sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Austeridade: impropriedade e falsidade

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Carta Maior, 23/10/2015


Especialista exibe falhas em estudo que levou a aplicar a austeridade na Europa



La Jornada



   Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff cometeram erros elementares, manipulação de dados e falhas no manejo do excel
 

As políticas de austeridade e redução do endividamento público aplicadas como suposta cura para a crise da dívida dos países da Zona Euro – que já se prolonga por anos e tem trazido estancamento econômico, crescimento da pobreza e níveis inéditos de desemprego, com mais de 27% da população da Espanha e da Grécia sem trabalho, enquanto a desocupação juvenil superando os 50%se basearam na tese de que reduzir o deficit fiscal era condição necessária para crescer.

Essa teoria foi elaborada por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, dois economistas da Universidade de Harvard que, em 2010, publicaram um artigo chamado “Crescimento em tempos de endividamento”, no qual afirmaram que quando a dívida pública supera os 90% do produto interno bruto (PIB) deixa de haver crescimento. A conclusão foi que a máxima prioridade deve ser a de reduzir o endividamento para poder crescer.

Os economistas de Harvard foram aclamados no mundo inteiro e reconhecidos entre os simpatizantes da disciplina fiscal, ganhando muita fama a partir da publicação – um ano antes do artigo – de um livro sobre as crises de dívida pública, que analisa o comportamento econômico de dezenas de países, num período de mais de 200 anos. O livro recebeu prêmios e homenagens, e foi tomado como uma obra referente em meio da crise financeira que, apesar de ter sua origem no setor privado, enfocou sua análise sobre o endividamento público.

O tal artigo foi publicado depois que Grécia se declarou em crise e solicitou o primeiro resgate financeiro internacional na Zona Euro, e aceitou em troca as estritas condições de austeridade e disciplina fiscal.

Status sagrado de guardiães da responsabilidade fiscal

Reinhart e Rogoff alcançaram rapidamente um status quase sagrado entre os autoproclamados guardiães da responsabilidade fiscal. “A afirmação sobre o ponto de inflexão não foi tratada como uma hipótese controvertida, mas como um fato inquestionável”, comentou o economista Paul Krugman num artigo.

O também professor de Princeton e vencedor do Prêmio Nobel de 2008 lembrou que um editorial do The Washington Post, do começo de 2013, alertava sobre um possível relaxamento a respeito do deficit, porque estamos perigosamente perto da marca de 90%, que os economistas considerariam uma ameaça para o crescimento econômico sustentável. Krugman indicou: “percebam a expressão usada, `os economistas´, não `alguns economistas´, pois não chamamos mais de `economistas´ aqueles que contradizem energicamente outros com credenciais igualmente boas”.

O artigo de Krugman (The Excel Depression, publicado no New York Times, em abril de 2013) se refere à análise realizada por Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, economistas da Universidade de Massachusetts que analisaram o estudo de Reinhart e Rogoff, tratando de repetir o exercício estatístico.

Os economistas de Massachusetts descobriram que seus colegas de Harvard cometeram erros elementares de estatística, manipulação de dados e falhas no manejo da folha de cálculo do conhecido programa Excel. Ao utilizar a mesma base de dados, encontraram que para os países com endividamento acima do 90% do PIB, a taxa de crescimento é positiva e superior a 2%, não negativa, como afirmaram Reinhart e Rogoff.

Foi um erro de codificação do Excel o que destruiu as economias do mundo ocidental?”, aponta Krugman, e esclarece: “devemos situar o fiasco de Reinhart e Rogoff no contexto mais amplo da obsessão pela austeridade: o evidentemente intenso desejo dos legisladores, políticos e especialistas de todo o mundo ocidental de dar as costas aos desempregados e, em troca, usar a crise econômica como desculpa para reduzir drasticamente os programas sociais.


Tradução: Victor Farinelli​


​Carta Maior, 23/10/2015


Austeridade: impropriedade e falsidade

 
PorJosé Carlos Peliano*



A vida nos ensina que não há resposta pronta para tudo. E mesmo que haja, cada caso é diferente do outro, seja pelo tempo transcorrido, pelo espaço onde se deu o caso, seja pela presença distinta de pessoas. Ainda que as pessoas sejam as mesmas, mas a cada dia a gente se vê, percebe ou sente algo diferente de tempos passados em nós mesmos.

Pois bem. Não há, portanto, o mesmo remédio para doenças aparentemente semelhantes ou, mesmo que sejam, os pacientes podem estar em situações de saúde diversas uns dos outros. A prescrição pode indicar à primeira vista o mesmo tratamento e remédios, mas o quadro geral, o exame clínico e mesmo a reação do paciente podem apontar soluções heterogêneas.

Saindo da saúde física para a econômica, a visão geral, nesse caso, é a mesma. A teoria econômica trata das relações entre os agregados, nos microssistemas ou macro-sistemas, lhes atribuindo comportamentos e reações observáveis e factuais.

Esse quadro geral é verdade desde que os cenários reais onde essas relações se deem se comportem e ajam da mesma maneira. É o modelo que tem que se adaptar à realidade e não a realidade ao modelo.

Caso contrário, não necessariamente é a teoria que não se aplica, mas sua aplicação pelos responsáveis pela política econômica é que deu água. Não foi analisada direito a situação, tampouco prescritos os remédios e tratamentos econômicos adequados.

Como os erros dos economistas nesses casos são verificados mais tarde pelo funcionamento da economia, até lá eles têm tempo para jogar muitas vezes a culpa noutros fatores fora daqueles atribuídos às suas próprias análises e prescrições.

Tomando o programa de austeridade levado a termo na economia brasileira nos dez primeiros meses pelo ministro da Fazenda, verifica-se uma fragrante incompatibilidade entre o que ele e sua equipe conceberam e os resultados concretos verificados até agora.

Os preceitos teóricos aplicados por ele e sua equipe e gente do FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e todo o resto de assessores, colaboradores, etc. e tal, são os mesmos. Os quadros analíticos deles são, sem tirar nem por, de fundamento único, monetarista.

Em situações, como a do Brasil, nas quais a demanda está pressionando os preços, juntamente com uma oferta reduzida, os investimentos contidos, o comércio externo entrando no vermelho, a receita fiscal reduzindo e o superávit primário aumentando, o diagnóstico deles é simples: economia asfixiada por consumo exagerado e preços altos. Nesse consumo entenda-se famílias e governo.

Solução invariável em todos os cantos do mundo: conter e cortar gastos públicos, incluindo ações e atividades; elevar juros referenciais e congelar salários, até mesmo demitir e adiar contratações. Em poucas palavras: dar um tranco nas atividades econômicas.

Essa receita purgativa, que muitos de nós já conhecem, torna as expectativas dos empresários de duvidosas para negativas; se antes não investiam porque não sabiam em que a política econômica iria apostar e apontar, agora entendem que a contenção e corte de gastos vai reduzir os espaços para novos projetos ou a continuação de antigos promissores.

A ponto de manietarem os empresários que quiserem, ainda assim, se atrever na expansão ou modernização das instalações produtivas e os consumidores atrás de novas aquisições, manutenções ou reparos. Mesmo que seja para sair na frente na crise e aguardar o retorno após. A elevação da taxa referencial de juros, que torna o dinheiro mais caro, restringe essas iniciativas.

A falta de perspectiva da economia diante da contenção e corte de gastos, investimentos e consumo torna o país num desfavorável atrativo para investimentos externos. A queda na entrada de moedas estrangeiras por conta disso eleva seus valores e derruba o real. A taxa de câmbio sobe e fica por lá.

Recebe a equipe econômica a ajuda da oposição na confirmação do estancamento da economia. A balbúrdia política que vêm fazendo para detonar a presidente com um impedimento encomendado fornece combustível e faísca para abalar a confiabilidade nas instituições brasileiras. Daí dispara ainda mais a taxa de câmbio.

A impropriedade dessas medidas se baseia no princípio, seguido pela equipe econômica, de que tudo se resume no desequilíbrio da quantidade de moedas. Ou seja, moeda em demasia em circulação favorece a demanda, aumentando o consumo e elevando os preços dos produtos – demanda maior que oferta.

Assim, a alternativa deles é tornar mais cara a moeda (o real) pelo aumento de juros e reduzir o consumo, não só pelos juros, mas também pelo corte de gastos públicos (consumo e investimento). A ideia deles é baixar a inflação e tornar o ambiente mais favorável aos investimentos e, após isso, o consumo.

Mas em assim fazendo, eles destroem postos de trabalho e provocam desemprego. Embora esse resultado atenda à redução da demanda pretendida, o custo social se eleva abusivamente, sem falar nos estragos da saúde física e mental dos trabalhadores e famílias.

Sem necessidade teórica e prática. Senão veja-se. Uma alternativa seria substituir a redução da dívida pública, através da venda de títulos no mercado, pela velha e conhecida emissão de moedas. Ao invés de controlar a demanda via taxa de juros, o governo poderia fazer o mesmo com o uso dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central e restrições monitoradas do crédito em geral.

Dessa forma, as expectativas dos empresários começariam a se tornar positivas, não haveria destruição de postos de trabalho, a demanda permaneceria a mesma ou pouco reduzida, mas com a perspectiva de novos projetos de investimentos e ampliações da capacidade produtiva existente, o que absorveria eventuais pressões de demanda.

Não haveria recuo da entrada de divisas para investimentos, tampouco os importadores não seriam sacrificados pela elevação da taxa de câmbio. Os exportadores continuariam do mesmo jeito de antes com suas pautas atendidas.

A falsidade do programa de austeridade reside no fato de que ele não é imparcial. Teoricamente até pode ser uma vez que se admite na análise que tudo o mais está invariável, incluindo a distribuição de renda. Ou seja, os consumidores tem níveis semelhantes de consumo e renda.

Assim, desde essa perspectiva, as variações nas agregações de consumo, investimento, poupança e nível geral de preços são as que importam para o estudo e a avaliação do quadro, da prescrição e dos remédios econômicos.

Mas não é assim na vida real. A desigualdade de renda no Brasil é marcadamente desigual, embora em descenso há uns 10 anos. Poucos abocanham mais da metade de toda a renda gerada. Logo a austeridade tende a desconstruir a situação econômica pré-existente, provocando aumento no grau de desigualdade, tornando a distribuição de renda ainda mais achatada na base.

A austeridade ao fim e ao cabo serve, no seu conjunto, somente para dar mais gás ao mercado financeiro, aos banqueiros, aos rentistas e aos especuladores. Esses não são afetados pela crise. O discurso de que todos devem pagar ou pagam com a retração econômica, até mesmo a recessão, é falsidade.
 

*Colaborador da Carta Maior​

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