Carta Capital, 16/12/2014
Os cartéis e o discurso de Geraldo Alckmin
Por Fabio Serapião
O governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, reeleito com no primeiro turno com 57% dos votos válidos, deparou-se com alguns jornalistas ao chegar a um almoço em homenagem ao falecido Mário Covas no domingo 14. Conforme noticiou o portal de O Estado de S. Paulo, indagado sobre a corrupção na Petrobras e na compra de trens do Metrô e CPTM, disse que os dois casos são "coisas diferentes". Segundo o tucano, em "São Paulo não tem nada, nada comprovado, há uma suspeita de cartel onde o governo é vítima". Na Petrobras, diz ele, trata-se de parte de uma “doença sistêmica”.
Desde o dia 17 de março o caso Petrobras toma conta do noticiário nacional. Como é sabido, a Polícia Federal ao longo das fases da operação Lava Jato descobriu um cartel formado pelas maiores empreiteiras a atuar na petroquímica. Segundo a força tarefa montada para apurar os crimes, o chamado "Clube" teria pagado centenas de milhões de reais em propina a políticos e diretores da estatal, em troca de contratos em diversas diretorias da companhia. O esquema teria começado em 2006 e se estendido até 2014. Somente um diretor, Pedro Barusco, como lembrado por Alckmin em sua entrevista, aceitou devolver 100 milhões de dólares provenientes de propina recebida das empresas. A cifra deve ser ainda maior, como apontam as investigações em andamento.
Trata-se do maior escândalo de corrupção investigado, nos quais os indiciados foram denunciados e uma ação penal foi aceita. O juiz federal Sergio Moro, em menos de três meses, autorizou a busca a apreensão nas empreiteiras, prisão dos executivos citados, deu prazo para encerramento dos inquéritos, acolheu as denúncias e marcou as primeiras audiências para o começo de fevereiro. Até o fim do ano, saberemos quem serão os executivos e agentes públicos sem foro privilegiados que serão condenados em primeira instância pelo cartel e consequente corrupção.
O cartel do Metrô e CPTM apareceu no noticiário em 2013, quando a alemã Siemens assinou um acordo de leniência com o Cade, órgãos antitruste federal, no qual delatou participar de um grupo de empresas que atuou nos contratos firmados com as estatais paulistas entre 1998 e 2008, período em que o estado esteve sob comando do PSDB. Posteriormente, o Ministério Público Estadual e o Cade descobriram que contratos mais atuais também foram alvo do esquema. A partir de 2008, denúncias sobre o pagamento de propina nos contratos das estatais começaram a aparecer nos bastidores da política paulista. Um ex-diretor da Siemens distribuiu algumas cópias dos contratos da empresa alemã com offshores sediados no Uruguai em nome dos irmãos Arthur e Sergio Teixeira, o último já falecido. Os dois seriam, segundo a Polícia Federal, os operadores do esquema. Possuíam consultorias que recebiam o dinheiro das empresas e repassavam pra agentes públicos. Eram como o doleiro Alberto Youssef na Operação Lava Jato, responsáveis pela engrenagem do esquema.
As empresas eram a Gantown e a Leraway. Depois, descobriu-se ainda a GHT Consulting. Todas sediadas no Uruguai e abastecidas pela Siemens e outras empresas, como a Alstom. Não se tem notícia sobre pedidos de cooperação jurídica com o Uruguai para descobrir o destino no dinheiro movimentado nas offshores dos Teixeira. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a diligência ao Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Marco Aurélio Mello negou. O Ministério Público paulista já denunciou 30 executivos das empresas envolvidas no cartel e acionou por improbidade ex-diretores. No âmbito criminal, no entanto, ainda não denunciou agentes públicos.
No inicio de dezembro, a Polícia Federal indiciou criminalmente 33 envolvidos por corrupção ativa, corrupção passiva, cartel, crime licitatório, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Entre eles, o atual presidente da CPTM, Mario Bandeira, e o atual diretor de operação, José Lavorente. Apenas por um contrato, da linha 5 do Metrô, a Polícia Federal pediu e a Justiça bloqueou 614 milhões em bens dos envolvidos. No pedido enviado a Justiça Federal em São Paulo, o delegado Milton Fornazari Júnior detalha em 154 tópicos a ação do cartel e os motivos que o levaram a pedir o bloqueio milionário. Com base na documentação amealhada, Fornazari estipula em 9% do valor dos contratos assinados entre as estatais e as multinacionais do setor metroferroviário como destinado ao pagamento de propina a agentes públicos e políticos de São Paulo.
Os dois cartéis, ao contrário do que afirma o governador Alckmin, possuem características iguais. Os alvos são estatais, nos dois casos vítimas de empresas corruptoras aliadas a agentes públicos dispostos a afrouxar as normas administrativas e legais em troca de volumosos repasses de propina. As duas investigações foram possíveis graças a acordos de delação premiada. No Metrô, além da delação do ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer, a própria empresa assinou um acordo de leniência no qual entregou toda a documentação referente às tratativas que resultaram no loteamento das licitações para compra, reforma e manutenção de trens. O provimento da engrenagem financeira, em ambos os cartéis, ficou por conta de operadores que realizavam "consultorias", amparados por doleiros.
No caso dos operadores de câmbio, responsáveis pela movimentação e disponibilização do numerário, os dois cartéis se encontram. Raul Srour, preso com Alberto Youssef, em 17 de março, acusado de encabeçar um dos núcleos de doleiros ligado ao banco de dinheiro sujo do pivô do escândalo da Petrobras, é titular da offshore Cristal Financial Services. Sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, segundo depoimentos de funcionários da Siemens, a conta no paraíso fiscal foi utilizada para escoar o dinheiro utilizado para o pagamento de propina a agentes públicos paulistas. As diferenças também existem. Os valores envolvidos no cartel da Petrobras são maiores.
O tempo do Judiciário paulista é diferente da Justiça Federal do Paraná e do juiz Sergio Moro, no entanto. Mesmo após o acordo de leniência da Siemens, em 2013, as instâncias paulistas ainda não condenaram um só envolvido. No sul, Moro aceitou várias denúncias e até o fim de 2015 deverá produzir as primeiras sentenças.
A posição de Alckmin demonstra a tentativa do tucano em se distanciar do caso da Petrobras, mas se dá de forma oportuna. Além das convergências citadas acima, o governador deveria lembrar-se do fato de que as mesmas empresas atuantes na estatal federal atuaram em obras milionárias da administração direta e indireta do estado. Vale lembrar, também, que a força tarefa da Lava Jato mira os contratos apontados na falecida operação Castelo de Areia como alvo de pagamento de propina da construtora Camargo Correa. O documentos apreendidos à época da investigação comprometem boa parte da nata do tucano paulista. Experiente e safo, Alckmin deveria utilizar as oportunidades de manifestação sobre os escândalos para lembrar que a base de todo problema são as relações entre o financiamento de campanhas políticas e empresas interessadas em encher os bolsos com contratos públicos. São elas o agente causador da "doença sistêmica" chamada corrupção da qual nem o governo federal nem o estadual estão imunes.
Carta Capital, 17/12/2014
O que Alckmin fala e o que faz com os menores da Fundação Casa
Por Renan Truffi
Há menos de quatro meses, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi à Brasília pedir pessoalmente a aprovação de um projeto de lei que aumenta de três para oito anos o tempo máximo de pena para menores infratores no Brasil. A proposição, apesar de popular com uma fatia significativa do eleitorado, contraria as diretrizes estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, ironicamente, a própria política aplicada por seu governo. Enquanto Alckmin pede “limites” aos adolescentes envolvidos em crimes, a Fundação Casa, gerida pelo tucano, está soltando menores infratores de forma sistemática para evitar a superlotação da instituição, segundo suspeita do Ministério Público.
Dados obtidos com exclusividade pela reportagem de CartaCapital revelam que, atualmente, o tempo médio de permanência de um jovem na Fundação Casa é de 232 dias, pouco mais de 7 meses, menos da metade do período total permitido pela atual legislação, de 36 meses. Isso em um universo de aproximadamente 9,6 mil adolescentes, entre os de internação comum, provisória e internação sanção. Nos casos de internação de semiliberdade, na qual os menores apenas dormem em alguma instituição vinculada à Fundação Casa, o tempo médio é de 133 dias, ou cerca de quatro meses. As informações foram repassadas pela própria Fundação Casa a pedido da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude.
A possível explicação para a diferença entre o discurso do governador e a sua postura na prática é um problema que já foi denunciado pela reportagem e assola o sistema: a superlotação. “Nós temos tido cada dia mais indícios de que o tempo de permanência é curto e dificilmente supera sete ou oito meses justamente em razão de uma política de contingenciamento das vagas”, afirma o promotor Tiago de Toledo Rodrigues. “A liberação é muito mais pautada pela política de abertura de vagas do que pelo processo socioeducativo”. Em abril, CartaCapital mostrou que uma em cada três unidades da Fundação Casa está superlotada.
O problema não é pontual, como mostram os números. Em agosto, a Fundação Casa recomendou a soltura de 166 menores que estavam internados por algum envolvimento com a prática criminosa. Desse total, 93,9% estavam cumprindo medida socioeducativa há menos de um ano. Isso significa que apenas 10 deles tinham ultrapassado o período de um ano no sistema. No mês anterior, em julho, a instituição considerou que deveriam ser libertados outros 273 meninos, mas só 30 deles tinham mais de 12 meses de internação. “Aí vem a demagogia de falar em aumentar o tempo máximo de internação. Num quadro em que não usamos nem metade do tempo de internação atual”, critica o promotor Pedro Eduardo de Camargo Elias.
O retrato evidenciado pelos números não quer dizer que prender os adolescentes por mais tempo seja a solução, até porque o ECA defende medidas de internação aplicadas pelo período mais breve possível. Ocorre que o governo de São Paulo não oferece, segundo especialistas, a contrapartida – a reeducação dos infratores. “As medidas privativas de liberdade têm de ser breves desde que o atendimento socioeducacional necessário também seja oferecido. Caso contrário, se torna uma mera contenção”, alerta o promotor Santiago Miguel Nakano. Por isso, falar em endurecimento das penas é “estelionato eleitoral”, na opinião do advogado e membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca) Ariel de Castro Alves. “O adolescente só deve voltar ao convívio social na medida que ele se ressocializar e progredir. (Aumento de pena) é puro oportunismo e demagogia, utilizado na véspera da eleição para cometer um estelionato eleitoral”.
“Girar a casa”
A prática de liberar os adolescentes o mais rápido possível independentemente do progresso do atendimento socioeducativo é percebida até pelos adolescentes. Segundo funcionários da Fundação Casa ouvidos pela reportagem, mas que pediram para ter as identidades preservadas por medo de represálias, os próprios menores infratores sabem que em aproximadamente seis ou sete meses serão libertados, o que atrapalha o processo de ressocialização. Além disso, são considerados bons funcionários e diretores aqueles que fazem “a casa girar”, explica um funcionário da instituição. Apesar de cada desinternação de adolescentes ter que ser autorizada pela Justiça, o Ministério Público e o Judiciário tomam essa decisão, na maioria das vezes, apenas com base nos relatórios conclusivos da própria Fundação Casa. “Há uma pressão das direções na área psicossocial. Eles estão sendo forçados a fazer relatórios que recomendem a liberação dos meninos antes do momento”, diz um funcionário.
Um dos reflexos dessa política seria a grande quantidade de menores que voltam ao mundo do crime após ficarem internados na instituição. Apesar do índice oficial de reincidência da Fundação estar em torno de 17%, o Ministério Público estima que o dado real seja de 50%. “O índice de reincidência da Fundação Casa não é de fato um índice de reincidência. A Fundação Casa contabiliza reincidência nos casos em que há internação com posterior internação. Isso não tem nada a ver com reincidência", diz Tiago de Toledo Rodrigues. Para o MP, a contagem deveria ser feita pela quantidade de atos infracionais, que nem sempre geram internação. "Nós temos adolescentes que estão internados pela primeira vez, mas já é o terceiro o quarto ato infracional de tráfico de drogas. Esse adolescente é considerado primário pela Fundação Casa”, afirma.
Coincidentemente, o discurso de Alckmin em favor do endurecimento das medidas tem como argumento justamente evitar o aumento na reincidência entre adolescentes que cometem crimes mais graves. “Tudo o que não tem limites acaba sendo fator favorável à reincidência, como a internação por apenas três anos, qualquer que seja o crime cometido”, disse o governador a jornalistas em novembro de 2013. Mas o percentual de menores que comete atos infracionais classificados como hediondos não representa nem 1% do total. As informações obtidas pelo Ministério Público revelam ainda que a grande maioria dos menores está internada por roubo qualificado (43,63%) e tráfico de drogas (37,48%), delitos considerados comuns. Enquanto que adolescentes envolvidos com latrocínio e homicídio doloso qualificado são, respectivamente, apenas 0,80% e 0,77% do total de internados na instituição.
“Surgem casos de internação com período maior do que sete meses ou um ano? Surgem. Invariavelmente, na sua ampla maioria, são casos que coincidentemente tiveram repercussão na imprensa", diz Rodrigues. "No entanto, há casos graves que não são noticiados na imprensa, e aí esses menores são alvo do período médio de internação. Isso sugere que o tratamento atual é um tratamento padronizado”, conclui o promotor.
Outro lado
A reportagem procurou a Fundação Casa para esclarecer as denúncias e as suspeitas do Ministério Público. O órgão respondeu que é incorreto relacionar o projeto de lei defendido por Alckmin com o tempo médio dos menores na instituição. "A assessoria de Imprensa da Fundação Casa esclarece que é incorreto relacionar o Projeto de Lei 5.454/2013, apresentado e apoiado pelo Governador Geraldo Alckmin, com o tempo médio de internação de adolescentes na Fundação, hoje em torno de 9 meses. Pela proposta, o tempo de internação elevaria para até 8 anos apenas para jovens que tenham cometidos atos infracionais análogos a crimes hediondos, nos casos de latrocínio, homicídio qualificado, extorsão mediante sequestro e estupro".
Além disso, a assessoria de imprensa negou que funcionários sejam pressionados para fazer "a casa girar". "Não há qualquer pressão institucional para liberar os jovens antes do tempo adequado ao cumprimento da medida. Nenhuma proposta de extinção ou progressão de medida, feita pela equipe técnica dos 150 centros socioeducativos no Estado, é decidida só pela Fundação, pois passa pelo crivo do Ministério Público e da Defensoria Pública, além de haver uma decisão judicial", diz o texto.
Por fim, a instituição justifica o pouco tempo de internação com a justificativa da orientação de brevidade dada pelo ECA, como já citado na reportagem. "Esse período não pode ser considerado curto, pois a Constituição Federal determina que a medida socioeducativa de internação atenda ao princípio da brevidade (execução no menor tempo possível), de forma a diminuir os prejuízos que a privação de liberdade possa trazer ao adolescente. Quase 90% dos jovens na Fundação CASA são
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