http://www1.folha.uol.com.br/
Folha.com. 11/01/2015
Por Clóvis Rossi
O Alcorão não é culpado pelo terrorismo, mas alguns de seus pregadores o são, pelo seu fanatismo.
À parte o politicamente correto, sejamos pelo menos pragmáticos: se o islamismo fosse intrinsecamente violento, haveria 1,6 bilhão de bombas humanas espalhadas pelo planeta, que tantos são os praticantes da religião. E, se fosse assim, qualquer hipótese de convivência estaria arruinada.
Os acontecimentos da semana na França só levam água ao moinho do argumento pragmático: embora o país abrigue o maior número de muçulmanos entre seus pares europeus, praticamente ninguém saiu em auxílio dos terroristas que atacaram o "Charlie Hebdo". Apenas um casal tentou apoiá-los na fuga, quando já estavam cercados.
Se houvesse uma violência intrínseca ao islamismo, o lógico era que multidões saíssem em socorro dos que se autoproclamaram vingadores do profeta.
Torna-se inevitável concordar com Yascha Mounk, pesquisador da "New America", instituição dedicada a "renovar a política norte-americana", quando ele escreve para a "Slate": "O terrorismo do Estado Islâmico e da Al Qaeda não define o islã mais do que as Cruzadas ou a Inquisição definem o cristianismo".
Estabelecido o ponto, passemos ao raciocínio seguinte de Mounk: "Mas, assim como nenhum historiador pode encontrar sentido na natureza das Cruzadas sem encarar seriamente as crenças religiosas de seus protagonistas, assim também é impossível encontrar sentido no terrorismo islâmico sem considerar seriamente as motivações religiosas daqueles que o perpetram".
Tradução minha: o Alcorão, assim como os textos básicos de todas as religiões, pode ser interpretado de diferentes maneiras e, portanto, fornecer argumentos para o amor ou para o ódio.
Tome-se, por exemplo, o seguinte trecho do livro sagrado dos muçulmanos: "Quem mata uma pessoa, sem que haja cometido um crime ou semeado a corrupção na Terra, é como se tivesse matado toda a humanidade".
Um muçulmano racional diria que os matadores do "Charlie Hebdo" mataram toda a humanidade e são, portanto, execráveis. Mas um clérigo fanático ensinaria que os cartunistas semearam a corrupção na Terra ao ridicularizar o profeta, e, portanto, deveriam ser mortos.
O ponto aqui, se se quer combater o terrorismo, é cercar os profetas do ódio, disseminados nas comunidades muçulmanas e que os serviços de inteligência têm a obrigação de saber quem e quantos são e onde estão. As autoridades religiosas muçulmanas também precisam contribuir para esse cerco, sob pena de aumentar ainda mais a já inquietante islamofobia.
Segundo o "Coletivo contra a Islamofobia na França", o número de atos violentos contra muçulmanos aumentou 47% de 2012 para 2013 e deve ter batido o recorde em 2014.
Fecho de novo com Mounk, que, como judeu, teria em tese motivos para ser islamofóbico:
"Muitas das pessoas que atacam muçulmanos com base na afirmação de que eles não querem aceitar valores liberais estão elas próprias rejeitando o mais básico dos credos liberais, o de que alguém deveria ser aceito como membro pleno de uma nação independentemente da cor de sua pele ou de seu credo".
http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/mundo/203514-extremista- domestico-e-a-maior-ameaca. shtml
Nem todo profeta é santo
Por Clóvis Rossi
O Alcorão não é culpado pelo terrorismo, mas alguns de seus pregadores o são, pelo seu fanatismo.
Os acontecimentos da semana na França só levam água ao moinho do argumento pragmático: embora o país abrigue o maior número de muçulmanos entre seus pares europeus, praticamente ninguém saiu em auxílio dos terroristas que atacaram o "Charlie Hebdo". Apenas um casal tentou apoiá-los na fuga, quando já estavam cercados.
Se houvesse uma violência intrínseca ao islamismo, o lógico era que multidões saíssem em socorro dos que se autoproclamaram vingadores do profeta.
Torna-se inevitável concordar com Yascha Mounk, pesquisador da "New America", instituição dedicada a "renovar a política norte-americana", quando ele escreve para a "Slate": "O terrorismo do Estado Islâmico e da Al Qaeda não define o islã mais do que as Cruzadas ou a Inquisição definem o cristianismo".
Estabelecido o ponto, passemos ao raciocínio seguinte de Mounk: "Mas, assim como nenhum historiador pode encontrar sentido na natureza das Cruzadas sem encarar seriamente as crenças religiosas de seus protagonistas, assim também é impossível encontrar sentido no terrorismo islâmico sem considerar seriamente as motivações religiosas daqueles que o perpetram".
Tradução minha: o Alcorão, assim como os textos básicos de todas as religiões, pode ser interpretado de diferentes maneiras e, portanto, fornecer argumentos para o amor ou para o ódio.
Tome-se, por exemplo, o seguinte trecho do livro sagrado dos muçulmanos: "Quem mata uma pessoa, sem que haja cometido um crime ou semeado a corrupção na Terra, é como se tivesse matado toda a humanidade".
Um muçulmano racional diria que os matadores do "Charlie Hebdo" mataram toda a humanidade e são, portanto, execráveis. Mas um clérigo fanático ensinaria que os cartunistas semearam a corrupção na Terra ao ridicularizar o profeta, e, portanto, deveriam ser mortos.
O ponto aqui, se se quer combater o terrorismo, é cercar os profetas do ódio, disseminados nas comunidades muçulmanas e que os serviços de inteligência têm a obrigação de saber quem e quantos são e onde estão. As autoridades religiosas muçulmanas também precisam contribuir para esse cerco, sob pena de aumentar ainda mais a já inquietante islamofobia.
Segundo o "Coletivo contra a Islamofobia na França", o número de atos violentos contra muçulmanos aumentou 47% de 2012 para 2013 e deve ter batido o recorde em 2014.
Fecho de novo com Mounk, que, como judeu, teria em tese motivos para ser islamofóbico:
"Muitas das pessoas que atacam muçulmanos com base na afirmação de que eles não querem aceitar valores liberais estão elas próprias rejeitando o mais básico dos credos liberais, o de que alguém deveria ser aceito como membro pleno de uma nação independentemente da cor de sua pele ou de seu credo".
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Folha.com, 11/01/2015
Extremista doméstico é a maior ameaça
PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO
Extremistas domésticos treinados na Síria, Iraque e Iêmen se tornaram a grande ameaça terrorista no mundo. Segundo especialistas ouvidos pela Folha, devem se multiplicar nos próximos meses os ataques perpetrados por indivíduos que são treinados nessas nações e voltam para seus países para cumprir "missões".
Na mira, cada vez mais, os "soft targets" (termo militar que se refere a alvos civis e sem grande proteção armada) como os atingidos recentemente: a Redação do jornal satírico "Charlie Hebdo" e o Museu Judaico em Bruxelas, ocorrido em maio de 2014.
A União Europeia estima que 3.000 europeus e 100 americanos foram para a Síria para se unir a jihadistas. Só da França, foram 1.200.
"Houve um grande aumento no número de muçulmanos europeus que, sentindo-se marginalizados, vão para o exterior para ser treinados e receber recursos de grupos como Al Qaeda e Estado Islâmico, e voltam para cometer atentados", disse Victor Asal, diretor do projeto sobre conflitos violentos da Universidade Estadual de Nova York.
Antes dos atentados de 11 de Setembro, ele explica, o terrorismo estava focado principalmente em alvos no Oriente Médio. Depois dos ataques em Nova York, houve um aumento nos atentados em países fora da região.
Mas a maioria dos ataques, como os de Madri, eram cometidos por estrangeiros. Nos últimos quatro anos é que cresceu a atuação dos militantes domésticos.
Um dos autores do ataque ao "Charlie Hebdo", Chérif Kouachi, 32, era filho de imigrantes argelinos e nasceu em Paris. Foi preso em 2008 acusado de enviar jihadistas para combater no Iraque. Na prisão, conheceu Djamel Beghal, recrutador de Osama bin Laden. Em 2011, o irmão de Cherif, Said, esteve em campo da Al Qaeda no Iêmen.
A grande questão é como monitorar esses extremistas. O governo francês anunciou medidas para impedir a ida de franceses para campos de batalha islâmicos. Na França, o desafio é enorme -são 6 milhões de muçulmanos.
Lidar com os "soft targets" é outro obstáculo. "Não queremos ter um estado policial, em que todos os potenciais alvos são intensamente vigiados", diz Asal. Segundo ele, isso seria terrivelmente invasivo e caro.
"É impossível monitorar telefonemas e e-mails de milhões de muçulmanos", diz Michael Nacht, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-vice secretário de Defesa dos EUA. "Ainda mais agora, que a NSA teve sua capacidade de coletar dados prejudicada, após o escândalo de espionagem."
Para ele, falta coordenação entre os serviços de inteligência. "Um dos irmãos Kouachi estava na "no-fly list" dos EUA", diz, em referência à lista de proibidos de entrar no país. A França monitorou Cherif por um tempo, mas depois julgou que ele não era ameaça.
Para ele, seria indicado monitorar de perto pessoas que passam temporadas no Iêmen, na Síria e no Iraque. "Não é que essas pessoas estejam indo de férias para o Rio ou a Riviera Francesa, eles estão indo para se radicalizar e, na volta, matar."
Uma das perguntas mais frequentes nos últimos dias foi como os serviços de inteligência os perderam de vista. "É recorrente a cada atentado: sempre concluímos depois que tínhamos todas as informações que permitiriam impedi-lo, mas não conseguimos reuni-las e interpretá-las a tempo", disse à Folha Alain Bauer, autor do livro "Le Terrorisme pour les nuls" ("O Terrorismo para idiotas"). Monitorar um suspeito de terrorismo pode demandar o envolvimento de até 20 pessoas.
O pior é que, para os jihadistas, o ataque ao Charlie Hebdo é uma inspiração.
A Al Qaeda perdeu seus principais líderes, como Osama bin Laden, e não fez ataques de peso nos últimos tempos. O EI, em contrapartida, conquistou enormes territórios na Síria e no Iraque.
Há uma enorme competição entre as duas organizações para arrecadar recursos e recrutar militantes. "O ataque foi muito bem-sucedido e será um incentivo para essas organizações tentarem de novo", diz Nacht.
Colaborou GRACILIANO ROCHA, em Paris
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