sexta-feira, 3 de junho de 2016

O colapso de credibilidade de Michel Temer


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2016/06/1777555-apertem-os-cintos-o-piloto-sumiu.shtml




Folha.com, 03/06/16



Apertem os cintos, o piloto sumiu

 
 
Por Vladimir Safatle



É certo que mesmo o mais entusiasta apoiador do golpe oligárquico perpetrado no Brasil não imaginava uma sequência tão desastrada como a que estamos a ver. A narrativa hegemônica antes do processo de impeachment de Dilma Rousseff era que, afastada a presidente, o dólar cairia, a bolsa subiria, a sociedade se reunificaria e voltaríamos a uma certa normalidade.

Mesmo os que denunciavam a manobra política afirmavam que entraríamos em um conchavo macabro entre a classe política, a imprensa e o judiciário para a criação de uma pacificação artificial do cenário político nacional.

No entanto, o que aconteceu foi outra coisa. Nestes primeiros 20 dias, o governo interino foi diariamente bombardeado por vazamentos de gravações que provocaram a queda de dois ministros em menos de um mês, setores da imprensa não deixaram de reverberar os arcaísmos e mazelas dos novos ocupantes do poder, minando a popularidade de um governo que começou em baixa. A quantidade de medidas anunciadas e revogadas em menos de um dia demonstra a profunda fragilidade do arranjo governista e seu programa.

Uma das formas de interpretar tal situação passa por compreender de outra forma golpes políticos como esse que o Brasil conheceu.

Normalmente, imaginamos que a queda de um grupo de poder e a ascensão de outro é fruto de um projeto claramente concebido que recebe a anuência de vários atores políticos com interesses em comum dispostos a se submeter a um comando central. Teria sido assim, por exemplo, com a ditadura militar, na qual setores do empresariado nacional, do latifúndio, da igreja conservadora e da imprensa organizaram seus interesses em comum submetendo-se ao comando militar, que foi rapidamente impondo sua hegemonia de fato.


No entanto, lembremos aqui da teoria presente em um dos mais impressionantes estudos sobre o estado nazista, a saber, "Behemoth: A Estrutura e a Prática do Nacional-Socialismo", de Franz Neumann.

Uma das principais teses de Neumann, companheiro de rota da Escola de Frankfurt, consiste em afirmar que o Estado nazista não era uma totalidade orgânica e homogênea. Antes, ele era composto de, ao menos, quatro grupos (o partido, o Exército, os industriais e a burocracia estatal) que se digladiavam entre si constituindo estruturas de poder paralelas que entravam continuamente em choque.

O Estado não se desagregava apenas porque existia um "mediador universal" reconhecido por todos (no caso, o Führer) que decidia os conflitos internos quando necessário. Agora, imagine uma situação como essa sem a figura do mediador universal. Você chegará assim ao Brasil atual, fruto de um impressionante golpe sem comando.
 
Cinco grupos tomaram a frente do processo de derrubada do governo Dilma. Primeiro, a casta política, que resolveu sacrificar seu sócio mais novo (o PT) para tentar, como disse singelamente o senhor Romero Jucá, "estancar a sangria".
 
Segundo, o poder Judiciário, que, diante da imobilidade do Executivo e do Legislativo, paulatinamente foi alçado ao centro do processo decisório nacional, ganhando um protagonismo e autonomia nunca visto. Não foram poucos os que denunciaram que o Brasil caminha para uma certa condição de República de juízes.
Terceiro, setores hegemônicos da imprensa, que tem sua pauta liberal-conservadora própria.
 
Quarto, a oligarquia financeira, único setor da economia nacional capaz de organizar o comando da economia a partir de seus próprios interesses. Por fim, a igreja evangélica conservadora, cuja influência na política brasileira é fruto de trabalho ideológico de longo fôlego no interior da dita "nova classe média".
 
Todos esses atores têm agendas próprias, não necessariamente convergentes. A única coisa que eles têm em comum é o mesmo inimigo externo, a saber, a esquerda no poder. O que os une é a violência contra o mesmo inimigo, que precisará continuar como tal. O que veremos agora será, pois, tais atores se digladiando entre si para impor sua hegemonia.
 
Policiais prendendo banqueiros, a imprensa enquadrando membros da casta política, evangélicos pressionando o governo para suas pautas fundamentalistas: esses movimentos são apenas um jogo de força no interior de um golpe sem comando e de um país à deriva. Esta é uma das versões possíveis do vazio no poder.




http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-Colapso-de-Credibilidade-do-Michel-Temer%2F4%2F36227
 


Carta Maior, 03/06/2016


O colapso de credibilidade de Michel Temer



Por
Glenn Greenwald - The Intercept



Desde o começo, ficou evidente que o processo de impeachment da presidente eleita, Dilma Rousseff, tinha como objetivo principal o fortalecimento dos verdadeiros ladrões de Brasília, permitindo assim que impeçam, obstruam e ponham fim às investigações da Operação Lava Jato (além de imporem uma agenda neoliberal de privatizações e austeridade extrema). Apenas 20 dias após assumir o poder, provas irrefutáveis do envolvimento do Presidente interino Michel Temer em escândalos de corrupção vieram à tona. Dois ministros interinos de seu gabinete composto apenas de homens brancos, incluindo o Ministro da Transparência, foram forçados a abandonar seus cargos depois do aparecimento de gravações secretas em que conspiram visando obstruir as investigações nas quais se encontram envolvidos, assim como 1/3 dos ministros do gabinete interino.
Mas os alarmantes níveis de corrupção de seus ministros têm por vezes servido para encobrir o envolvimento do próprio Temer. O interino também se encontra envolvido em diversas investigações de corrupçãoAgora condenado formalmente por violações de leis eleitorais, encontra-se por oito anos impedido de se candidatar a qualquer cargo público. Ontem, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, estado do presidente interino, publicou uma certidão formal que o declara culpado e impedido de se candidatar a qualquer cargo público por ter se tornado um candidato “ficha suja”. Temer foi condenado por doações acima do limite de campanha permitido por lei.
 
Em meio a intrigas, corrupção e irregularidades no governo “interino”, as violações da lei não são a mais grave transgressão de Temer. Mas ainda assim revelam de forma evidente a fraude antidemocrática que a elite brasileira tenta perpetrar no país. Em nome da corrupção, a presidenta eleita democraticamente foi afastada e substituída por alguém que, apesar de não estar impedido por lei de assumir cargos públicos, encontra-se por oito anos impedido de se candidatar ao cargo que exerce no momento.
 
Apenas algumas semanas atrás, o impeachment de Dilma parecia inevitável. Até então, toda a atenção da mídia oligárquica brasileira era dirigida exclusivamente à presidenta. Mas gradualmente as atenções se voltaram para quem estava organizando o processo de impeachment, para quem se fortaleceria e para seus motivos reais.

Então, tudo mudou. Agora, o impeachment de Dilma, embora ainda seja provável, não parece mais ser completamente inevitável. O Globo, informou na semana passada que dois senadores anteriormente favoráveis ao afastamento da presidenta, já admitem rever seus votos por conta das gravações recentemente publicadas dos ministros de Temer. Além disso, a Folha de S.P. ontem também noticiou que diversos senadores estudam a mudança de seus votos. É importante observar que os meios de comunicação brasileiros pararam de publicar pesquisas de opinião sobre a popularidade de Temer e sobre o impeachment de Dilma.

Enquanto isso, a hostilidade a esse ataque à democracia cresce tanto no Brasil, quanto no exterior. Os protestos contra Temer têm crescido e se intensificado. Mais de vinte deputados britânicos revelaram que consideram o impeachment um golpe. Mais de trinta deputados do Parlamento europeu reivindicaram o fim das negociações comerciais com o governo “interino” brasileiro por considerá-lo ilegítimo. O grupo anticorrupção Transparência Internacional anunciou que interromperia os diálogos com o novo governo até que a corrupção fosse eliminada dos novos ministérios. Em uma reportagem sobre a demissão do Ministro da Transparência nesta semana, o New York Times descreveu-a como “mais uma derrota para um governo que parece se atrapalhar em sucessivos escândalos poucas semanas depois de Temer substituir Dilma Rousseff.”

Mas nada explica melhor a perigosa farsa que as elites brasileiras tentam impor à população do que o líder por eles escolhido ser impedido de se candidatar ao cargo que acabou de assumir, devido a uma condenação judicial. Não se trata apenas da destruição da democracia no quinto país mais populoso do mundo, tampouco da imposição de uma agenda de privatizações e ataque aos pobres para benefício da plutocracia internacional. Trata-se do fortalecimento de operadores corruptos – desrespeitando as regras democráticas – cinicamente conduzido em nome da luta contra a corrupção.
 
Ontem, em um evento no Rio de Janeiro com David Miranda e Nathalie Drumond, fui perguntado – como sempre sou nestes eventos – sobre o possível envolvimento dos Estados Unidos na mudança do governo. Aqui, um vídeo com 4 minutos de minha resposta:  
 

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