terça-feira, 7 de junho de 2016

Direitos cabem no Orçamento; "bolsa milionário", não






Portal Vermelho, 27 de maio de 2016

 

Direitos cabem no Orçamento; "bolsa milionário", não


 
Por Joana Rozowykwiat


A expressão, ela explica, faz referência ao fato de que, no Brasil, ricos e super ricos possuem privilégios fiscais que pesam nas costas dos mais pobres e prejudicam a arrecadação. Grazielle, que é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), defende então o fim de regalias e a ampliação de tributos para as camadas mais altas da sociedade. 

O que não cabe no Orçamento é a isenção de Imposto de Renda nos Lucros e Dividendos, a carga tributária regressiva que pesa muito mais sobre os mais pobres e a classe média, a sonegação e a evasão fiscal e a dívida ativa da União", exemplifica, em entrevista ao Portal Vermelho.

De acordo com ela, o governo interino age de forma irresponsável ao querer implementar medidas que prejudicam o trabalhador, sobre quem já pesa uma carga tributária alta, injusta e regressiva.Cortar os direitos justamente daqueles que mais contribuem, proporcionalmente, é o auge da irresponsabilidade, do descompromisso e da incapacidade de um governo”, afirma.

Nas duas primeiras semanas, a equipe de Michel Temer já declarou que o país não tem condições de sustentar a universalidade do acesso à Saúde; defendeu a cobrança de mensalidades para cursos de extensão e pós-graduação em universidades públicas; cancelou a construção de unidades do programa Minha Casa, Minha Vida; propôs uma reforma da Previdência com redução de direitos e ampliação da idade mínima; decidiu priorizar uma reforma trabalhista precarizante; anunciou o congelamento dos gastos públicos, inclusive em áreas subfinanciadas, como Saúde e Educação, entre outros.

Sem querer desagradar empresários e políticos que apoiam o impeachment e combatem a elevação de tributos, o presidente provisório evitou, até então, propor mais impostos. Grazielle, contudo, aponta que redistribuir a carga tributária, aumentando-a para as parcelas mais ricas da sociedade e desonerando as camadas mais baixas, além de promover uma maior justiça fiscal pode ajudar a alcançar o tão almejado equilíbrio nas contas públicas.

As opções não são apenas cortar despesas ou aumentar a carga tributária. A justa e real opção é redistribuir a carga tributária, acabar com os privilégios", diz.

Lucros e dividendos
Grazielle ressalta que grande parte da estrutura tributária do país está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade. Isso significa que, proporcionalmente, os mais pobres pagam mais impostos, já que possuem renda inferior, mas pagam o mesmo preço que os ricos por produtos e serviços. Além do mais, toda a sua renda é utilizada no consumo, enquanto uma parte importante da renda dos mais ricos acaba convertendo-se em riqueza e patrimônio, cuja tributação é menor.
O Projeto Isonomia, iniciativa construída por diversas organizações da sociedade civil, incluindo o próprio Inesc e o Instituto Justiça Fiscal (IJF), propõe então alterações na cobrança do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), de modo a tornar mais justa a tributação brasileira. 
De acordo com o estudo, o IRPF representa somente 2,7% da arrecadação total do país, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 8,5%. O Projeto Isonomia apresenta uma série de propostas, que elevariam a participação deste imposto na carga tributária total para 5,4%, número mais próximo da média mundial.

O primeiro passo seria alterar a Lei 9.249/95. Tal norma, aprovada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), instituiu a isenção de Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos, dando uma ajudinha ao andar de cima. Entre todos os países da OCDE, somente Brasil e Estônia têm essa isenção sobre lucros e dividendos.

Um dos problemas da tributação brasileira é a falta de isonomia. A gente taxa muito mais as rendas oriundas do trabalho que a renda proveniente do capital. As altas rendas são predominantemente originárias do capital. Grande parte daqueles que recebem acima de 40 salários mínimos tem rendas originadas da distribuição de lucros e dividendos e é, portanto, isenta de pagar o tributo. Quando crio um tratamento não isonômico, privilegio justamente as maiores rendas”, diz Dão Real Pereira dos Santos, diretor de Assuntos Institucionais do IJF.

Conforme informações colhidas pelo Projeto Isonomia, o Relatório da Receita Federal do Brasil de 2013 mostra que, apenas em rendas relativas a lucros e dividendos, foram declarados naquele ano R$ 231,30 bilhões. Se este valor fosse submetido à mesma tabela progressiva que incide sobre as rendas tributáveis, considerando uma alíquota média de 25%, o resultado poderia gerar cerca de R$ 58 bilhões em Imposto de Renda.

Faixas
Um segundo passo seria criar novas faixas com alíquotas diferentes, na tabela do IRPF. Atualmente o tributo é cobrado a partir de cinco faixas, conforme tabela abaixo. 


De acordo com Grazielle, hoje, a tabela só é progressiva até determinado ponto. “Quando a gente chega na parcela acima de 30 salário mínimos, mais ou menos 27 mil reais, a partir daí ela fica regressiva. Então há uma injustiça fiscal dentro dela”, opina, afirmando que essa progressividade chega apenas até uma classe média alta, deixando os ricos e milionários de fora. 

Segundo ela, o fato de existirem apenas cinco faixas faz com que não seja possível separar adequadamente a porcentagem que cada grupo realmente deveria pagar. “Há gente com salário que não é tão alto, mas que paga uma alíquota elevada. Por outro lado, o limite ainda é muito baixo para quem realmente está na ponta, ou seja, quem recebe muito mais”, compara a assessora do Inesc.

Os milionários - o 0,1% da população brasileira que é mais rico - pagam menos impostos, proporcionalmente, que a classe média hoje”, diz.

Para equalizar a questão, o Projeto Isonomia propõe estabelecer oito faixas na tabela do imposto, conforme tabela abaixo. 


“É um estudo prévio, ousado, que oferecemos para debate. Uma simulação que parte dos dados da Receita Federal de segregação de renda por salário mínimo. Nele, interpolamos as alíquotas por faixa de renda, o que produziria uma desoneração da base da pirâmide e uma oneração maior do topo”, conta Dão Real Pereira dos Santos. O modelo proposto utiliza como referência para estabelecer o limite de isenção o salário mínimo calculado pelo DIEESE (R$ 3.299,66 em 2015).

Eliminando a isenção na tributação dos lucros e dividendos e aplicando esta tabela, 97,3% dos contribuintes do IR, que ganham até R$ 27.120,00, irão pagar menos imposto de renda. Já quem ganha acima dos R$ 27.120 - apenas 2,7% dos contribuintes - irá pagar um pouco mais”, resume Grazielle.

Dão dos Santos lembra que, além de corrigir injustiças, a nova tabela ainda contribuiria para injetar dinheiro na economia, pois haveria uma redução da tributação do IR para as rendas mais baixas enquanto o topo da pirâmide passaria a pagar mais Imposto de Renda.

De acordo com estudo do Projeto Isonomia, com estas medidas, espera-se uma elevação da arrecadação do IRPF total; uma redução substancial da carga tributária incidente sobre as baixas rendas, especialmente os salários dos trabalhadores; uma redução da desigualdade social; e a criação de condições para uma efetiva redução da tributação sobre o consumo, reduzindo o custo de produção e, consequentemente, os preços médios dos produtos nacionais.

Segundo cálculo das entidades que construíram o projeto, se taxados lucros e dividendos e aplicada a tabela proposta, a arrecadação subiria cerca de R$80 bilhões, que representa quase a metade do déficit de R$170,5 bilhões que o governo provisório prevê para 2016.

Melhor redistribuído, o IR contribui mais com o orçamento e promove justiça fiscal tanto na arrecadação quanto depois, na execução, porque é mais verba para investir em políticas públicas que garantem direitos. Além disso, com os recursos economizados, a classe média, que passaria a pagar mesmo imposto, poderia utilizar seu dinheiro de outra forma, movimentando a economia brasileira”, completa Grazielle.

Sonegação

A assessora do Inesc propõe ainda algumas medidas que, avalia, teriam importante efeito sobre a sonegação e a evasão fiscal, grandes destruidores do orçamento nacional. Entre elas, está a criação de uma força-tarefa no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), com analistas e auditores da Receita Federal para acelerar os processos dos devedores da União, o que poderia gerar uma receita de até R$ 913 bilhões. 

Grazielle defende ainda a cobrança imediata dos valores de Dívida Ativa da União que já tiveram os processos transitados em julgado. Ela avalia que tal medida poderia devolver R$ 236 bilhões aos cofres públicos. 

Outra ação que a especialista em orçamento público sugere é o direcionamento dos servidores da Receita Federal para o controle da evasão e da sonegação fiscal, que, em 2015, previa-se que atingiria mais de R$ 500 bilhões.

Já o IJF propõe a modificação da lei sobre os crimes contra a ordem tributária, como forma de acabar com a impunidade. Atualmente, se alguém comete algum crime tributário, enquanto não transitar em julgado a cobrança dos tributos, o sonegador não responde pelo crime. 

E, mesmo depois de encerrado o processo na via administrativa - coisa que pode levar em média 8 anos -, se o sonegador pagar ou parcelar a dívida tributária, também não poderá ser condenado pelo crime. “Que outro crime deixaria de ser punido simplesmente pela reparação do dano?, questiona Dão dos Santos. 


 


Folha.com, 03/10/15


Prêmio Nobel ataca elite alienada e propõe mais impostos para os ricos

 
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO



Começou com a eleição de Ronald Reagan. Os mais ricos passaram a pagar menos impostos, a economia foi desregulada e o setor financeiro tornou-se central. A memória da Segunda Guerra Mundial, e da solidariedade que engendrou, foi desaparecendo.

O rápido crescimento com avanço da indústria e ascensão das classes médias ficou para trás. O fim da União Soviética, eliminando a competição ideológica, frustrou planos de inclusão para a maioria da população.

O bem-estar das corporações foi engordando ao mesmo tempo que encolhiam os projetos de ajuda aos mais pobres. Um norte-americano típico ganha hoje menos do que ganhava há 45 anos – feitas todas as correções. Uma em cada quatro crianças vive na pobreza (na Grécia é uma em seis).

O 1% mais rico abocanha um quarto da renda e 40% da riqueza dos EUAHá 25 anos, essas percentagens eram de 12% e 33% respectivamente. Políticos e parlamentares fazem dessa superelite e atuam em função dela.
Essa crescente desigualdade destrói o mito dos EUA como a terra de oportunidades, sabota a eficiência da economia e, principalmente, abala os pilares da democracia. O lema de "um homem um voto" está sendo convertido em "um dólar um voto".

É com esse pano de fundo que o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz desenvolve 'The Great Divide' [A Grande Divisão], obra que disseca os movimentos que levaram a rupturas e desagregações na sociedade norte-americana nas últimas décadas.


Seu ponto central: a desigualdade galopante é fruto de políticas deliberadas e poderia ter sido evitada. Stiglitz ressalta que o fosso social fabricado nos Estados Unidos – e replicado pelo mundo – impede uma recuperação mais robusta da economia, reforçando iniquidades e mais concentração de riqueza.

Com uma linguagem contundente e didática, o autor extrapola em muito o estrito mundo econômico. Sua reflexão passa pelo comportamento da elite, cada vez mais divorciada das necessidades da população.

Alienada das condições sociais gerais, da saúde, da educação, da segurança e da infraestrutura, essa fração dos superricos vive numa bolha, não liga para o que acontece com a maioria e gera efeitos perversos para o país. Nas palavras do Nobel:

"De todos os custos impostos pelo 1% para a nossa sociedade talvez o maior seja a erosão de nosso senso de identidade, no qual o jogo justo, a igualdade de oportunidade e o senso de comunidade são tão importantes".

Stiglitz, 72, lembra que Alexis de Tocqueville (1805-1859) identificou nos norte-americanos a existência de um "interesse próprio bem compreendido", ou seja: para o próprio bem-estar individual é preciso prestar atenção nas condições dos outros.

Segundo o Nobel, os americanos aprenderam que "ajudar os outros não é apenas bom para a alma, mas é bom para os negócios". No entanto, agora a elite não entende que o seu destino está interconectado com o da maioria da população –os 99%.

"A história mostra que isso é algo que, no final, o 1% mais rico pode aprender _muito tarde", diz. O alerta está em 'Do 1%, pelo 1%, para o 1%', famoso ensaio publicado originalmente pela revista "Vanity Fair", em 2011, e que serviu de inspiração para protestos como o Occupy Wall Street.

O texto é um dos mais esclarecedores do livro, que recupera discussões de outras obras de Stiglitz, como 'The Price of Inequality' (2012) e 'Freefall' (2010). Ex-executivo do Banco Mundial e do conselho econômico da administração Bill Clinton, Stiglitz reforça, também nesta obra, seu ataque contra os bancos.


Condena, especialmente, as práticas anti-competitivas na área de cartão de crédito. Recomenda uma forte legislação antitruste – o que impulsionaria pequenos negócios. No conjunto, defende uma maior taxação para os mais ricos, demolindo argumentos contrários.

Ainda que repetitivo em alguns pontos, "The Great Divide" é essencial para entender os dias que correm –não só nos EUA.



http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/O-grande-erro-e-a-grande-dor-causada-pelo-neoliberalismo/7/36246

 

Carta Maior, 07/06/16

 

O grande erro e a grande dor causada pelo neoliberalismo



Por Vicenç Navarro* - Público.es


 
Se você lê a imprensa econômica ou as páginas econômicas da imprensa em geral, deve ter visto que em muitos países estão sendo introduzidas práticas bancárias através das quais as instituições financeiras, em vez de pagar juros pelo dinheiro que o cidadão deposita no banco, cobram do mesmo para guardar esse dinheiro. É o que chamam de juros negativos. Você se perguntará: por que o fazem? E a resposta a essa pergunta varia de acordo com o economista que responde. As chamadas “ciências econômicas” não são tão científicas como a maioria da população acredita.
 
Uma resposta muito frequente é a de que existe hoje no mundo muitíssimo dinheiro. Na verdade, há tanto dinheiro que não se sabe o que fazer com ele. E, para os ricos, é mais seguro ter o dinheiro depositado no banco que debaixo da almofada da sua casa. A resposta tem certa lógica. Mas o que você faria se tivesse muito dinheiro seria, em vez de colocar o dinheiro debaixo da almofada ou num banco? Tentaria utilizá-lo bem, investindo, comprando propriedades que gerassem renda agora ou num futuro a médio ou longo prazo, aumentando o consumo. Isso é precisamente o que a maioria dos economistas também dirá. Já que o maior problema das economias desenvolvidas é a escassa demanda, parece lógico que se tomem medidas para aumentar o consumo. As autoridades públicas tentam fazer com que, no lugar de guardar o dinheiro, as pessoas utilizem esses recursos comprando. É importante, portanto, que os bancos, em vez de forçar a barra com os juros sobre os depósitos, incrementando a poupança.
 
Essa explicação parece lógica, mas há um grande problema: assumir que não se está conseguindo aumentar o consumo no país – seja porque não há suficiente dinheiro em circulação, o que é não é verdade, mas é difícil de explicar. Em realidade, os bancos centrais, incluindo o BCE (Banco Central Europeu), vem imprimindo mais e mais dinheiro (bilhões de novos euros em circulação. No entanto, a economia permanece estancada. Para dizer a verdade, os bancos já chegaram a entregar empréstimos com juros negativos, durante muito tempo. Se os juros do dinheiro que você deposita no banco são mais baixos que a inflação (que é o que aconteceu durante bastante tempo), você está perdendo dinheiro no depósito bancário.
 
Por que a política monetária é dramaticamente insuficiente?

O grande erro dos talibãs neoliberais está aí. Acreditar que a economia pode se tornar a base da quantidade de dinheiro que há no mercado (que depende, entre outros fatores, da quantidade de dinheiro que o Banco Central imprime, que é o que se chama política monetária) é estar profundamente equivocado. Isso não quer dizer que seja completamente errôneo. Há um elemento de verdade, mas só um elemento, e agora é um elemento muito pouco importante. O que não quer dizer que os bancos não puderam ajudar no estímulo da economia. Mas, hoje, a banca privada não o faz. O Banco Central deveria dar (a juros muito baixos) dinheiro aos Estados (uma quantidade que possa ser regulada), para que os mesmos possam, com esses recursos, apoiar diretamente as famílias e as pequenas e médias empresas. Mas não o fazem, porque preferem fazer tudo através da banca privada, que utiliza a maior parte desse dinheiro para fins especulativos.
 
Não o fazem, e não é porque os banqueiros sejam pessoas ruins (embora muitos pensem que sim, porque são avarentos e não sempre honestos com seus clientes), mas sim porque a rentabilidade do investimento é muito maior na especulação que no que se chama investimentos produtivos (na produção de bens e serviços). Além disso, não confiam nas pequenas e médias empresas, pois as vê como pouco seguras. Em outras palavras, o problema não é a falta de dinheiro mas sim os canais pelos quais são distribuídos tal dinheiro. Na verdade, as grandes empresas nunca tiveram tanto dinheiro, mas também enfrentam um grande problema: não há onde depositá-lo. Por isso os bancos cobram para guardá-lo.
 
Qual é o problema, então?
 
Acreditem, embora você não veja isso na imprensa, o maior problema da economia hoje é a falta de demanda de bens e serviços, porque a população não tem dinheiro para comprá-los. E o fato de não ter dinheiro é porque a maioria consegue sua renda na base do trabalho, ou seja, salários ou outras formas de compensação relacionadas com o trabalho. Aí está o ponto decisivo. As rendas derivadas do trabalho (como porcentagem de todas as rendas) vêm caindo, enquanto as rendas do capital vão crescendo. Esse é um problema gravíssimo, mas silenciado e ocultado pelos meios de comunicação. Se você acha que essa teoria é paranoica, tente mostrar onde se lê sobre isso em artigos ou matérias na televisão. Pode haver uma ou outra exceção, mas elas só vão confirmar a regra.
 
Essa ausência não significa que os jornalistas sabem a verdade e a ocultam. Isso costuma acontecer, mas não é o mais frequente. Na verdade, o que predomina é mais a ignorância, não a manipulação, mesmo nos meios ditos especializados em economia – embora realmente exista os que funcionam pela regra contrária.
 
É muito fácil ver o que está ocorrendo. Os cortes nas políticas sociais diminuíram a demanda de uma forma substantiva. Hoje, a escassez de demanda é o maior problema na Zona Euro (especialmente no sul da Europa), e é responsável pelo estancamento econômico e o baixíssimo crescimento econômico. Esse estancamento foi causado, por sua vez, pela queda nos investimentos produtivo (na União Europeia, a baixa foi de 8,4% em investimentos no ano 2000 para 6,8% em 2014, enquanto na Espanha, ainda pior, de 7,5% a 5,7% durante o mesmo período). A diminuição do apoio em áreas como a investigação e o desenvolvimento também é bastante notável. Na verdade, as políticas de reformas trabalhistas impulsadas pelos diferentes governos – tanto o PP (Partido Popular, força de direita da qual faz parte o presidente Mariano Rajoy) quanto o PSOE )(Partidos Socialista Operário da Espanha, de centro-esquerda), e inclusive a nova frente de centro-direita chamada Cidadão aplaudiu essas medidas, que tiveram como consequência a queda no valor real dos salários e o aumento da precariedade, e das políticas de austeridade, com cortes realizados e aplaudidos por tais partidos, que tiveram um impacto muito negativo, causando primeiro a grande recessão, e logo atrasando a recuperação econômica.
 
A sabedoria convencional está mudando?
 
Os exemplos mais notáveis de atraso se dão devido ao enorme domínio dos meios de informação por parte de forças conservadoras e neoliberais. Tanto a direção do FMI quanto até mesmo o presidente do BCE indicaram que as políticas monetárias são insuficientes, e que o que parece ser a solução é um pacote de medidas fiscais para estimular a economia mediante medidas fiscais.
 

O que se entende por medidas fiscais é a redução dos impostos, com o que se consideram que estimulará a economia, o que é verdade, mas só até certo ponto, já que as diminuições de impostos, por regra geral, beneficiam mais as rendas superiores que a maioria da população, e os primeiros já têm tanto dinheiro que o que recebem como isenção ou rebaixa dos impostos se transforma em acúmulo, não em mais consumo, ao contrário do que a maioria da população, que não tem tantas posses e gasta quase toda a ajuda extra que recebe.
 
Logo, a melhor maneira de estimular a economia é dar um giro de 180º, acabando com as reformas contraproducentes que foram impostas à população. Na verdade, o presidente estadunidense Franklin Roosevelt tirou o seu país da Grande Depressão graças a um incremento enorme do gasto público, através de investimentos públicos bastante necessário ao país, o estabelecimento da Segurança Social e o estímulo à sindicalização, para que se aumentassem os salários. Hoje, isso é o que a Espanha necessita, por exemplo. Infelizmente, nem o PP, nem o PSOE, a frente de centro-direita Cidadãos propõem algo semelhante àquilo. As propostas do PSOE não se distanciam o suficientemente das políticas públicas seguidas por seus antecessores, e isso é parte do problema. Hoje, a principal necessidade é estimular a economia através de um aumento notável dos investimentos públicos nas áreas sociais, energéticas e industriais, criando empregos de qualidade. Um aumento importante dos salários, revertendo as reformas trabalhistas para reforçar os sindicatos, ao invés de debilitá-los. Se a Espanha não faz isso, seguirá o mesmo caminho enfrentado pela Grécia, que terminou aceitando a continuidade das reformas neoliberais. E tal mudança das políticas contra o que se indica nos círculos econômicos e políticos, onde se reproduz a sabedoria convencional. Portugal é um exemplo de onde a coalizão governante de esquerda tratou tais políticas. A Espanha poderia ser outro. Na realidade, os dias da austeridade estão contados, pois existe hoje uma rebelião dos países da Zona Euro (vejamos o que acontece na França). Diante de tais políticas, que prejudicam muito as classes populares. A vitória nas próximas eleições e nas internas pode fazer com que, no dia 26 de junho, uma coalizão de partidos progressistas anti-austeridade, seria um passo muito importante para reverter o austericídio presente. Pensem, portanto, que o seu voto pode determinar que se continue com essas políticas desastrosas ou que alguém seja capaz de confrontar tudo.

 

* Catedrático de Ciências Políticas e Políticas Públicas pela Universidade Pompeu Fabra, professor de Políticas Públicas da The Johns Hopkins University, ex-catedrático de Economia, da Universidade de Barcelona.

 
Tradução: Victor Farinelli

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