naturalmente, em uma geração, sendo
progressivamente substituídas em suas atribuições, por essa nova força.
No intervalo,
poder-se-ia avançar na federalização dos crimes de tortura, sejam
esses cometidos por policiais ou por bandidos, a cargo da Polícia
Federal, e, se isso não for possível, na criação de delegacias
específicas para a investigação desses delitos, com a presença - aí,
sim, mista - de membros das corregedorias da Polícia Civil e da Militar,
em todos os estados.
Sejamos
claros. O que ocorreu em São Paulo não foi uma "rixa". Foi uma
tentativa, combatida pelo mais reles corporativismo, de se fazer cumprir
a Lei e a Constituição. Um corporativismo cada vez mais desatado e
incontrolável, que ameaça a sociedade e o Estado de Direito como um todo
e que deveria ser enfrentado de frente, com coragem e com mão firme, e
não da forma covarde, escorregadia e ambígua, demonstrada, na entrevista
que se seguiu ao "incidente", pelas autoridades do Estado.
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