http://www.maurosantayana.com/2016/06/o-grande-golpe_14.html
Blog do Santayana, 14/06/16
O grande golpe
Por Mauro Santayana
A
direita trabalha agora no sentido de alcançar a aprovação e a conclusão
definitiva do processo de impeachment da presidente da República. A
frente formada com esse intuito é ampla, reúne a mídia parcial e
conservadora, a parte mais corrupta e fisiológica do Congresso, setores
do Ministério Público, do STF, da Polícia Federal e do Judiciário
contra o PT e a esquerda nacionalista. Apesar das dificuldades vividas
pelo governo interino, o processo não será fácil de ser revertido.
Não
tendo sabido enfrentar, de forma organizada e decidida – a começar pela
internet –, os ataques que vinha sofrendo desde 2013; não tendo
estabelecido um discurso abrangente que defendesse minimamente suas
conquistas, que ocorreram, sim, em importantes momentos dos últimos 13
anos; tendo cometido erros grosseiros do ponto de vista estratégico,
político e eleitoral, o que resta ao PT e aos grupos que o apoiam é
parar de se equivocar, de serem pautados pelas circunstâncias e pela
imprensa adversária, e entender o que realmente ocorre com o país neste
momento.
Manter a realização de protestos isolados e constantes
contra o governo Temer – acusando-o de golpista – pode ser um exercício
retórico, e uma forma de fugir do imobilismo, mas essa abordagem não
deve ser a única, nem a principal, nem ser levada às últimas
consequências, porque pode conduzir a graves equívocos dos pontos de
vista tático e histórico. Não se discute a questão da legitimidade do
voto. Mas é rasteira simplificação – que colabora com os conspiradores
ocultos, muitíssimo mais perigosos – dizer que o golpe partiu do PMDB,
como se ele tivesse nascido quando essa legenda abandonou o governo
Dilma.
Dizer que quem compõe o governo interino é corrupto é
outra simplificação que também não resolve, nem agora, nem a médio
prazo, o problema. Por um lado, porque reproduz em parte o discurso
adversário, minimizando o fato de que muitos dos que estão sendo
investigados pela Operação Lava Jato à direita estão sendo processados
com as mesmas justificativas e argumentos espúrios usados para
justificar acusações e as investigações lançadas contra membros do
próprio PT.
Por
outro lado, porque quem compõe o governo são, com exceção do PSDB e do
DEM, basicamente as mesmas forças que estiveram durante tantos anos nos
governos do PT, não por afinidade política, mas porque é assim que se
estabelece o equilíbrio de governabilidade possível em um regime típico
de presidencialismo de coalizão.
Seguindo esse raciocínio, por
mais que seja difícil para alguns admitir isso, a mesma miríade de
pequenos partidos e legendas de aluguel que apoia hoje Michel Temer, faz
parte de seu governo e está sendo atacada pelo PT pode vir a ter de
ser, amanhã, cooptada de volta por Dilma para compor seu ministério,
caso ela retorne ao poder.
O
próprio presidente do PT, Rui Falcão, já admitiu que não fará nada para
evitar que o partido se alie ao PMDB nas eleições municipais deste ano.
Devagar, portanto, com o andor.
É
preciso cautela, para não parecer hipócrita, na mesma linha de
leviandade usada pela direita contra a esquerda – e pela extrema-direita
contra a política de modo geral, tendo a democracia e a liberdade como
alvos finais dessa linha de atuação.
Na
tentativa de atingir seus adversários, a esquerda não pode cair no mesmo
erro – aproveitado com deleite pelos fascistas – na tentação e na
esparrela da criminalização da política. Mesmo quando atacada hipócrita e
injustamente.
Pois
corre o risco de legitimar o discurso de apoio à Operação Lava Jato e o
discurso da mídia – muito mais importantes e deletérios do que o PMDB,
no processo de golpe que estamos vivendo – e de se equiparar a quem o
defende, diante da história e da população.
Vamos ser francos –
mesmo que as conversas tenham sido propositadamente gravadas e
conduzidas para ser usadas como habeas corpus por um dos interlocutores –
os diálogos entre o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e
autoridades como Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney não podem
ser rotulados com o mesmo grau de subjetividade dirigida com que se
julgaram e disseminaram outros diálogos gravados com a mesma intenção, e
divulgados fora de contexto, como os de Delcídio do Amaral, ou o de
Lula e Dilma.
Ao dizer que a Lava Jato representou uma sangria,
por exemplo, o senador Romero Jucá diz não mais que o óbvio. Uma sangria
em empregos, em interrupção de negócios, em sucateamento de obras e
projetos, em desvalorização de ações e ativos, em contratos
interrompidos, em prejuízos institucionais e contábeis para as empresas
acusadas, com terríveis resultados para o país, em termos estratégicos,
de defesa, energia e infraestrutura, e para milhares de empregados e
acionistas, o que é evidente e redundante.
Da mesma forma que
dizer que era preciso costurar um diálogo nacional para analisar o
assunto, com a participação do próprio STF, a quem cabe corrigir
eventuais desvios e ações polêmicas – principalmente no âmbito jurídico
–, colidentes com o texto constitucional, seria uma afirmação
consequente, lógica, e, no correr da conversa, óbvia e ululante.
Ou
será que a Lava Jato não poderia ter investigado e condenado os
corruptos efetivamente identificados, com dinheiro em contas no
exterior, como Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, sem
precisar destruir algumas das maiores empresas de engenharia do país?
Ou
sem atrasar e prejudicar tantos projetos e programas de interesse
nacional, colocando no mesmo balaio de gatos gente que se locupletou
pessoalmente - gastando acintosamente o dinheiro roubado à nação, em
farras, mesmo que familiares, no exterior - e funcionários de partidos
que obtiveram doações eleitorais registradas, à época, como
rigorosamente normais e legais?
Soltando os primeiros e encarcerando os segundos?
A
Lava Jato pode ter tido, indiretamente, alguma influência positiva,
sobretudo na identificação do fato de que não existem corrompidos no
setor público se não houver os corruptores no âmbito privado.
Facilitando a aprovação de leis como a que acabou com o financiamento privado de campanha.
Mas
o que está ocorrendo é que direita, centro e esquerda estão cometendo o
erro primário de não entender que o que se está enfrentando é um grupo
de forças que se opõem à própria atividade política, por princípio.
E
que ao se digladiarem fora do campo das ideias não estão fazendo mais do
que favorecer os inimigos da liberdade, saudosos do autoritarismo, que
se aproveitam das falhas normais de um regime – que, como diria
Churchill, não é perfeito, mas é o melhor que se conhece – para jogar a
população contra a democracia e promover e preparar, diligente e
coordenadamente, a chegada do fascismo aos cargos mais altos da
República.
O processo de impeachment é um golpe
jurídico-midiático, mas ele representa apenas um passo, mais uma etapa,
para a deflagração de um golpe maior contra a Nação, que levará à
derrocada da democracia no Brasil, à aprovação de leis que lembram os
nazistas, como a exigência de diploma superior para ministros e
presidente, fim do voto obrigatório, volta do escrutínio manual,
cassação de registros de partidos políticos, repressão ao trabalho de
educadores na sala de aula, criminalização dos movimentos populares e
até do comunismo – conforme propostas recentemente encaminhadas à
apreciação do Congresso Nacional.
Some-se a isso a eventual
chegada de um candidato de extrema-direita ao poder (há pelo menos dois
sendo promovidos pela imprensa), ou a consolidação de uma massa de votos
que seja suficiente para transformá-la na terceira força política do
país, capaz de decidir, com o seu peso, o resultado do segundo turno das
eleições de 2018.
E dá para ter uma ideia concreta do que espera a Nação – se não houver urgente correção de rumo – depois da curva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário