quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O Primeiro Festival Mundial das Resistências e da Rebeldia Contra o Capitalismo



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Carta Maior, 10/12/2014 


México: Ayotzinapa e a resposta de Enrique Peña Nieto



Por Alejandro Nadal
- Sin Permiso



O declínio do Império Romano começa depois da morte de Marco Aurélio e esteve marcada pelo predomínio do que os historiadores chamam de despotismo militar. Mas as forças armadas e a repressão não puderam deter a deterioração institucional, política e moral. A queda de Roma era inevitável. Como a justiça desapareceu da lista de prioridades do corpo político, o processo culminou com a dissolução – por mais que uma casta privilegiada pretendesse se apoiar na violência para dominar e subjugar.

No México, o desgaste do governo acelera o processo de dissolução do Estado. Sinais disso existem por toda parte e, sobretudo, no discurso do poder público. A cada vez que os funcionários públicos falam, observa-se sua incapacidade para decifrar os sinais enviados pela sociedade civil. O melhor exemplo é o anúncio que Peña Nieto fez de suas 10 medidas para melhorar a segurança, a justiça e o Estado de Direito. O conteúdo de cada uma dessas medidas é revelador de sua falta de contato com o mundo real.
Em sua conferência no Palácio Nacional, no último dia 27 de novembro, Peña Nieto anunciou que enviaria uma iniciativa de reforma constitucional ao Congresso para aprovar uma lei contra a infiltração do crime organizado nas autoridades municipais. Essa nova legislação entregaria ao governo federal a faculdade de assumir o controle da segurança nos municípios onde houver indícios de um pacto entre a autoridade municipal e o crime organizado. Evidentemente, essa reforma não faz qualquer sentido diante do artigo 115 da Constituição e destrói o regime do município livre, um dos pilares da vida civil e política no México.

Além disso, essa medida se baseia em um diagnóstico equivocado, pois concede os abusos de autoridade e violação dos direitos humanos exclusivamente às forças de polícia municipais. O corolário é claro: as forças federais, sim, acatam a lei, estão acima da corrupção e se comportam dentro do Estado de Direito. Parece que não contam os abusos cometidos pelas polícias federais e pelo próprio Exército.

As medidas de Peña Nieto incluem uma iniciativa para redefinir a competência de cada autoridade no combate ao crime. Isto é, o governo confessa que, até o dia de hoje, a administração pública não foi capaz de se organizar para que cada órgão de governo possa assumir a responsabilidade do que o compete. A pergunta é óbvia: o que a classe política mexicana esteve fazendo durante todos esses anos?
Além de suas 10 medidas, o senhor Peña Nieto falou sobre uma estratégia de desenvolvimento integral para reduzir a pobreza, a marginalização e a desigualdade em Chiapas, Guerrero e Oaxaca. O vocabulário desgastado revela o mar de ignorância no qual se submerge o Poder Executivo. Entre os principais elementos dessa estratégia, encontra-se a criação de Zonas Econômicas Especiais, termo que remete aos esquemas adotados na China e na Índia para criar enclaves que permitam a grandes corporações intensificar a exploração de mão de obra. Que bela maneira de abordar o problema da marginalização e da pobreza.

Entre essas zonas econômicas, existe um corredor industrial interoceânico no Istmo de Tehuantepec, mas ninguém disse a Peña Nieto que essa é uma velha estrofe do canto das sereias há vários sexênios. E, é claro, ninguém o alertou de que, com o déficit fiscal que caracteriza as finanças públicas, não há nem quatro pesos (dinheiro mexicano) para apoiar sua grande estratégia de desenvolvimento integral regional.

A falta de contato do governo com o mundo real é evidente em todas as medidas anunciadas. Mas é mais clara no que Peña Nieto denomina “justiça cotidiana”. Entre os exemplos de falta de justiça de todos os dias, ele mencionou o proprietário que não recebe sua renda ou o consumidor que não recebe o produto pelo qual pagou.

Os exemplos empregados por Peña Nieto são os do projeto neoliberal
. A justiça do senhorio é o melhor exemplo da mentalidade de estado censitário que impera no governo: o Estado não é de todos, mas dos proprietários que aparecem no censo como tais, e não serão tolerados os abusos dos inquilinos que não paguem o aluguel.

A justiça de todos os dias é exemplificada com o consumidor que não recebe a mercadoria pela qual pagou. Pouco importa que seu vizinho seja torturado, ou que seu filho seja sequestrado e desaparecido. Melhor consumidores e agentes econômicos do que cidadãos – é o que nos disse o regime todos os dias. Para o governo, os direitos do consumidor são preferíveis ao do cidadão (não que os cidadãos tenham muito poder de compra atualmente). Vejam só, temos uma emergência nacional e uma pseudoinvestigação com zero resultados. Que tipo de gente dá como exemplo os direitos do consumidor quando existem 43 estudantes desaparecidos?

Como disse Marco Aurélio em suas Meditações: o povo pode ter confiança porque sua melhor vingança é não ser como os membros da classe política.


*Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial do Sinpermiso

Tradução de Daniella Cambaúva









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Carta Maior, 10/12/2014 


Ayotzinapa e a voz das ruas



Por Luis Hernández Navarro - La Jornada


Roberto Zavala Trujillo é pai de Santiago Jesús, uma dos 49 crianças que morreram no incêndio da creche ABC, em Hermosillo, Sonora. Apenas em 20 de novembro, no plenário de sessões do Congresso daquele estado, junto a milhares de manifestantes que ocuparam o prédio em solidariedade com Ayotzinapa, declarou: “Desde Sonora, há mais de 104 anos, nós damos reinício à Revolução que não andou”.

No último dia 20 de novembro, cerca de 5 mil estudantes de Cananea, além de pais da creche ABC, de afetados pela contaminação do rio Sonora, e ferroviários, feministas, ecologistas e trabalhadores marcharam pelas ruas de Hermosillo, tomaram a sede do Poder Legislativo local e advertiram: “Hoje está em sessão o povo, e tem quórum”. Antes de entrar no recinto, deixaram um recado aos deputados na caixa de sugestões: “Escutem a seu povo, antes que seja tarde”.

O correspondente do La Jornada Ulises Gutiérrez contou como, ali mesmo, J. Márquez, outro dos pais da creche ABC, disse aos familiares doos estudantes desaparecidos: “Compartilhamos sua coragem, sua frustração pelo que acontece no México”. Para arrematar a sessão, “os inconformados exigiram a saída de Peña”, e votaram pela destituição do presidente em meio aos gritos de “justiça, justiça!”.

O que aconteceu em Sonora, com a tomada do Congresso, não é um fato isolado. Em várias regiões do país, as mobilizações cidadãs exigem a renúncia de Enrique Peña Nieto e, ao mesmo tempo, reivindicam uma crescente vontade de se transformar em um poder constituinte alternativo.

Como mostram os protestos de 20 de novembro e do dia 1º de dezembro, apesar de seu desenvolvimento desigual em escala nacional, o movimento segue em fase de ascensão e radicalização. Hoje, não são apenas estudantes que participam das marchas. Cada vez mais, incorporam-se muitos outros setores: sindicalistas, organizações do campo, forças urbano-populares, familiares de desaparecidos, religiosos, artistas e até crianças. Em estados como Chiapas, as mobilizações de professores foram muito intensas, e em Oaxaca chegaram inclusive a tomar o aeroporto.

No entanto, a indignação social e o descrédito governamental vão muito além do que se vê nas ruas. A base da inconformidade popular é mais ampla, vigorosa e complexa do que se expressa nas marchas. De fato, o mal-estar dos que estão abaixo fraturou a unidade do governo federal e alcançou alguns de seus aliados tradicionais. A deterioração da figura presidencial parece impossível de se deter. A cada dia, a crise política se aprofunda mais.

A estratégia governamental para enfrentar o desastre se mostrou falida. A pretensão de fazer do massacre de Iguala um assunto local, uma mera ação do crime organizado, sem reconhecer a responsabilidade do Estado no crime e o caráter nacional dos protestos, alimentaram o descontentamento. O decálogo de Peña Nieto para sortear os problemas de insegurança e corrupção naufragou tão logo foi lançado às águas da opinião pública. Até a revista The Economist advertiu que o presidente pode ter perdido a oportunidade de mudar a maré contrária. A decisão oficial de inventar interlocutores desligados do movimento social real, como fez ao “negociar” o problema dos presos pela marcha do dia 20 de novembro, só faz crescer seu descrédito.

A crise da economia torna as coisas ainda mais difíceis para Enrique Peña Nieto. As notícias neste campo não são nada boas. O peso (moeda mexicana) se desvaloriza, a produção de petróleo cai, as expectativas de crescimento do PIB se reduziram a pouco mais de 2%, é possível aumentar as taxas de juros nos EUA, anuncia-se uma iminente fuga de capitais, e as agências qualificadoras alertam sobre o perigo dos investimentos provocados pela instabilidade política.

Enquanto isso, apesar da iminência do fim do calendário escolar e das férias de natal, o calendário dos protestos segue seu curso. Em 6 de dezembro, milhares de professores, estudantes e camponeses, com seus cavalos, tomaram simbolicamente a Cidade do México para comemorar os 100 anos da entrada dos exércitos revolucionários de Francisco Villa e Emiliano Zapata. A iniciativa vai além da mera contestação política. Apela imaginariamente – como se anunciou na tomada do Congresso em Sonora – para reiniciar a revolução que não andou.

Entre 21 de dezembro e 3 de janeiro do próximo ano, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), o Congresso Nacional Indígena (CNI) e aderentes da Sexta Declaração da Selva Lacandona farão o Primeiro Festival Mundial das Resistências e da Rebeldia Contra o Capitalismo. Seu lema será: “Onde os de cima destroem, os de abaixo reconstruímos”. A abertura do encontro será realizada na comunidade de San Francisco Xochicuautla, estado de México, em 21 de dezembro. “Sabemos – afirmam os convocantes – que o capitalismo selvagem e de morte não é invencível” e que “nas nossas resistências, está a semente do mundo que queremos”.

Com a chegada de 2015, inicia-se um novo ciclo de mobilizações. Uma importante convergência de trabalhadores do campo, sistematicamente relegada pelo governo federal, concordou em tomar as ruas de Xalapa, em 6 de janeiro, no aniversário da Lei Carranza. E, em 31 de janeiro, planeja um grande plantão nacional em frente aos escritórios dos ministérios do Governo e da Agricultura. Por sua vez, também em janeiro, a Coordenadoria Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE) organiza uma greve nacional contra a reforma educacional.

Não existe evidência de que o desdobramento da mobilização social tenha chegado a seu ponto máximo. E, ainda que eventualmente os protestos das ruas diminuam, a tendência quanto ao desgaste do regime se mantém. Vivemos uma situação inédita, na qual, como advertiram os sonorenses que ocuparam sua legislatura, os de cima não quiseram escutar a voz das ruas.

Luis Hernández Navarro, jornalista, es coordenador de opinião e editor do jornal mexicano La Jornada

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