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Blog do Santayana, 13 de outubro de 2015
O Brasil e a República de Salém
Por Mauro Santayana
O Ministro Teori Zavascki retirou da Operação Lava-Jato a investigação de questões relativas à Eletronuclear.
O fez porque o caso envolve o senador Edson Lobão, que tem foro privilegiado.
Mas poderia
tê-lo feito também devido a outros motivos. A Eletronuclear não possui
instalações no Paraná, nem vínculos com a Petrobras, e não se sustenta a
tese, que quer dar a entender o Juiz Sérgio Moro, de que tudo, das
investigações sobre o Ministério do Planejamento, relacionadas com a
Ministra Gleise Hoffman, à Eletronuclear, Petrobras, hidrelétricas em
construção na Amazônia, projetos da área de defesa, da indústria naval, e
qualquer coisa que envolva a participação das maiores empresas do país
em projetos e programas estratégicos para o desenvolvimento nacional, "é
a mesma coisa" e culpa de uma "mesma organização criminosa",
estabelecida, há alguns anos, com o deliberado intuito de tomar de
assalto o país.
Pode-se
tentar impingir esse tipo de fantasia conspiratória, reduzindo a oitava
maior economia do mundo - que em 2002 não passava da décima-quarta
posição - a um mero bordel de esquina invadido por uma maquiavélica e
nefasta quadrilha de assaltantes, quando esse discurso se dirige para a
minoria conservadora, golpista, manipulada e desinformada que pulula nos
portais mais conservadores da internet brasileira e dá um trocado para a
faxineira bater panela na varanda do apartamento, quando começa a
doer-lhe a mão.
Mas essa tese não "cola" para qualquer pessoa que
tenha um mínimo de informação de como funciona, infelizmente, o país, e
sobre o que ocorreu com esta Nação nos últimos 20 anos.
Operação
caracteristicamente midiática, alimentada a golpe de factoides, da
pressão sobre empresas e empresários - até mesmo por meio de prisões
desnecessárias, e, eventualmente, arbitrárias - e de duvidosas delações
premiadas, a Lava-Jato, se não for rigorosamente enquadrada pelos
limites da lei, se estabelecerá como uma nova República do Galeão, de
Curitiba, ou de Salém.
Uma espécie de Quinto Poder, acima e além
dos poderes basilares da República, com jurisdição sobre todos os
segmentos da política, da economia e da sociedade brasileira, com um
braço doutrinário voltado para obter a alteração da legislação, mormente
no que diz respeito ao enfraquecimento das prerrogativas
constitucionais, entre elas a da prisão legal, da presunção de
inocência, da apresentação de provas, que precisa produzir, para uma
parcela da mídia claramente seletiva e partidária, sempre uma nova
"fase" - já lá se vão 19 - uma nova acusação, uma nova delação, para que
continue a se manter em evidência e em funcionamento.
Tudo isso, para
que não se perceba com clareza sua fragilidade jurídico-institucional,
exposta na contradição entre a suposta existência de um escândalo
gigantesco de centenas de bilhões de reais, como alardeado, na imprensa e
na internet, aos quatro ventos, que se estenderia por todos os meandros
do estado brasileiro, em contraposição da franca indigência de provas
robustas e incontestáveis, reunidas até agora, e do dinheiro
efetivamente recuperado, que não chega a três bilhões de reais - pouco
mais do que o exigido, em devolução pela justiça, apenas no caso do
metrô e dos trens da CPTM, de São Paulo.
Uma coisa é
provar que dinheiro foi roubado, nas estratosféricas proporções
cochichadas a jornalistas - ou aventadas em declarações do tipo "pode
chegar" a tantos bilhões - dizendo em que contrato houve desvio,
localizando os recursos em determinada conta ou residência, mostrando
com imagens de câmeras, ou registros de hotel, e listas de passageiros,
que houve tal encontro entre corruptor e corrompido.
Outra, muito
diferente, é, para justificar a ausência de corrupção nas proporções
anunciadas todo o tempo, estabelecer aleatoriamente prejuízos "morais"
de bilhões e bilhões de reais e nessa mesma proporção, multas punitivas,
para dar satisfação à sociedade, enquanto, nesse processo, que se
arrasta há meses, caminhando para o segundo aniversário, se arrebenta
com vastos setores da economia, interrompendo, destruindo,
inviabilizando e transformando, aí, sim, em indiscutível prejuízo,
centenas de bilhões de reais em programas e projetos estratégicos para o
desenvolvimento e a própria defesa nacional.
Insustentável,
juridicamente, a longo prazo, e superestimada em sua importância e
resultados, a Operação Lava-Jato é perversa, para a Nação, porque se
baseia em certas premissas que não possuem nenhuma sustentação na
realidade.
A primeira, e a
mais grave delas, é a que estabelece e defende, indiretamente, como
sagrado pressuposto, que todo delator estaria falando a verdade.
Alega-se que os réus "premiados", depois de assinados os acordos, não se arriscariam a quebrar sua palavra com a Justiça.
Ora, está aí o
caso do Sr. Alberto Youssef, já praticamente indultado pelo mesmo juiz
Moro no Caso do Banestado, da ordem de 60 bilhões de reais, para provar
que o delator premiado não apenas pode falar o que convêm, acusando uns e
livrando a cara de outros, como continuar delinquindo descaradamente -
por não ter sido impedido de seguir nos mesmos crimes e atividades pela
Justiça - até o ponto de, estranhamente, fazer jus a nova "delação
premiada" mesmo tendo feito de palhaços a maioria dos brasileiros.
A segunda é a de
se tentar induzir a sociedade - como faz o TCU no caso das "pedaladas
fiscais", que vêm desde os tempos da conta única do Banco do Brasil - a
acreditar que toda doação de campanha, quando se trata do PT, seria
automaticamente oriunda de pagamento de propina de corrupção ao partido,
e que, quando se trata de legendas de oposição - mesmo que ocupem
governos que possuem contratos e obras com as mesmíssimas empresas da
Lava-Jato - tratar-se-ia de doações honestas, impolutas e
desinteressadas.
Corrupção é
corrupção. E doação de campanha é doação de campanha. Até porque as
maiores empresas e bancos do país, que financiam gregos e troianos, o
fazem por um motivo simples: como ainda não possuem tecnologia para
construir uma máquina do tempo, nem para ler bolas de cristal, elas não
têm como adivinhar, antes da contagem dos votos, quem serão os partidos
vitoriosos ou os candidatos eleitos em cada pleito.
Se existe suspeição de relação de causa e efeito entre financiamento de campanha e conquista de contratos, simples.
Em um extremo,
regulamente-se o "lobby", com fiscalização, como existe nos Estados
Unidos, ou, no outro, proíba-se definitivamente o financiamento
empresarial de campanha por empresas privadas, como está defendendo o
governo, e não querem aceitar os seus adversários.
O que não podem
esperar, aqueles que escolheram, como tática, a criminalização da
política, é que a abertura da Caixa de Pandora, ao menos
institucionalmente, viesse a atingir apenas algumas legendas, ou
determinados personagens, em suas consequências, como é o caso do
financiamento privado de campanha.
Vendida, por
outro lado, como sendo, supostamente, uma ação emblemática, um divisor
de águas no sentido da impunidade e de se mandar um recado à sociedade
de que o crime não compensa, a justiça produzida no âmbito da Operação
Lava-Jato está, em seus resultados, fazendo exatamente o contrário.
Quem for analisar
a última batelada de condenações, verá que, enquanto os delatores
"premiados", descobertos com contas de dezenas de milhões de dólares no
exterior, com as quais se locupletavam nababescamente, gastando à tripa
forra, são liberados até mesmo de prisão domiciliar e vão ficar
soltos, nos próximos anos, sem dormir nem um dia na cadeia, funcionários
de partido que "receberam", em função de ocupar o cargo de tesoureiro,
doações absolutamente legais do ponto de vista jurídico, terão de
passar bem mais que uma década presos em regime fechado, mesmo que
nunca tenham apresentado nenhum sinal de enriquecimento ilícito.
Com isso,
bandidos contumazes, já beneficiados, no passado, pelo mesmo juiz, com
acordos de delação premiada, que quebraram, ao voltar a delinquir, seus
acordos feitos anteriormente com a Justiça, ou que extorquiram
empresas e roubaram a Petrobras, vão para o regime aberto ou semi-aberto
durante dois ou três anos, para salvar as aparências, enquanto milhares
de trabalhadores estão indo para o olho da rua, também porque essas
mesmas empresas - no lugar de ter apenas seus eventuais culpados
condenados - estão, como negócio, sendo perseguidas e ameaçadas com
multas bilionárias, que extrapolam em muitas vezes os supostos prejuízos
efetivamente comprovados até agora.
A mera ameaça
dessas multas, com base nos mais variáveis pretextos, pairando, no
contexto midiático, como uma Espada de Dámocles, antes da conclusão das
investigações, tem bastado para que a situação creditícia e
institucional dessas companhias seja arrebentada nos mercados, e
projetos sejam interrompidos, em um efeito cascata que se espalha por
centenas de médios e pequenos fornecedores, promovendo um quase que
definitivo, e cada vez mais irrecuperável desmonte da engenharia
nacional, nas áreas de petróleo e gás, infraestrutura, indústria naval,
indústria bélica, e de energia.
O Juiz Moro anda
reclamando publicamente, assim como o Procurador Dallagnol - até mesmo
no exterior - do "fatiamento" da Operação Lava-Jato.
Ora, não se pode criar uma fatia a partir de algo que não pertence ao bolo.
Inquéritos não podem ser abertos por determinada autoridade, se não pertencem à jurisdição dessa autoridade.
Continuar
produzindo-os, sabendo-se que eventualmente serão requeridos ou
redistribuídos pelo Supremo, faz com que pareçam estar sendo criados
apenas com o intuito de servirem, ao serem eventualmente retirados do
escopo da Lava-Jato, de "prova" da existência de uma suposta campanha,
por parte do STF, destinada a dar fim ou a sabotar, aos olhos da opinião
pública, o "trabalho" do Juiz Sérgio Moro e o de uma "operação" que se
quer cada vez mais onipresente e permanente nas manchetes e na vida
nacional.
Ao reclamar do suposto "fatiamento" da Operação
Lava-Jato, com a desculpa de eventual prejuízo das investigações, o Juiz
Sérgio Moro parece estar tentando, da condição de "pop star" a que foi
alçado por parte da mídia, constranger e pressionar, temerariamente, o
Supremo Tribunal Federal - já existe provocador falando, na internet, em
resolver o "problema" do STF "a bala" - valendo-se da torcida e do
apoio da parcela menos informada e mais manipulada da opinião pública
brasileira.
Com a agravante
de colocar em dúvida, aos olhos da população em geral, o caráter,
imparcialidade e competência de seus pares de outras esferas e regiões,
como se ele, Sérgio Fernando Moro, tivesse surgido ontem nesta
dimensão, de um puro raio de luz vindo do espaço, sem nenhuma ligação
anterior com a realidade brasileira, para ser o líder inconteste de uma
Cruzada Moral e Reformadora Nacional - o único magistrado supostamente
honesto, incorruptível e comprometido com o combate ao crime desta
República.
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