sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Brazil, zil, zil... e o rebaixamento do QI

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CartaCapital, 23/10/25



Editorial

O rebaixamento do QI



Por Mino Carta



Proclama a manchete da Folha de S.Paulo de sexta-feira 16: “Delator diz ter repassado R$ 2 mi para nora de Lula”. Texto a justificar o título, retumbante na primeira página, relata que, segundo o lobista Fernando Soares, o Baiano, o dinheiro foi entregue por ele a um amigo de Lula para ser levado à mulher de um dos filhos do ex-presidente, de fato dotado de quatro noras. O tal amigo, apontado como intermediário da operação, nega.

Alto e bom som, como não poderia deixar de ser, o Estadão também na sexta trombeteia: “Baiano diz que amigo de Lula acertou propina de US$ 5 mi”. De novo em cena aquele prestativo amigo, esclarece o texto, capaz de precipitar a manchete, para entregar a grana ao já ilustre Nestor Cerveró e mais dois funcionários da Petrobras.

Nem o Washington Post  manifestou tamanha empolgação ao colher as provas do envolvimento de Nixon no Watergate. Pergunto aos meus estupefactos botões em que país dito democrático e civilizado confusas delações premiadas de um lobista, obviamente a carecerem de prova, seriam apresentadas pelos principais jornais com o destaque que lhes foi conferido pelos jornalões paulistas? Respondem em uníssono: Brazil, zil, zil. Algo me preocupa, nesta e outras situações similares, a saber a imediata credulidade de quem lê, pronto a repetir quanto leu qual fosse a sacrossanta verdade.

Há quem observe: contássemos com outra mídia, a opinião pública brasileira seria bem menos enganável. À parte o fato de que tenho dúvidas em relação à expressão opinião pública, em um país de 204 milhões de habitantes onde a Folha de S.Paulo se orgulha de alcançar 20 milhões, graças a cálculos baseados no fator multiplicador. Mas, no fundo, não é este o motivo da minha preocupação. A atual diz respeito, de fato, ao quociente de inteligência (nem ouso falar no espírito crítico) do leitor.

O momento do Brasil dos graúdos, devastado pela insensatez e movido a ódio de classe, favorece o triunfo da sandice e a impossibilidade de um debate justo, honesto, equilibrado. Inteligente. Por exemplo. Em um rompante de coerência, o PT se manifesta contra a política econômica do ministro Levy, e a mídia nativa, como sempre fiel do pensamento único, clama contra o engodo.

Ou, por outra, avisa: não se deixem enganar, isto é jogo de cena. Pelo comedido emprego de neurônios, não seria difícil entender que a sinceridade petista, no caso, bate de frente com os propósitos da presidenta. Não há, é solar, o  estratagema das cartas marcadas. 

Na moldura, se estabelece uma preciosa informação prestada por Fernando Henrique Cardoso em seu livro de memórias. Mereceria, esta sim, muito mais destaque do que lhe foi oferecido pelos jornalões de quarta 21: em 1996, quando presidente, o príncipe dos sociólogos teve sua atenção chamada para a corrupção reinante na Petrobras e deixou de intervir. Invoco a ajuda dos meus perplexos botões: “Mas a Petrobras não era governo também na época de FHC? Ou muito me engano?”

Esta, sim, é incoerência, dizem. Como assim? Recorrem a Justiniano: quem cala, consente. Donde, concluo, seria o caso de dar à confissão do presidente tucano o peso devido, do tamanho de um deslize gravíssimo, de uma indiferença criminosa. Seria, retrucam, mas FHC tem poltrona cativa, adamascada, na casa-grande, e a reverência inoxidável da mídia nativa. Sei, sei, resmungo, mas ele também, ao confessar, não nos brinda com uma prova de esperteza. Pode tudo, no entanto.

Susto enorme levei, na manhã da quarta 21, ao tropeçar na manchete do Estadão. Ao vê-la de longe imaginei a eclosão da guerra mundial. Em toda a largura da primeira página, e em duas linhas. Ao lê-la, respirei aliviado, falava de uma das habituais delações destinadas a incentivar a crença no envolvimento de Lula em algum, qualquer, negócio escuso. Tentativa patética, se não estivéssemos no Brazil, zil, zil, ambiente cada vez mais propício ao rebaixamento progressivo do QI.

Nos últimos dias, me peguei diante de duas plateias bastante distintas. Em um debate sobre o excelente livro de Paulo Henrique Amorim, O Quarto Poder, Uma Outra História, em companhia de Laura Capriglione e do próprio autor.

Outra oportunidade tive ao receber o Prêmio Especial Vlado Herzog, que me honra e me comove, mesmo porque aquele assassinato cometido na masmorra do DOI-Codi é perfeito símbolo da violência de uma ditadura feroz e insana, ditadura antes civil que militar, porque nascida nas dependências da casa-grande, de onde saiu a convocação da caserna para a execução do serviço sujo.

Na primeira plateia, falava-se em democratização da mídia. Na outra, em liberdade de imprensa ameaçada. Pontos de vista opostos, ambos equivocados, conforme meus botões, embora o segundo seja ou hipócrita ou francamente néscio. Aqui a plateia acredita que liberdade se completa por si só, sem o corolário da igualdade, de sorte a se tornar, graças a tal ausência, na liberdade dos senhores de contar a história a seu talante.
 
Quanto à democratização da mídia, não sei o que exatamente significa. Bastaria aplicar por meio de leis específicas o que a Constituição determina com toda clareza contra o monopólio e o oligopólio. Sosseguem, leões: nosso Congresso nunca dará qualquer passo neste rumo. A democracia implica naturalmente uma mídia democrática. Precisaríamos é democratizar o Brasil.

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