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Cinegnose, 9 de janeiro de 2015
O atentado ao "Charlie Hebdo" foi um filme mal produzido?
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como em todos eventos agudos que envolvem a interminável “guerra contra o terrorismo”, muitos analistas apontam inconsistências, ambiguidades e lacunas na cobertura midiática ao atentado contra o jornal "Charlie Hebdo" em Paris. São tantas que parece que estamos diante de um roteiro de um filme mal produzido: uma ação militar profissionalmente cirúrgica feita por jovens que esquecem um cartão de identidade no carro da fuga. Coincidências e conveniências para muitos lados (e até para a grande mídia brasileira) envolvem a chacina dos jornalistas e cartunistas franceses, gerando uma espiral de especulações e conspirações. Será que alcançamos o estágio mais avançado do terrorismo, o “meta-terrorismo”? O relato midiaticamente ambíguo de um atentado pode se tornar tão letal quanto o próprio atentado.
Como diria a personagem Church Lady (feita pelo comediante Dana Carvey no programa Saturday Night Live, sempre preocupada com as conspirações satânicas por trás das coincidências): “How Con-VEEN-ient!” (“Quão conVEEEniente!”).
Numa primeira análise, o ataque terrorista (alguns afirmam que foi na verdade uma ação militar pela precisão) ao jornal satírico francês Charlie Hebdo em Paris, que vitimou 12 pessoas entre eles cartunistas, editores e colunistas do veículo francês, tem se revelado bem conveniente para três personagens do atual cenário internacional e, de quebra, para o senso de oportunismo da grande mídia brasileira:
(a) Para o politicamente desgastado presidente da França François Hollande – 85% dos franceses declaram que Hollande não deveria se candidatar à reeleição e 50% o acusam de não cumprir promessas da campanha, segundo o Instituto Francês de Opinião Pública. Com a economia estagnada e falando para a mídia em “pacto de responsabilidade” onde cada um teria sua cota de sacrifício (aumento de taxação e redução dos custos dos trabalhos), Hollande acenava com “união” para uma “França forte”. Medo e infelicidade são importantes ingredientes para a unificação diante de um suposto inimigo externo. O 11 de setembro nos EUA provou isso.
(b) Para o fascismo europeu – com dezenas de milhares indo às ruas das capitais europeias desde o ano passado no movimento chamado Pegida (sigla em alemão para Europeus Patriotas Contra a Islamização do Ocidente), isso sem falar no crescimento eleitoral da extrema-direita de Marine Le-Pen na França, o atentado dá forças à xenofobia alimentada pela crise econômica continental. O atentado cairia midiaticamente como uma luva pois representaria um ataque àquilo que supostamente distinguiria o Ocidente do “obscurantismo” islâmico: a liberdade de expressão.
(c) Para os EUA – Enquanto em Paris os supostos terroristas faziam uma chacina na redação do Charlie Hebdo, um carro bomba explodia em frente à Academia de Polícia no centro de Saná, capital do Iêmen, resultando em 37 mortos. Informou-se que o braço jihadista da Al-Qaeda do Iêmen reivindicou a autoria. Quase ao mesmo tempo em Paris, os terroristas encapuçados gritavam na rua para todos que pudessem ouvir: “Digam para a imprensa que somos da rede Al-Qaeda do Iêmen”.
“A importância estratégica da região entre o Iêmen e a Somália torna o ponto de interesse geopolítico. Lá está o estreito de Bab el-Mandeb, um dos sete pontos que os EUA consideram gargalos para o transporte de petróleo – um gargalo entre o cabo da África e Oriente Médio, e uma ligação estratégica entre o Mar do Mediterrâneo e o Oceano Índico”.
O impactante atentado de uma suposta ramificação da Al-Qaeda no Iêmen seria um pretexto perfeito para a militarização da águas em torno de Bab el-Mandeb pelos EUA ou OTAN. Os EUA buscam o controle desses gargalos críticos no mundo. Essa região seria estratégica em um futuro próximo pela possibilidade de controle do petróleo para a China, União Europeia ou qualquer região que se oponha à política norte-americana.
(d) Para a grande mídia brasileira – diante do fantasma da regulamentação midiática através da possibilidade da implementação Lei dos Meios, oportunisticamente colunistas brasileiros dão o ponta pé inicial na transformação do atentado em combustível para sua agenda. Diogo Mainardi e Felipe Moura Brasil, por exemplo, tentam associar a tragédia de Paris a uma onda ofensiva contra a liberdade de imprensa do qual faria parte “os ataques petistas”.
E ainda, a inacreditável "jornalista" Rachel Sherazade, em comentário na Rádio Jovem Pan, comparou a revista Veja ao Charlie Hebdo. Para ela, o veículo estaria sendo vítima não do radicalismo islâmico, mas do "radicalismo de esquerda".
E ainda, a inacreditável "jornalista" Rachel Sherazade, em comentário na Rádio Jovem Pan, comparou a revista Veja ao Charlie Hebdo. Para ela, o veículo estaria sendo vítima não do radicalismo islâmico, mas do "radicalismo de esquerda".
Um filme mal produzido?
Para Boorstin, um dos critérios para podermos diferenciar um pseudo-evento de um “evento produzido por Deus” é a sua “ambiguidade” em relação à realidade subjacente. Enquanto diante de um evento real (terremotos, enchentes, desastres aéreos) o interesse está em saber o que aconteceu e as consequências, no pseudo-evento há uma ambiguidade presente através de inconsistências, detalhes inverossímeis e conveniências ou coincidências que tornam o evento noticiável. O pseudo-evento obedece o timing dos ritmo midiático da transmissão das notícias.
Somado ao timing e conveniência a múltiplos interesses que o atentado veio aparentemente de forma involuntária atender, acrescenta-se uma narrativa com diversas ambiguidades. Um roteirista de cinema experiente condenaria a produção como um filme mal produzido. Vamos analisar sete das inúmeras ambiguidades que analistas e teóricos da conspiração estão discutindo:
(a) Apesar da proximidade do Centro de Paris, as ruas próximas ao atentado estavam vazias. O atentado ocorreu no primeiro dia dos “Soldes” (temporada de liquidação de inverno dos saldos do Natal que ocorre de 7 de janeiro a 17 de fevereiro), caracterizado pelo frenesi de turistas, grande movimentação de carros. O Citroën dos terroristas estava parado no meio da rua. Particularmente nesses dias de “Soldes” você não consegue ficar parado sem, em questão de segundos, formar-se uma fila de carros;
(b) A suposta execução de um policial numa calçada de concreto foi um ato arriscado para o terrorista: ninguém atira numa superfície de concreto, a não ser que queira ser morto por um ricochete;
(c) Problemas com o “figurino” dos policiais: intrigante é que os policiais anti-terroristas não estavam com capacetes e máscaras. Aparecem no vídeo com boné e roupa casual;
(d) O ponto positivo cinemático é o bom efeito de realidade conseguido com a imagem da execução do policial ferido e indefeso caído na calçada. Apesar do fator inverossimilhança (o ricochete da bala), o roteirista deve ter achado necessário inserir uma imagem de execução, já que as imagens liberadas para as redes de TV do mundo seriam muito “frias” – apesar das informações de 20 vítimas (mortos e feridos) simplesmente não vemos urgência: apenas duas ambulâncias e a foto de uma pessoa ferida. Não há declaração de testemunhas oculares.
A imagem da execução do policial consegue dar uma amostra da suposta crueldade e frieza dos terroristas que invadiram uma redação para matar um por um por chamada através do nome de cada vítima. Comparado com as imagens do atentado de 11 de setembro em Nova York, lá houve mais esmero na produção: um grande número de “extras” correndo em pânico pelas ruas e imagens apocalípticas de urgência ;
(e) A narrativa é extremamente conveniente para as autoridades: policiais encontram um documento de identificação de um dos terroristas no Citroën abandonado ruas acima. Mas com que diabos, por que terroristas do braço iemenista da Al-Qaeda andam com documentos de identidade?
(f) O suposto “atentado terrorista” foi, na verdade, uma “cirúrgica” ação militar metodicamente planejada contra vítimas pré-selecionadas. Foram treinados militarmente, o que, pela logística de assalto demonstrada (proteção em “ala” – quem não dispara “gira”, fechando a saída do alvo – deslocam-se para o veículo de fuga sem correr, atiraram bem com fuzis sem extensão de ombro e apoio axilar), não se encaixam com o perfil que a mídia agora começa a fazer dos jovens – o mais novo dos irmão Kouachi era fã de rap (vídeo dele em shows agora são exibidos), “um aprendiz de perdedor” como declarou seu antigo advogado Vincent Ollivier, limítrofes sociais que viviam de bicos em pizzarias e peixarias.
Surgem informações que ficaram alguns meses no Iêmen sendo treinados (sim! sempre Iêmen), o que lembra o script do atentado de 11 de setembro – os terroristas que jogaram o Boeing 747 contra o WTC teriam feito um curso em um Aeroclube na Flórida...
Convenientemente um dos atiradores deixa sua identidade
Uma ação militar precisa com o modus operandi de mercenários ou profissionais a serviço da CIA ou Mossadi levada a cabo por jovens que esquecem o cartão de identidade no carro da fuga... o que lembra o erro crasso de todo roteiro mal feito, chamado pelos roteirista de “Deus ex-machina” – termo para designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade na narrativa para solucionar becos sem saída em roteiros mal conduzidos.
(g) Embora caricato e canastrão, o roteiro segue o padrão “sujos, feios e malvados” para caracterizar os protagonistas: a aproximação metonímica entre rap, muçulmanos e armas russas (nas primeiras informações da grande mídia destacava-se que os terroristas teriam utilizado “armas russas”). Por isso, os protagonistas se encaixam no padrão RAV hollywoodiano: Russos, Árabes e Vilões em geral. Se o episódio fosse no Brasil, o perfil dos terroristas certamente seria o de funqueiros.
Teorias Conspiratórias
Todas essas ambiguidades estão ajudando a turbinar duas principais teorias conspiratórias: o “Trabalho Interno” (Inside Job – governos estimulam ou permitem determinada ação do inimigo pela conveniência das consequências - algo como foi o ataque de Pearl Harbor para os EUA na II Guerra Mundial) e a teoria da “Falsa Bandeira” (False Flag – operação conduzida por governo, corporação ou organização que simula serem ações do inimigo para tirar proveito das consequências resultantes):
(a) Foi um “Trabalho Interno” – os supostos terroristas sabiam quando e como atacar a sede do Charlie Hebdo. Todos foram assassinados juntos, em uma reunião de pauta do jornal. Os funcionários mais importantes do veículo estavam lá reunidos naquele momento. Os “terroristas” lidaram com a situação como profissionais, o que contraria a prática até aqui do terrorismo – destruição e mortes em larga escala para produzir pânico e repercussão midiática. Foi um assassinato. Os teóricos dessa linha se perguntam: como os terroristas sabiam que os mais importantes nomes do Charlie Hebdo estariam lá, reunidos naquele momento?
(b) Foi uma “Falsa Bandeira”- a equipe do jornal estava sob sistemática proteção policial desde 2013 e o editor Stephanie Charbonnier (Charb) estava numa hipotética lista negra da Al-Qaeda. Como, então, foi possível uma ação metodicamente planejada? Os teóricos dessa linha levantam a questão de que no vídeo não há tráfego visível no centro de Paris. Onde foram parar as armas da ação e para onde foram as balas da execução do policial? Ao explorar a teoria da Falsa Bandeira é impossível não trazer à tona a ação de mercenários contratados por agência como CIA ou Mossad. Alguns mais radicais falam de simulação cenográfica pura e simples, assim como teria ocorrido no atentado à Maratona de Boston em 2013.
Hipóteses finais
A narrativa informada pela grande mídia sobre o atentado ao Charlie Hebdo está tão carregada de lacunas, ambiguidades e inverossimilhanças que podem resultar em duas hipóteses:
(a) Estamos diante de mais uma peça de propaganda dominada pela canastrice dos atuais dispositivos de propaganda: vídeos e mensagens excessivamente saturadas, over, melodramáticos (imagine a cena da funcionaria chegando com sua filha pequena e coagida pelos terroristas armados a digitar o código que abria a porta do jornal) e com “appeal” ou “look” semelhante às produções medianas de Hollywood. Hipótese comprovada pela estereotipagem RAV dos supostos terroristas.
(b) Hipótese ainda mais sinistra: as ambiguidades e lacunas foram propositalmente deixadas na produção. Desde os estudos feitos por Gordon Allport e Leo Postman em 1947 (leia A Psicología del Rumor, Psique, 1988), o fator ambiguidade é considerado o fator mais importante na transformação de uma informação em boato ou meme. A dúvida entre a realidade e a mentira dá ainda mais alcance à notícia, produzindo uma espiral especulativa. Portanto, estaríamos diante de um meta-terrorismo: um terrorismo autoconsciente onde o relato midiaticamente ambíguo do atentado se torna mais uma arma letal.
DCM, 9 de janeiro de 2015
O papel dos Estados Unidos em tragédias como a do Charlie Hebdo
Por Paulo Nogueira
Você lê na mídia ocidental que os terroristas islâmicos que massacraram a turma do Charlie Hebdo foram “radicalizados” por este ou aquele clérigo muçulmano fanático.
Esta é a melhor maneira de não enxergar o real problema.
Nada leva tanto ao terror jovens muçulmanos ao redor do mundo quanto a política de destruição contra o mundo árabe comandada pelos Estados Unidos e seguida cegamente pelos seus aliados europeus, como Reino Unido, Alemanha e França.
Uma coisa, e apenas uma, move os americanos e seguidores em sua predação: o petróleo.
Há, ou houve, o argumento hipócrita de que o que se deseja é levar a “democracia” aos países árabes.
Democracia uma ova, para usar a expressão de Luciana Genro. O objetivo é o petróleo, o petróleo e ainda o petróleo. A qualquer preço.
A pilhação ocidental é antiga.
Estados Unidos e Inglaterra se uniram, no começo da década de 1950, para derrubar um líder iraniano, Mossadegh, que ousara desejar uma partilha mais justa do petróleo do Irã.
Os historiadores registraram a fala de um ministro inglês para justificar a sabotagem contra Mossadegh: não seria possível proporcionar aos ingleses o mesmo nível de vida com uma divisão diferente dos lucros derivados do petróleo iraniano.
Este foi o padrão de conduta ocidental no Oriente Médio desde então.
Mais recentemente, outra vez Estados Unidos e Inglaterra se aliaram numa operação macabra: a Guerra do Iraque.
Sabe-se hoje que os argumentos utilizados por Bush e Blair para justificar a guerra foram falsos. O Iraque não tinha armas de destruição em massa, ao contrário do que afirmaram Bush e Blair, dois verdadeiros criminosos de guerra.
O Iraque foi simplesmente destruído: crianças, mulheres, velhos, nada e ninguém foi poupado.
As bombas ocidentais não escolhem alvos.
É infalível: onde os ocidentais se metem com seus propósitos “civilizatórios”, as coisas pioram para os nativos.
A vida na Líbia sob Gadaffi era muito melhor do que é hoje, e os iraquianos sob Saddam viviam num paraíso comparado ao inferno que enfrentam hoje.
Imaginava-se que, com Obama, as coisas melhorariam.
Nada. Obama aumentou o uso de drones (aviões não tripulados, controlados à distância) para bombardear países do Oriente Médio.
A justificativa era matar extremistas, mas os drones têm ceifado rotineiramente milhares de vidas inocentes.
Essa chacina cotidiana não é notícia no Ocidente. É como se os mortos árabes não importassem, gente de uma subespécie não comparável aos guardiões da civilização ocidental.
Mas você pode avaliar o ódio e a vontade de vingança que vão se acumulando nas pessoas que, lá longe, testemunham as atrocidades.
É uma corrente de raiva que acaba tocando também jovens muçulmanos que vivem em países ocidentais.
É dentro desse quadro explosivo que surgem tragédias como a do Charlie Hebdo ou, mais para trás, da Maratona de Boston.
Ou, ainda mais para trás, a do 11 de Setembro.
Enquanto o Ocidente pilhar e destruir os países árabes, o terreno para a radicalização de jovens muçulmanos estará sempre fértil.
Há uma fórmula certeira para acabar com a fábrica de extremistas: os americanos e aliados darem o fora dos países árabes.
Mas quem quer falar disso?
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