segunda-feira, 22 de junho de 2015

Alemanha encara maior onda de greves em décadas



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Carta Maior, 22/06/2015


          

O despertar da Alemanha


 
Por Mark Bergfeld, do Jacobin


​Ao longo das últimas semanas, os sites de agências de notícias alemãs vêm publicando manchetes sensacionalistas como "Willkommen, Streikrepublik Deutschland" (Bem-vinda, República alemã da greve). O Süddeutsche Zeitung, o maior jornal diário da Alemanha, noticiou na capa o aumento vertiginoso na adesão sindical no país. E o The Guardian de Londres fez questão de publicar um artigo do famoso sociólogo alemão Wolfgang Streeck intitulado "As greves que varrem a Alemanha vieram para ficar".
 

Mas o que exatamente está acontecendo na Alemanha?

Em resumo, trata-se da maior onda de greves em décadas: apenas este ano, mais de 350.000 dias de trabalho foram perdidos em greves. Esse número foi de apenas 156.000 em todo o ano passado; em 2010, foram 28.000 dias.

Pilotos de avião, condutores de trem, trabalhadores dos correios, professores de pré-escola e enfermeiros, apenas para citar alguns, fizeram greve ou fazem neste momento. O movimento representa a maior ameaça ao modelo econômico alemão desde os protestos contra as reformas Hartz IV – que liberalizaram os mercados de trabalho – mais de dez anos atrás.

Durante gerações, os sindicatos alemães não se destacaram exatamente por sua militância. Entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970, enquanto o Reino Unido, a Itália e a França foram palco de ferozes conflitos industriais, a Alemanha viveu relativa calma. No modelo corporativista e de "parceria social" alemão, o destino dos trabalhadores estava claramente ligado à economia de exportação do país, e os sindicatos subordinavam seus interesses aos da empresa.

Por algumas razões, o modelo tem funcionado na Alemanha. A taxa de produtividade do país é muito alta, e os produtos para exportação mantêm-se relativamente baratos no exterior. Trabalhadores têm garantidos alguns direitos democráticos através da política de co-determinação, o que lhes permite eleger representantes para os conselhos de trabalhadores das empresas. E a taxa de sindicalização continua muito mais alta do que nos Estados Unidos, por exemplo.

No entanto, o modelo tem se sustentado às custas de arrocho salarial e diminuição das condições de segurança no trabalho. Enquanto muitos liberais americanos alardeiam que o modelo alemão, com sua falta de entraves, representa um sucesso, há um importante setor da população com baixos salários. Entre 1998 e 2008, o número de trabalhadores com contrato de tempo integral diminuiu em 800.000, enquanto o número de trabalhadores com empregos precários aumentou em 2,4 milhões. Em 2012, trabalhadores "atípicos" correspondiam a 21,2% da força de trabalho alemã. Hoje, mais de 2,6 milhões de pessoas têm dois empregos.
 

A adesão sindical se estabilizou, e o número de delegados sindicais nos locais de trabalho continua a diminuir. Apenas 58% da força de trabalho alemã são cobertas por um contrato coletivo de trabalho. Para piorar, o parlamento acaba de aprovar uma lei que visa a restringir o direito de organização e de greve.

Trata-se de um ataque direto a um dos principais grupos envolvidos na onda de greves: o sindicato dos condutores de trens, cuja greve de 34.000 membros demonstrou o poder do grupo de trabalhadores pequeno mas estruturalmente forte. Suas paralisações afetaram mais de seis milhões de passageiros e impediram a circulação de mais de 600 mil toneladas de matérias-primas e bens por dia. Cada dia de greve custou à empresa ferroviária cerca de 10 milhões de euros, e o prejuízo de cada dia de greve para a economia alemã foi de aproximadamente 100 milhões de euros.

Desde a privatização parcial da empresa ferroviária, os condutores de trem alemães recebem salários menores que os de seus homólogos europeus. Mesmo que suas reivindicações por um aumento salarial de 5%, pela redução da jornada de trabalho, melhores condições de trabalho, e pelo direito de representar outras categorias do transporte ferroviário fossem absolutamente razoáveis, foram recebidas com total hostilidade por políticos e pela imprensa (com algumas louváveis exceções), e até mesmo por setores do movimento sindical. (O fato de o sindicato dos condutores de trem não ser o sindicato oficial na confederação sindical tornou-os, junto com o líder Klaus Weselsky, um alvo fácil).

Enquanto os condutores de trem lutam por uma fatia maior do bolo, os trabalhadores hospitalares da Charité, em Berlim, querem assumir o controle da confeitaria.

No mês passado, os trabalhadores da Charité lideraram a maior greve hospitalar na história alemã quando fizeram uma paralisação de apenas dois dias. Eles não pediam mais dinheiro. Reivindicam equipes de saúde maiores por paciente, ao contrário da situação de sobrecarga atual.

Além disso, a greve retomou ações anteriores, já conduzidas pelo pessoal administrativo e de manutenção, entre outros. Trabalhadores da saúde têm sofrido o impacto da reestruturação neoliberal dos hospitais, e é nesta base que vêm construindo alianças bem sucedidas com grupos de pacientes, médicos, estudantes, iniciativas cidadãs e com o partido de esquerda Die Linke.

Professores da educação infantil exigem reconhecimento social do seu trabalho, e um aumento de 10% a 15%. As reivindicações geraram um debate público sobre como deveria ser a educação na primeira infância, e por que as desigualdades nos salários persistem: por que um homem qualificado ganha mais do que uma professora? E, se as elites políticas, assim como a chanceler Angela Merkel, reconhecem a importância da educação na primeira infância, por que os educadores não recebem remuneração adequada? Os professores de pré-escola não brincam com as crianças apenas, como muitas vezes se imagina. Seu trabalho é educativo.

A greve também questiona a política de austeridade fiscal Schwarze Null (Déficit zero), implementada pelo ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble e por Merkel. A meta do governo de evitar a todo o custo a dívida foi alcançada a um preço enorme. Cidades alemãs foram à falência, escolas estão caindo aos pedaços, e muitas pontes correm o risco de desabar.

Se os trabalhadores ganharem, esse modelo é que pode desabar. Municípios alemães teriam que pagar salários decentes aos seus trabalhadores pelos serviços prestados, e os trabalhadores poderiam, por sua vez, exercer pressão por serviços melhores e mais bem financiados. Mas com um processo de arbitragem – como ocorreu com os professores pré-escolares, no auge de sua greve – essa hipótese torna-se improvável.

É este desdobramento que deve nos fazer parar e pensar antes de tirar conclusões exuberantes sobre a agitação dos trabalhadores na Alemanha. Muitas oportunidades foram perdidas, e têm sido feitas demasiadas concessões nos últimos anos para imaginar uma guinada de 180 graus. Afinal, neste país, um funcionário sindical da IG Metall foi alçado à administração da Volkswagen, enquanto acionistas e proprietários discutem as estratégias.

O recurso à arbitragem, mesmo quando os envolvidos tinham o apoio dos pais e do público, parece confirmar a suspeita de que os sindicatos alemães continuam a apoiar o modelo de co-determinação, cujas promessas de justiça social têm sido questionadas. Hoje, a Alemanha é uma das sociedades mais desiguais da Europa. O crescimento econômico tem cobrado um preço humano e ambiental cada vez maior.

Até agora, as greves foram convocadas por grupos bem organizados de trabalhadores com longa tradição sindical. O setor com os mais baixos salários, por outro lado, tem se mantido à margem do movimento. Se as paralisações se espalharem, os trabalhadores em greve precisam arrancar ganhos dos patrões, para mostrar que travar a produção também é um método eficaz no contexto alemão – em vez de acreditar que a parceria social vai dar conta das contradições.

Este movimento pode ser o início de algo real se os trabalhadores ousarem romper a lógica que há muito domina a política sindical oficial na Alemanha. Afinal de contas, houve um tempo em que a língua oficial do movimento operário era o alemão.
 


Tradução de Clarisse Meireles​

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