sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Um papel em nossa história muito maior do que o das prestadoras que contrata

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http://www.aepet.org.br/site/noticias/pagina/8024/O-Pr-Sal-delas

 
 

O Pré-Sal é delas?



1. O buraco é mais embaixo

PODE-SE CONTAR a história da exploração das fantásticas reservas de petróleo do pré-sal a partir da oble Paul Wolf, sonda de perfuração da Noble Drilling, uma empresa americana. A Paul Wolf é cara e competente: vale mais de meio bilhão de dólares, a Petrobras a alugou por algo como meio milhão de dólares por dia e furou o poço de Tupi, que marca a grande descoberta do pré­sal, a 290 quilômetros de Santos, sob um lâmina de água de 2.126 metros, a uma profundidade total, a partir da superfície do mar, de 5.960 metros. É um barco extraordinário. Mantém-se praticamente estável, a despeito dos ventos e das cor­rentes marinhas. Não fica amarrado por âncoras ao fundo do oceano. Equilibra-se por um desses sistemas de posicionamen­to glo bal- GPS, na sigla em inglês. Só que dos mais sofisticados: sensores medem o vento; um robô é colocado no leito do mar para transmitir sinais; computadores processam essas informações; e coman­dam mecanismos de propulsão que dão estabilidade ao conjunto de embarcação e coluna de sondagem projetada para as profundezas do poço.
Pode-se contar a mesma história, tam­bém, a partir da equipe que fez a perfilação do poço pioneiro. A perfilação é uma espécie de tomografia computadorizada das rochas. O poço é furado por uma coluna em cuja ponta estão brocas com cabeças incrustadas de diamantes e que têm a capacidade de injetar no ponto de atrito da broca com a rocha, para lubrifi­cação e resfriamento, as "lamas de perfu­ração", que são óleos sintéticos especiais. De tempos em tempos, antes de revestir O poço com tubos de aço, a tripulação da sonda retira a coluna de perfuração, deixa as lamas, para manter a pressão de sustentação do poço, e abre espaço para a equipe dos perfiladores. Ela coloca no poço equipamentos que emitem impulsos eletromagnéticos e radioativos para medir as características básicas das rochas: sua temperatura interna, pressão, porosidade. E outras características a partir das quais se pode deduzir se elas têm, ou não, óleo ou gás.
A informação de Retrato do Brasil é de que a equipe de perfilagem na Paul Wolf era da Schlumberger, a maior das chama­das oil service companies globais. Se não foi da Schlumberger, o mais provável é que tenha sido da Halliburton ou da Baker Hughes, empresas que completam o trio das maio­rais do setor. Elas estão presentes em sete de cada dez casos de poços de petróleo offshore feitos no mundo. Todas as três são controladas por capitais americanos. Suas histórias são fantásticas. Cada uma delas tem uma centena de anos de experiência. E não só de procurar petróleo. Mas tam­bém de engolir seus concorrentes. Contar a história do pré-sal começando por qual­quer uma das três, do ponto de vista dos objetivos desta reportagem especial, seria interessante. Porque queremos entender como o País pode aproveitar a oportu­nidade propiciada pelas imensas reservas de petróleo para deixar de ser apenas um produtor de matérias-primas e enveredar também pelo difícil caminho de dominar as mais altas tecnologias.
Nossa história, no entanto, começa no centro do Rio, no 34° andar do edifício Venturi, na sala de Mário Carminatti. Ele vai explicar, inclusive, porque os dois pri­meiros começos de história acima soam falsos. Carminatti é chefe da equipe de 700 geólogos e geofísicos da Petrobras que disseram exatamente onde a Paul Wolf deveria furar e que souberam interpretar os sinais das rochas enviados pela equipe de perfiladores. A sonda da Noble Drilling faz apenas o que se manda: é como uma dessas máquinas maravilhosas das empreiteiras da construção de edifícios, diz Carminatti. ''A localização do poço, a engenharia, sua arquitetura, ela recebe prontas: é da Petro­bras." Ele explica: ''A rigor, não se fura um poço. Se constrói uma gigantesca estrutura, às vezes de cinco quilômetros, de cima para baixo, uma espécie de telescópio invertido, de tubos que vão sendo emendados uns nos outros e que se afunilam com o avanço do furo, de 30 polegadas na entrada até 7 polegadas no final. Todos os poços são feitos assim".
Qual é a novidade no caso do poço de Tupi, então? Canninatti começa a explicação por um detalhe: ''A camada de sal é formada por vários tipos de sais, alguns muito solúveis. Como você fura com lama, para sustentar a pressão no poço, em contato com a lama esse sal pode se dissolver. Isso cria instabilidade, então roda a química da lama é superestudada. A lama não deve reagir com as camadas de sal, para que elas continuem estáveis, até pelo menos terminar o trecho que está perfurando e descer o revestimento de aço. Esse realmente foi um gargalo tecnológico que teve de ser vencido antes de se furar o poço. As lamas são fluidos sintéticos, quimicamente balanceados de acordo com as formações rochosas que você vai encontrar. Mas assim como a engenharia de poço foi da Petrobras, a engenharia química do poço também foi da Petrobras".
Carminatti é gaúcho, tem 57 anos. Não diz e acha que não é certo, do ponto de vista comercial, dizer de quem era a equipe de perfilagem que acompanhou a Petrobrás em Tupi. Acha, inclusive, que não tem muita importância se foi desta ou daquela empresa. Todas trabalham com alta tecnologia e estão sempre competindo para criar equipamentos, ferramentas melhores, por necessidade de sobrevivência, ele diz. Mas acrescenta: "Tecnologia é uma coisa. Explorar petróleo é outra. Explorar é a idéia, o mapa que leva a localizar onde deve ser furado o poço. Sacar que naquele local tem petróleo, criar o modelo geológico".
Carminatti fala, a rigor, do modelo mais geral, desenvolvido pela equipe na qual trabalha praticamente desde que entrou na Petrobras, há 33 anos. Diversas teses de mestrado e doutorado foram escritas por geólogos da companhia nesse periodo, baseadas no trabalho prático na Petrobras e em dados da geologia, da flora e da fauna - não só brasileiros, mas também africanos e do Oriente Médio, que têm relação com a tese, como logo mais se verá. Esses trabalhos sustentavam a hipótese de que o petróleo relativamente abundante que a companhia descobrira a partir de meados dos anos 1970 na Bacia de Campos em águas profundas era apenas parte menor de jazidas gigantes existentes em camadas geológicas ainda mais fundas sob o oceano. Existiria uma espessa camada de sal abaixo dos reservatórios do petróleo de Campos. Ela teria sido formada há cerca de 120 milhões de anos. Nessa época se deu a fragmentação da Gondwana, que continha os atuais territórios da África e da América do Sul e era um pedaço do grande continente único que existira antes, a Pangeia.
Essa teoria se consolidou a partir de levantamentos do subsolo do Atlântico Sul feitos pelas grandes potências, preocupadas com formações irregulares descobertas no fundo do mar e nas quais poderiam se esconder submarinos em caso de guerra. Tais formações seriam decorrentes de grande atividade vulcânica. Esta, por sua vez, vinha da energia do fundo quente da Terra, que acabou partindo O manto terrestre e levou à divisão da Gondwana nos atuais continentes americano e africano.
O vulcanismo abriu fossas que, preenchidas por água do mar circundante, formaram lagos de água salgada. Neles foram criadas condições para a proliferação explosiva de vida. E esses organismos e as terras do fundo desses lagos, soterrados pelo sal formado após a água ter evaporado, viriam a formar as rochas geradoras de petróleo e gás natural. A massa de sal seria o selante, que impediu o óleo, mais leve que a água, de migrar para cima, nas grandes andanças geológicas que as diversas camadas de subsolo fizeram, durante os milhões de anos ao longo dos quais se separaram a África da América do Sul.
Os testes práticos dessa teoria pela Petrobras haviam começado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso. Em outubro daquele ano um poço foi furado no campo de Jubarte, até 4.796 metros, região do pré-sal, com esse fim. A interpretação dos dados obtidos - errada, como se verá depois - concluiu que o poço "era seco", como se diz no jargão, ou seja, não tinha petróleo. E a tese ficou esquecida por três anos. Mas, com a mudança de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou para a Diretoria de Exploração e Produção da companhia o geólogo Guilherme Estrella, que pode ser tido como um dos pais da teoria da existência do petróleo no chamado pré-sal brasileiro. E a tese voltou. A pesquisa se ampliou e foram programados, então, sete poços, dois para 2004 e cinco para 2005.
Em tese, a teoria do pré-sal parece simples. Na prática, havia dúvidas cruciais. Onde exatamente estaria e como seria o manto de sal que cobriria as supostas fantásticas reservas? Essa camada teria escorregado no declive que tem a plataforma continental brasileira. E seria mais fina perto da costa e mais espessa no mar profundo, diz a RB Ricardo Latgé, o principal assessor de Estrella. O petróleo do pós-sal teria migrado das profundezas para cima. Mas o sal também migra com o deslocamento das camadas do solo. No Golfo do México, petroleiras já tinham encontrado petróleo sob esse sal migrante. Onde estaria o verdadeiro pré-sal da teoria de Estrella e seus geólogos?
Estrella, 68 anos, é um grande geólogo. "Isso é consenso entre especialistas do setor", diz a RB seu principal assessor, Ricardo Latgé. "Mas geologia é uma ciência complicada. Geralmente, cada geólogo tem sua teoria. E, se dois concordam, possivelmente ambos estão errados. Além disso, não se acha petróleo na teoria.  Na prática é preciso furar poço, correr risco". E gastar muito dinheiro. Por economia, os geólogos da Petrobras estavam tentando, como se diz, comer o pirão quente pelas bordas. A ideia desses poços iniciais, onde se inclui o de Tupi, foi aproveitar a mesma operação para procurar o óleo onde já se sabia que ele poderia existir-no pós-sal e, daí, ir atrás do óleo fantástico do pré-sal, cuja existência era apenas hipótese.
A descoberta das reservas de petróleo de Tupi é mais uma das provas de que o papel da Petrobras em nossa história é muito maior do que o das prestadoras de serviço que ela contrata.
A estatal tinha quatro funcionários na Paul Wolf Dois faziam uma fiscalização das condições de trabalho e da execução do projeto conforme o contratado. Os dois outros receberam os resultados da percentagem. Fizeram a primeira avaliação e comunicaram-na ao pessoal na sede da Petrobras. Aparentemente, Tupi não tinha petróleo. Como o petróleo apareceu? Era domingo e Carminatti estava em sua casa em Niterói, onde mora. Ele relembra agora: ''Pelas condições geológicas que se tinha, com aquele enorme selo de sal em cima, de cerca de 2 quilômetros de espessura, era praticamente impossível, fisicamente, não ter petróleo".
Carminatti continua: ''A perfuração tinha ido até o ponto projetado. Depois veio a perfilação. Ela é feita de baixo para cima, do fundo do poço para o alto. o fundo do poço, a cerca de 300 metros do local onde depois se encontrou o enorme reservatório de petróleo, estavam rochas conhecidas como coquinas, formadas por conchas. E que continham água. A perfilação foi subindo. E a primeira leitura dos dados foi a de que, onde hoje está o petróleo, não havia petróleo. Os dados não mostravam exatamente água, mas parecia uma rocha sem porosidade suficiente para acumular o óleo".
Carminatti diz que a tarde daquele domingo foi de intensa discussão na equipe da Petrobras no Rio. Ressalva que "não tem como entrar" nessa parte mais técnica da história. Sugere segredo profissional, "mesmo porque eu não posso". Diz algo como a equipe ter decidido usar uma outra leitura dos dados. "E ela mostrou a presença de fluido livre na rocha." O que significa dizer, no caso, o petróleo fantástico que a Petrobras supunha existir há cerca de três décadas. Ou, mais precisamente, o maior campo de petróleo do Brasil, 6,5 bilhões de barris, cerca de metade de todas as reservas acumuladas no Pais em mais de 50 anos de pesquisas, a maior descoberta na indústria petroleira global dos últimos 30 anos. Logo em seguida, a Petrobras voltou a Jubarte, onde, em 2001, tinha passado por uma rocha como a de Tupi e que, à primeira vista, também não tinha óleo. E que por estar num poço mais raso foi a primeira reserva de petróleo do pré-sal a ser explorada.

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