sábado, 31 de janeiro de 2015

Permita-me rir





Tijolaço, 31 de janeiro de 2015




Petrobras “explica” balanço burro, irresponsável e irreal. É de chorar!



Por Fernando Brito
 
 
 
 
A Petrobras apresentou ontem “esclarecimentos” sobre as avaliações contábeis do prejuízo trazido pelas roubalheiras da turma de Paulo Roberto Costa.

Seriam motivo para a demissão sumária de sua direção, se a mídia não fosse transformar isso num gesto para “abafar” o registro de prejuízos – que certamente existiram – e que foi “contabilizado” de maneira tão absurda que produziram que não dizem rigorosamente nada, exceto confusão e desprestígio da companhia.

A contabilidade, qualquer que sejam os métodos utilizados, serve para refletir, com bom grau de realismo, a situação econômica de uma empresa, uma instituição, na íntegra ou em uma de suas unidades orçamentárias. E como a realidade, afinal de contas, é uma só, procedimentos contábeis devem produzir, portanto, resultados semelhantes, próximos a ela. No entanto, a Petrobras anunciou que aplicou “duas metodologias”.

Uma, a que estimou a alegada propina de 3% informada por Paulo Roberto Costa, estimou que, em todos os oito anos de sua passagem pela direção da empresa, o roubo teria sido de R$ 4,06 bilhões, considerando todos os contratos firmados com 23 empresas mencionadas nos depoimentos.

A outra, que chamaram de metodologia de “valor justo” é o que a IASB (International Accounting Standards Board, a entidade mundial da Contabilidade) chama de “impairment”: o valor de venda de um ativo ou de uma unidade geradora de caixa numa transação sem favorecimentos. E por essa conta, a baixa seria de R$ 88 bilhões.

Como um método resulta em 22 vezes o valor do outro, claro que um deles – e mais provavelmente, ambos – estão erradosE, se estão errados, não prestam para coisa alguma, senão para estabelecer confusão e desinformação.

Vamos ao primeiro: Se as empreiteiras pagavam 3% a Costa, de onde vinham estes 3%. Do lucro legítimo que tinham com o projeto (lembrem-se que são projetos milionários), ou de sobrepreço colocado nos orçamentos e também nos aditivos. No primeiro caso, se não houve sobrepreço, o prejuízo para a empresa é zero.

No segundo, a origem do problema está em toda a área de orçamento da empresa, que produziu estimativas de contratação acima do valor necessário ou, em algum ponto da cadeia de construção de orçamentos, alguém “ajeitou” a maior os valores. Neste caso, seria preciso auditar cada processo que instrui os contratos, verificar os critérios de precificação à época em que foram firmados e os responsáveis (em geral vários funcionários) pela fixação de cada preço unitário (p. ex.: custo do m³ de terraplenagem, concreto, equipamentos, etc). Ou se entrou, depois de estabelecidos os valores, uma “mão de gato” para aumentá-los, administrativamente ou, no caso de cartel, com apresentação apenas de propostas em valor superior ao admitido, para forçar novas rodadas, com elevação do teto aceitável.

E a tese do “impairment”, o valor justo? Ela esbarra na própria definição do método: o de estabelecer o valor de venda.

Qual é o “valor de mercado” de uma refinaria? Quanto vale uma torre de fracionamento? Ou uma unidade de gases?  Neste valor, certamente, está embutida a sua capacidade de gerar lucro, o que – é evidente – varia com as condições do mercado do petróleo, do qual nem é preciso falar como está hoje.

Na nota “explicativa”, a Petrobras lista nove variáveis que interferem na formação deste preço, mesmo nem sequer mencionando a dificuldade de precificar instalações incomuns, que não podem ter seu valor de mercado calculado como o do metro de cambraia, que você vai na Rua da Alfândega e vê a quanto está sendo vendido. Das nove variáveis , oito são as seguintes, que nada têm a ver com corrupção:

i. mudanças nas variáveis econômicas e financeiras tais como taxa de câmbio, taxa de desconto, indicadores de risco e custo de capital;
ii. mudanças nas projeções de preços e margens dos insumos;
iii. mudanças nas projeções de preços, margens e demanda dos produtos comercializados;
iv. mudanças nos preços de equipamentos, insumos, salários e outros custos correlatos;
v. deficiências no planejamento do projeto (engenharia e suprimento);
vi. contratações realizadas antes da conclusão do projeto básico;
vii. cláusulas contratuais inadequadas às alterações de escopo: aditivos de prazo e valor;
viii. atrasos e ineficiência na execução da obra, inclusive por fatores ambientais;

Só a nona (“cartelização de fornecedores: corrupção e sobrepreço”) guarda relação com o que, em tese, se pretendia apurar.

Portanto, o método é totalmente inepto para o que se dizia pretender, embora a contabilidade por “impairment” não seja uma estupidez. Ao contrário, é adequado para muitas coisas, mas não para isso, pelas razões que se listou.

Quem quiser saber mais sobre este método contábil vai encontrar boa leitura no trabalho dos professores Sérgio de Iudícibus e  Eliseu Martins
Embora ardorosamente defensores do método, eles reconhecem que “o grau de subjetividade dos cálculos de fluxos descontados, quando não existir mercado ativo (para os bens avaliados), beira quase a não aceitabilidade, sob o ponto de vista de um mínimo de objetividade e consistência”.

Não vou mais cansar o leitor e a leitora com explicações. Fique claro que não se questiona o rigor técnico dos profissionais que fizeram as contas, eles certamente têm competência para isso. O que se questiona é o que a direção da empresa quis ao produzir algo confuso e, como ela própria reconheceu, imprestável. E pior, sem considerar o tamanho do desastre “midiático”.

A Folha, comentando  a reação da Presidenta Dilma Rousseff ao saber da trapalhada que aprontou o comando da empresa, que provocou muito mais perdas com esta estultice que os roubos de Paulo Roberto Costa, teria dito “permita-me rir”, tão inacreditável era. Porque é, de fato, de chorar que isso tenha sido tratado assim.

Parece obra de inimigo da Petrobras, porque empresa alguma, no mundo, se exporia a isso, apresentando um número pior, muitíssimo pior, do que o já nojento prejuízo com as maracutaias.

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