domingo, 18 de janeiro de 2015

Jihad: Não são necessariamente os mais pobres e discriminados que mais se mobilizam



 
 



O Globo.com, 18/01/2015



Isolamento e depressão empurram britânicos instruídos para a jihad



Por Vivian Oswald / Correspondente



LONDRES - Esta semana, High Wycombe — 50 quilômetros a oeste de Londres — voltou aos noticiários. Não pela tradicional indústria de móveis que trouxe reconhecimento à antiga cidade-mercado, mas pelo tema que se tornou motivo de preocupação recorrente entre os seus 120 mil habitantes e o resto do Reino Unido: a radicalização. O jovem Shabazz Suleman, de 19 anos, ex-aluno exemplar da prestigiosa Royal School of Grammar, teria, de fato, se juntado às forças do Estado Islâmico (EI) na Síria, após ser preso na Turquia e trocado com cerca de 200 outras pessoas por aproximadamente 49 prisioneiros turcos em poder do grupo terrorista, segundo o próprio teria dito ao jornal "The Times".

Na conversa com o periódico britânico pela internet, ele comemorou o ataque que matou 11 pessoas na redação da revista satírica francesa Charlie Hebdo, em Paris, e avisou que havia outras células na Europa e nos Estados Unidos prontas para agir: "Há tantos irmãos apenas à espera de uma ordem para realizar ataques no Ocidente", disse.

Suleman não é o único filho de High Wycombe a se tornar um jihadista, para a tristeza da comunidade local. Em dezembro, a polícia britânica prendeu um homem acusado de envolvimento com atos terroristas fora do país. Em novembro, foi a vez de outras quatro pessoas que estariam por trás de um suposto plano para assassinar a rainha Elizabeth II durante os festejos do armistício da Primeira Guerra Mundial em novembro do ano passado. A tensão está no ar. Talvez por isso poucos estejam interessados em tratar abertamente deste assunto com jornalistas nesta que é um das cidades com maior proporção de muçulmanos do país, onde 20% da população é de origem asiática e um em cada três alunos nas escolas não fala inglês como primeira língua.

Não é nas mesquitas que esses jovens se radicalizam. É fora delas. Na internet. Longe dos olhos — disse um morador da cidade, de 52 anos, que preferiu não se identificar.

O Reino Unido é hoje um dos países que mais exporta homens para a fileiras do EI. Estima-se em 500 o número de jihadistas britânicos que se uniram ao contingente estimado em 1.500 estrangeiros lutando no Iraque e na Síria.

Impossível traçar um perfil preciso daqueles que se deixam radicalizar. Mas especialistas dos principais centros de estudos do país reconhecem alguns padrões. Para a maioria deles, as desigualdades econômicas e sociais, a alienação e o isolamento cultural seriam fatores decisivos.

Para a especialista do departamento de Defesa de King's College, Katherine Brown, a radicalização não acontece necessariamente nas capitais. Segundo ela, menos da metade dos crimes ligados ao terrorismo são cometidos por pessoas baseadas em Londres, de acordo com dados de 2010. Cerca de 12% dos atos vinculados ao terror partiram de Birmingham, 9% de Yorkshire e 7% de toda a região Sudeste da Inglaterra.

Birmingham, High Wycombe, Bristol, Portsmouth, na Inglaterra, e Cardiff, no País de Gales, acabaram entrando em evidência nos últimos anos por terem gerado jihadistas. Para Katherine, a explicação poderia estar no fato de essas localidades não terem os mesmos níveis de diversidade, oportunidade e conexões das cidades maiores.

As comunidades muçulmanas são menos ricas, e têm níveis menores de 'capital social'. São mais altamente segregadas/guetificadas e enfrentam problemas maiores de desemprego, subemprego e pobreza, em parte exacerbada pelo efeito desproporcional que o declínio econômico do país e as medidas de austeridade fiscais têm nessa cidades em geral — afirma Katherine, que destaca que essas comunidades se sentem mais isoladas.

Por mais que exista um certo padrão, a professora admite que há pontos fora da curva. High Wycombe, que também é conhecida como "cidade de jihadistas", segundo ela, embora se enquadre nas hipóteses da insatisfação, desemprego e falta de condições, não está desconectada pelo fato de ser uma das cidades-dormitório de Londres. Cardiff, por sua vez, deveria ser uma exceção por ter uma comunidade muçulmana muito bem estabelecida há anos, com fortes vínculos com a cidade e um legado cultural e histórico importante. Foi berço das primeiras mesquitas em terraços trazidas ainda nos anos 1890 por navegadores muçulmanos para o país.

— Portanto, não pode alegar que a comunidade não tem raízes ou o sentido de pertencimento.

O contexto sociocultural também influi na formação dos novos jihadistas. Ao que tudo indica, de maneira muitas vezes contraditória. Enquanto 35% dos autores de crimes ligados ao terrorismo estariam desempregados, confirmando o que dizem a maioria dos especialistas, que apontam a falta de oportunidades econômicas como um dos fatores de base para a radicalização, 33% teriam nível superior completo, o que vai de encontro com a teoria de que teriam menos escolaridade e menos acesso à educação.

Especialista em Psiquiatria cultural, o professor Kamaldeep Bhui, do Instituto Wolfson da Queen Mary University London, afirma que, bem mais importante do que pobreza, experiências de discriminação e eventos ou adversidades da vida, depressão, isolamento e enfado podem explicar a radicalização de jovens no Reino Unido. Segundo ele, as pessoas com redes sociais maiores tendem a não simpatizar com as causas da jihad. Durante cinco anos trabalhando com o tema, ele entrevistou 600 pessoas.

A depressão era mais comum entre os simpatizantes, e parece estar associada à essa vulnerabilidade, e as pessoas relativamente isoladas socialmente também eram mais vulneráveis. Homens e mulheres são igualmente vulneráveis, e acho que, quando essa vulnerabilidade está ligada a uma influência de radicalização, então ela se torna possível. O perfil no Reino Unido é diferente daquele da Alemanha onde a pobreza tem um peso, e diferente de outros países em que a discriminação possa ser relevante — disse ao GLOBO.

Para Katherine, de fato, não são necessariamente os mais pobres e discriminados que mais se mobilizam. Isso porque a maior parte destes grupos não tem capacidade nem condições de viajar.

E porque são a classe média e as mais educadas que têm disposição e tempo para se educar por meios próprios ou se interessa neste tipo de assunto. São elas que têm aspirações que não são atendidas pelo Reino Unido.

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