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JusBrasil, 02/06/2015
Não somos ignorantes por acaso
Por Luiz Flávio Gomes*
“Cinco séculos antes de Cristo viveu Sócrates. Que tinha um amigo. Que resolveu ir ao templo de Apolo em Delfos e perguntar quem era o mais sábio dos gregos. Apolo não pensou duas vezes; era Sócrates. E isso criou um problema descomunal. Pois Sócrates, oleiro de ofício, sabia uma coisa só: que não sabia nada [“Só sei que nada sei”]. Era um ignorante. E um ignorante não pode ser sábio, muito menos o mais sábio. O deus tinha se enganado. Mas o deus não se engana. Por isso é deus. E Sócrates, o ignorante, levou o resto da vida procurando a sabedoria que não tinha, para não o desmentir”.[1]
“Cinco séculos antes de Cristo viveu Sócrates. Que tinha um amigo. Que resolveu ir ao templo de Apolo em Delfos e perguntar quem era o mais sábio dos gregos. Apolo não pensou duas vezes; era Sócrates. E isso criou um problema descomunal. Pois Sócrates, oleiro de ofício, sabia uma coisa só: que não sabia nada [“Só sei que nada sei”]. Era um ignorante. E um ignorante não pode ser sábio, muito menos o mais sábio. O deus tinha se enganado. Mas o deus não se engana. Por isso é deus. E Sócrates, o ignorante, levou o resto da vida procurando a sabedoria que não tinha, para não o desmentir”.[1]
Vinte e cinco séculos depois, o problema aqui é que nossa ignorância é planejada, programada, incentivada e até comemorada (pelas bandas podres das elites que dominam extrativamente o País). Três quartos da população brasileira são de analfabetos funcionais – não entendem o que lê ou não sabem fazer operações matemáticas mínimas (veja Inaf). Mais de 10 milhões são analfabetos absolutos. Quatro trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma produtividade de um norte-americano; quase três para alcançar a produtividade de um sul-coreano; dois para empatar com um chileno, com um russo ou com um argentino.[2]
A causa principal dessa defasagem na mão de obra qualificada é a ignorância do brasileiro, que estuda em média (e porcamente) apenas 7 anos (nos EUA, são de 12 a 13 anos). A escolarização, na sétima economia mundial, ainda está no mesmo nível do Zimbábue (mas aqui não é por acaso nem por falta de dinheiro). A ignorância do brasileiro decorre de uma peste original, que é o extrativismo (suga-se tudo que se pode sem pensar no todo, na nação). As nações extrativistas não contam com instituições econômicas e políticas abertas, inclusivas. Ao contrário, suas instituições são perversas, não inclusivas, extrativas.[3] A reforma política em andamento constitui um nefasto exemplo desse extrativismo.
Só podemos abandonar nossa condição de ignorantes quando buscamos na sabedoria. A sabedoria se conquista pela educação. Platão, discípulo de Sócrates, sabia disso (fundou então a Academia). Aristóteles, pupilo de Platão, criou o Liceu. A educação, para arrebatar a ignorância, é absolutamente indispensável (tanto quanto o pão). Gênero de primeiríssima necessidade. A escola pública de qualidade, em período integral, é o local onde enterramos nossa ignorância (assim como nossa falta de consciência crítica). Sem ela, mesmo com o advento das redes sociais – que normalmente apenas repetem ou incentivam nosso embrutecimento -, continuamos nas trevas, acreditando facilmente em coisas que não existem.
Toda tradição greco-romana-judaico-cristã ensina que a emancipação do humano (reivindicada ardorosamente pelo iluminista Kant) se faz pela educação. Os países e os povos não extrativistas (civilizados ou menos brutos, menos animalescos), desde a Idade Média, criaram suas escolas e Universidades para difundir a sabedoria (e criar uma massa crítica, assim como mão de obra qualificada).
O povo (em geral) que não tem acesso aos bons livros e à tecnologia de ponta, às escolas de qualidade e às Universidades de alto nível, está fadado a viver na ignorância e na miséria. Enquanto o mundo avançado (não extrativista) criava escolas e Universidades para todos, os ambivalentes jesuítas (que lutaram contra a escravidão dos indígenas, facilitando ao mesmo tempo a escravidão negra – os próprios jesuítas, desde o padre Nóbrega, tinham escravos e acreditavam na doutrina de Aristóteles da servidão natural dos povos inferiores)[4] dominaram o ambiente cultural da colonização portuguesa e aqui implantaram uma rígida e conservadora educação, sem livros, sem universidades e sem imprensa. O humanismo renascentista não chegou ao Brasil. Predominou o desejo de perpetuar a ignorância, que condicionou as perspectivas mentais do Brasil [até hoje, pode-se dizer].[5]
No Império foram criadas algumas faculdades (Olinda, São Paulo, RJ). A primeira universidade somente foi criada em 1920, no Rio de Janeiro (hoje UFRJ). Durante mais de 4 séculos proibimos as universidades. As escolas públicas continuam com qualidade deplorável. Os professores são desprestigiados. A produtividade do “Titanic” chamado Brasil hoje se equipara à de 1950. Isso reflete nosso baixo nível educacional, a falta de mão de obra qualificada, a falta de infraestrutura, poucos investimentos, baixo crescimento econômico, alta inflação, impossibilidade de competição com outros países de ponta, ridícula inovação e tecnologia atrasada. De qualquer modo, enfatize-se: não somos ignorantes por acaso.
Nos países extrativistas (como o Brasil) a carência de uma educação de qualidade é planejada, desejada e até comemorada pelas bandas podres das elites dominantes (econômicas e políticas), que extraem suas riquezas sem inquietações, sem contestações massivas, sem oposições numerosas com consciência crítica. Por tudo que nossas lideranças extrativistas fizeram até aqui (com a conivência ou passividade do povo ignorante que nem sabe “que nada sabe”), é mais do que previsível o fracasso (presente e futuro) do Brasil nos campos tecnológico, educativo, científico, inovação, econômico, competitivo, esportivo, político, democrático, judicial etc.
[1] D’AMARAL, Marcio Tavares. O Globo 30/5/15, Segundo Caderno, p. 2.
[2] Folha de S. Paulo 31/5/15, p. A25.
[3] Veja ACEMOGLU, Daron e ROBINSON, James. Por que falham as nações. Lisboa: Círculo de Leitores, 2013.
[4] Ver BUENO, Eduardo. Brasil – Uma História. Rio de Janeiro: Leya, 2012, p. 50-61.
[5] Ver BUENO, Eduardo. Brasil – Uma História. Rio de Janeiro: Leya, 2012, p. 53.
*Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]
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