sexta-feira, 28 de março de 2014

STF confirma: Tucanos são para ficarem impunes





Brasil 247, 28 de março de 2014



Acerto sobre Azeredo desmascara AP 470



Por Breno Altman, especial para o 247




O Supremo Tribunal Federal deliberou, por 8 votos a 1, pela remessa do processo contra o ex-deputado Eduardo Azeredo à primeira instância, nas montanhas de sua Minas Gerais, onde responderá pelo mensalão tucano. 
Tal resolução, a bem da verdade, guarda coerência com outra, tomada há algumas semanas, que estabeleceu desmembramento de processos que envolvam cidadãos com e sem foro privilegiado, ainda quando partilhando a mesma denúncia penal. Aqueles que não possuírem alçada federal, serão remetidos para o pé da pirâmide judicial, com direito a dois ou até três graus de apelação.
Pode-se especular que o ex-presidente do PSDB renunciou ao mandato parlamentar por razões maliciosas, apenas para ganhar tempo e aumentar as chances de prescrição para eventuais crimes, além de buscar a tranquilidade de uma comarca na qual exerça maior influência. Mas não há qualquer dúvida que a atitude tomada por Azeredo, trocando sua cadeira na Câmara por maior segurança jurídica, está protegida por direitos constitucionais. Como reconheceu, aliás, a própria corte suprema.
Talvez seja pertinente a crítica moral. Ao contrário de José Dirceu, que recusou abdicar do parlamento para escapar da cassação, preferindo o combate político ao cálculo de oportunidades, o outrora governador mineiro resolveu escapar pela porta dos fundos. Não é bonito, tampouco ilegal. Dirceu tem obrigação histórica e biográfica de ser como é. Azeredo contou com a possibilidade regulamentar de agir como o fez. 
O mais relevante, no entanto, está na jurisprudência que acarretam as novas deliberações do STF. Depois de revisado o crime de quadrilha, caiu a segunda das quatro pilastras sobre as quais se ancorou a AP 470, qual seja, a  unificação de todas as denúncias em um só processo na corte suprema quando qualquer dos réus goza de foro privilegiado. Quando foi analisado o caso contra os petistas, apenas três dos 39 acusados eram parlamentares nacionais, mas todos foram conduzidos a julgamento em instância única.
Este procedimento, considerado fundamental para as condições de espetáculo e resultado contra Dirceu e companheiros, foi devidamente arquivado depois de ajudar o relator Joaquim Barbosa a alcançar seus objetivos. Não é à toa que o único voto contra Azeredo tenha sido o do atual presidente do STF, possivelmente pouco à vontade em corroborar, com sua própria incoerência, o caráter de exceção do encaminhamento anterior.
A mudança de critérios, de toda forma, desmascara parte dos métodos arbitrários do processo precedente, que também se encontram sob acosso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reiteradamente exigindo que todos os signatários do Pacto de San Jose ofereçam julgamento recursal em ações penais, mesmo quando os réus são enquadrados na instância superior do sistema judiciário.
Com o tempo, não irá restar pedra sobre pedra das armações que determinaram a AP 470, cujas operações foram tecidas sob medida, para ocasião única, na alfaiataria dirigida pelo ministro Barbosa. Ainda restam outras duas colunas: o domínio do fato como teoria que dispensa provas materiais concretas para condenação e o fatiamento do suposto crime de suborno em diversos delitos independentes, com a meta de garantir a devida exacerbação penal. Tampouco essas aberrações sobreviverão à via constitucional que o STF está obrigado a retomar.
Quando a normalidade jurídica estiver plenamente recuperada, porém, a corte suprema terá que resolver um dos maiores dilemas de sua história. Como irá corrigir as injustiças e desmandos que levaram à cadeia líderes históricos do PT? Quem irá pagar a conta do circo judicial e midiático montado com a única finalidade de degolá-los por crimes que jamais cometeram?


 



Brasil 247, 27 de março de 2014


Azeredo abre janela para reús da AP 470 irem à OEA



247 - A decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de devolver o processo contra o ex-deputado Eduardo Azeredo (PSDB) por envolvimento na Ação Penal 536, o chamado mensalão tucano para a 1ª instância da Justiça de Minas Gerais abre uma janela para que muitos condenados na Ação Penal 470, que não precisavam ser julgados em foro especial, recorram das condenações que pesaram contra eles na Corte Internacional de Direitos Humanos (OEA). Afinal, se Azeredo, que renunciou ao cargo de deputado para escapar do julgamento em última instância, será julgado pela Justiça comum, réus como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, que também não tinham cargos políticos, também devem ser.
Complementar a esta decisão do Supremo, a OEA confirmou o entendimento de que todos os condenados têm direito a um recurso para rediscutir os fatos que levaram a punições. Seis dos sete juízes da Corte, localizada em San José, capital da Costa Rica, concluíram que os países que se submetem à sua jurisdição, como o Brasil, devem dar a oportunidade de recursos a réus julgados no sistema de foro privilegiado, no caso o Supremo Tribunal Federal, de modo a permitir que eles possam contestar todos os pontos de suas sentenças.
A sentença da Corte Interamericana foi divulgada na segunda-feira, por meio de um comunicado da instituição, no julgamento de um caso envolvendo o Suriname. "Deve se entender que, independentemente do regime ou do sistema recursivo que adotem os Estados membros e da denominação que deem ao meio de impugnação da sentença condenatória, para que essa seja eficaz deve se constituir um meio adequado para buscar a correção de uma condenação", diz a sentença. "Consequentemente, as causas de procedência do recurso devem possibilitar um controle amplo dos aspectos impugnados da sentença condenatória", complementa.
No caso dos condenados no chamado mensalão petista, eles só puderam recorrer de decisões em que conseguiram quatro votos favoráveis, os chamados embargos infringentes. No caso do ex-ministro José Dirceu, ele apenas teve direito a recorrer contra a condenação de formação de quadrilha, já que conseguiu quatro votos favoráveis, como determina o regimento do STF. No entanto, não pode contestar a pena por corrupção ativa. O mesmo ocorreu com José Genoino e Delúbio Soares.
Ou seja, tanto a decisão do STF nesta quinta-feira (27) favorável ao ex-deputado tucano quanto o entendimento da OEA servem de argumentos vigorosos para que os condenados na AP 470 recorram de suas condenações. Se a Corte Internacional dos Direitos Humanos considerar que eles foram julgados irregularmente, uma vez que não necessitavam de foro privilegiado e também levar em conta o direito de questionar todas as decisões, o mensalão petista, tão alimentado pela grande imprensa, poderá ser totalmente descaracterizado. Ao final de anos de discussão e de apelo midiático, o espetáculo protagonizado pelo ministro Joaquim Barbosa, perderá totalmente sua efetividade?
 
 
 



http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/STF-remete-mensalao-tucano-para-a-justica-de-Minas-Gerais/4/30585



Carta Maior, 28/03/2014


STF remete mensalão tucano para a justiça de Minas Gerais



Por Najla Passos



Brasília - O STF lavou as mãos e decidiu, por maioria, remeter a ação penal 536 contra o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo (PSDB), conhecida como “mensalão do PSDB”, para ser julgado pela 1ª instância, como preza a Constituição que deva ocorrer em casos de réus sem direito a foro privilegiado.

A argumentação dos ministros vitoriosos foi a de que a decisão respeita a jurisprudência da corte. O que eles não explicaram é como o mesmo STF que acabou de julgar mais de 30 réus sem mandato eletivo na ação penal 470, o chamado “mensalão do PT’, só agora descobriu que há uma lei a ser respeitada.

Azeredo é acusado pelo Ministério Público de ter desviado recursos públicos de empresas estatais mineiras, hoje estimados em mais de R$ 9 milhões, para sua campanha à reeleição, em 1988, por meio das mesmas agências de publicidade do mesmo Marcos Valério condenado pela AP-470.

Ele perdeu aquela disputa, mas se elegeu, na sequência, para deputado federal pelo PSDB, cargo que ocupou até fevereiro passado, quando vislumbrou a possibilidade iminente do julgamento do seu caso pelo STF. Sem mandado, perdeu o foro privilegiado e, portanto, renunciou na tentativa de escapar de ser julgado sob os holofotes da corte máxima.

Na segunda (24), o procurador geral da República, Rodrigo Janot, que reivindica uma pena de 22 anos de prisão para Azeredo, pediu que o STF mantivesse o julgamento na corte máxima. "A renúncia do réu Eduardo Azeredo se traduz como verdadeira tentativa de burla à jurisdição constitucional da suprema corte", justificou.

Apenas o presidente da corte, Joaquim Barbosa, atendeu ao apelo, mantendo sua posição histórica de não remeter à primeira instância processos de réus que renunciam para escapar ou retardar o julgamento. “A renúncia do réu ao seu mandato poucos dias após a apresentação das alegações finais tem o propósito claro de retardar o julgamento”, reforçou.

Todos os demais apoiaram a posição de Barroso, que alegou respeito à jurisprudência e à segurança jurídica para embasar a decisão: “A jurisprudência dominante no Supremo é no sentido de que, cessado o mandado por qualquer razão, não subsiste a competência do Supremo para julgar réu de ação penal”, justificou.

O relator observou que, pelo menos desde 1999, a única exceção à regra foi o caso do deputado Nathan Donadon, eleito pelo PMDB de Rondônia, que renunciou na véspera do julgamento, em 2010, tentando escapar da punição, já que havia risco concreto de prescrição dos crimes. O STF, porém, decidiu manter o julgamento e o condenou.

Barroso sustentou que, no caso de Azeredo, não há perigo de prescrição: o processo já está pronto e instruído para ser julgado, seja no STF ou na justiça de 1º grau. “A rigor, a demora no STF tende a ser maior, porque envolveria a elaboração de votos individuais pelo relator e pelo revisor”, opinou.

Critérios objetivos

Se a posição de Barroso de remeter a ação para a justiça mineira saiu vitoriosa, o mesmo não ocorreu com sua proposta de fixar um critério objetivo para casos futuros: o de que a partir do acolhimento da denúncia, mesmo que o réu renunciasse ao mandato, o julgamento seria realizado pelo STF. Embora a maioria dos ministros tenha apoiado a definição de um critério, eles não chegaram a uma maioria sobre qual deveria ser ele.

Na tentativa de convencer os colegas da importância de se estabelecer um parâmetro futuro imediatamente, Barroso exorbitou a incongruência do julgamento de réus sem foro privilegiado na ação penal 470 para exemplificar o que acontece quando a corte decide cada caso com pesos e medidas diferentes. “É muito difícil explicar para a opinião publica porque na AP-470 foi julgado todo mundo junto e nessa houve desmembramento. É preciso ter critério”, defendeu ele, sem sucesso. Alegando outros compromissos, o presidente da corte encerrou a sessão.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A Petrobras e a falácia da austeridad​e fiscal

Carta Maior, 27/03/2014


A Petrobras e a falácia da austeridade fiscal



Por Jaciara Itaim


​Muito tem sido comentado, ao longo dos últimos dias, a respeito dos inúmeros equívocos cometidos pelos dirigentes da Petrobrás no “affaire” associado à compra da destilaria em Pasadena, nos EUA. Apesar de ter sido um negócio que foi concluído lá atrás em 2006, os desdobramentos derivados daquela primeira ação da polêmica aquisição, iniciada durante o primeiro mandato do Presidente Lula, ainda estão se fazendo sentir.

É bem verdade que há vários indícios sugerindo que o dossiê não chegou bem amarrado para deliberação pelos membros do Conselho de Administração. Aliás, como costuma acontecer com a maioria dos pontos constantes das pautas das reuniões desse tipo de colegiado. Exatamente por isso, cabe aos integrantes do colegiado superior à diretoria zelar para que decisões estratégicas e envolvendo valores expressivos e questões sensíveis sejam sempre objeto de maior debate e esclarecimento.

Em tese, parte da argumentação inicial apresentada pelos responsáveis da Petrobrás se justifica. Naquele momento, as descobertas das reservas do Pré Sal ainda não estavam na ordem do dia. O ritmo de crescimento de nossa economia apontava para uma incapacidade de atender a demanda de energia fóssil, contando apenas com a produção nacional. O Brasil entrava no terreno perigoso da dependência de importações para suprir nossas necessidades internas de petróleo e de seus derivados. Na matriz apresentada pela empresa estatal, fazia sentido ampliar a busca de refino de um tipo especial de combustível – conhecido como “óleo pesado” - no exterior, pois nossa maior capacidade instalada internamente era assentada com prioridade para as operações de refino a partir do chamado “óleo leve”. Na busca das alternativas de unidades fabris à venda pelo mundo, eis que surge a opção da empresa de Pasadena.

Pasadena: o histórico das trapalhadas

E aqui, ao que tudo indica, começam os problemas. A empresa havia sido comprada um ano antes, por um conhecido magnata dos negócios internacionais, o belga Barão Albert Frère, pelo valor de US$ 42,5 milhões. O milionário é dono do grupo Astra, que efetuou investimentos de modernização da ordem de US$ 80 milhões e logo em seguida apresentou uma proposta de negócio à Petrobrás. A oferta era que ela comprasse o equivalente a 50% do valor da empresa por US$ 190 milhões. Se nada mais houvesse, os relatórios financeiros consideravam o valor adequado à realidade do mercado petroleiro naquele momento.

Ocorre que o contrato previa dois pequenos “detalhes” que viriam a se tornar a pedra de toque para a felicidade do Barão e o consequente o prejuízo da Petrobrás e de nosso País. Enfim, dispositivos cruciais que não poderiam nunca ter passado batido por quem decide esse tipo de operação. Havia uma cláusula que mencionava uma rentabilidade anual mínima muito elevada (6,9%) para a performance da empresa sob nova direção, controlada desde então pela parceria belgo-brasileira. Outro pequeno inciso determinava que, caso houvesse desentendimento entre os novos sócios, os 50% restantes seriam vendidos obrigatoriamente ao outro parceiro.

Esse foi o pulo do gato para o espertalhão Frère: como a rentabilidade prevista não foi alcançada e juntando outros argumentos menores de divergência de gestão estratégica, ele praticamente empurrou a compra de sua parte. Coitadinho, como estava insatisfeito, queria agora se desfazer do ‘mau” negócio. Mas como havia um processo de valorização do empreendimento e dos negócios do petróleo em geral, a Petrobrás teria que pagar uma quantia muito elevada por sua parte. Por orientação da então Ministra da Casa Civil Dilma Roussef, a empresa brasileira recusou-se a cumprir o previsto nas cláusulas malandras do contrato e a questão foi parar na justiça norte-americana. A sentença final deu ganho de causa aos belgas e eles receberam um valor ainda maior do que o pleiteado fora das cortes - US$ 820 milhões.

Por outro lado, sobreveio a crise econômica nos Estados Unidos e no cenário internacional, com imensa desvalorização dos ativos industriais. No ambiente interno brasileiro, a boa novidade veio com as descobertas do Pré Sal. A Petrobrás não mais seria compelida a buscar refino lá fora. Mas o resumo da ópera aponta para um belo equívoco em que terminou por se converter a operação Pasadena. Tivesse tal trapalhada ocorrido no período anterior a 2003, com toda a certeza não haveria tamanha complacência por parte dos dirigentes do PT para com o descaso conferido aos recursos públicos.

Austeridade fiscal apenas para os gastos sociais

Mas esse “imbróglio” todo oferece também uma perspectiva muito cristalina a respeito da maneira como é tratada tão propalada “austeridade da política fiscal” em nossas terras. O governo tem enchido a boca para manifestar ao chamado mercado, sempre de forma muito séria e solene, suas mais nobres intenções em assegurar a obtenção da meta do superávit primário. Como sabemos, trata-se tão somente de um nome belo e pomposo para a verdadeira política de reduzir gastos públicos nas áreas sociais e de investimento. O objetivo real é a drenagem de recursos orçamentários livres para o pagamento de juros e demais serviços financeiros da dívida pública.
Afinal, essa tem sido uma das pernas do chamado tripé da política econômica, em vigor desde a época do Plano Real, implantado há vinte anos atrás. Tendo apresentado metas anuais que podem ter variado em torno de 3% do PIB na maior parte do longo período, essa política significou uma drástica redução na capacidade do Estado brasileiro em desenvolver suas funções previstas nos próprios dispositivos constitucionais. Apenas no período mais recente foram introduzidas algumas modificações de natureza metodológica, com a intenção de prover um mínimo de recursos para o governo conseguisse implementar algumas políticas anti-cíclicas, em razão da crise financeira internacional.

Não por acaso, inclusive, esse período tem sido marcado por um recrudescimento das medidas de concessão e de outras modalidades travestidas de privatização, em razão do estrangulamento de recursos financeiros para que o setor público consiga atuar diretamente no provimento de serviços públicos em áreas tão diversas, como saúde, educação, previdência social, transportes, infra-estrutura e outras.

As áreas de controle do gasto público são chamadas, a todo momento, a justificar as razões de cortes expressivos em setores essenciais da administração pública, inclusive de áreas consideradas estratégicas para o governo, a exemplo das obras do próprio PAC. Por outro lado, o governo abre sua caixa de benesses e bondades para o grande capital, oferecendo todo o tipo de isenção e desoneração tributária, sem nenhuma exigência de contrapartida para serem cumpridas pelas empresas aquinhoadas.

Recursos públicos para o capital privado não têm limite

Além disso, o próprio caso da Petrobrás retira completamente o véu da disparidade com que são tratadas as verbas federais. Quando se trata de recursos orçamentários vinculados ao mundo dos negócios e da acumulação de capital, o céu é o limite. São os créditos subsidiados pelo Tesouro Nacional, são os empréstimos generosos oferecidos pelo BNDES às aventuras irresponsáveis de Eike Batista e seus comparsas, são os planos de anistia tributária para os sonegadores e maus pagadores do fisco, sob o nome pomposo de REFIS. Ou seja, o discurso da austeridade fiscal tem a aparência do rigor e da inflexibilidade. Porém, por trás essa máscara, surge a facilidade com que o gasto público irresponsável se mantém para os interesses do grande capital privado, que também se beneficia indiretamente do investimento público.

Quando o debate se situa na necessidade de se rever as políticas restritivas na área social, o argumento esgrimado de imediato faz menção à famosa ausência de recursos. E o governo conclama todos a oferecerem sua cota de sacrifício em nome da estabilidade econômica. É o caso da negativa à antiga reivindicação de se corrigir a enorme injustiça perpetrada à época de FHC, quando reduziu as aposentadorias e pensões do INSS, por meio do famigerado fator previdenciário. É também o caso da rejeição à proposta antiga de alocação de recursos orçamentários para a Saúde, com o objetivo de evitar a continuidade do desmonte do SUS. É igualmente o caso dos obstáculos antepostos à proposta de incluir no Plano Nacional de Educação a menção explícita de um percentual de 10% do PIB para o sistema de ensino público. Necas de pitibiriba! Não há verbas disponíveis, o orçamento está apertado. E ponto final!

De outro lado, o que se vê ao longo do exercício são as ações do um verdadeiro dragão da maldade. O Tesouro Nacional obteve respaldo para promover todo o tipo de corte, aqui e ali, retirando migalhas e valores expressivos de projetos sociais importantes. Ao mesmo tempo, valores bilionários mal aplicados escapam ao debate e não frequentam as páginas das editorias de economia. Desde as trapalhadas injustificáveis de Pasadena até o rombo de mais de uma centena de bilhões de reais que sai, a cada ano, pelo ralo da conta de juros, para alimentar o caixa das instituições do financismo.

Esses números e tais diferenças de tratamento falam por si só a respeito de quais são as verdadeiras prioridades do governo em termos de suas políticas públicas.


(*) Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Como um parlamenta​r adquire poder de chantagem?





http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Se-pensar-pequeno-o-governo-escorrega-na-goela-conservadora/30568




Carta Maior, 26/03/2014 

              

Se pensar pequeno, o governo escorrega na goela conservadora



Por Saul Leblon



​Para quem acha que capitalismo é apenas um sistema econômico, não uma relação de poder, o Brasil  se oferece  como um  incentivo à revisão  de conceitos.

Tome-se a luta de chifres entre  os resultados  da economia  e a guerra santa das expectativas.
Estamos  a sete meses das  eleições presidenciais

A manada  de bisão acantonada nas redações  afia os cascos no chão e recobre o horizonte brasileiro de uma espessa  poeira cinza asfixiante.

É imperioso  ligar o aspirador de pó à passagem do tropel noticioso. A mesa do café da manhã fica  imprestável,  dividida com a edição do dia.

A culpa pelas más notícias nunca é do carteiro.

OK.

Exceto se ele exorbita  e troca a entrega da correspondência  pela ordem de despejo que lhe confere o mando do imóvel, às expensas dos ocupantes legítimos.

O  pisoteio  dos cascos isentos  faz mais ou menos isso ao reduzir  a partículas ínfimas  qualquer  saliência que desafie  a pauta do Brasil aos cacos.

Não entrega a correspondência. Ou o faz rasurando seu conteúdo –frequentemente alterando-o.


Nenhum vestígio positivo do  passado e do  presente  mas,  sobretudo, os  brotos do  futuro, sobrevivem à passagem diária do tropel.

Repita-se:  isso,  há sete meses do pleito que pode dar um quarto mandato à coalizão  centrista comandada pelo PT.

Há quem ache merecido.

Até sorri ao ouvir o barulho do  Brasil esmigalhando diariamente sob as patas do tropel.

As alianças ‘escolhidas’  pelo PT, afinal, sem falar no próprio,  submeteram a sociedade  a uma camisa de força conservadora, justificam os sorridentes.

‘Contra tudo isso que está aí’, vale tudo.

Até a parceria com autênticos partisans  do novo amanhecer.

Combatentes  da cepa de um Jarbas Vasconcelos, por exemplo;  ou  da estirpe  de Agripino, le rouge, companheiros de caminho dos que pretendem  levar  ao Procurador Geral,  Rodrigo Janot, um pedido de investigação contra a Presidenta Dilma Rousseff pelo caso Pasadena.

A manada ganhou esta semana outro reforço  de notórios compromissos com o país.

A agencia  Standard  & Poor’s , de impoluta credibilidade (leia também  ‘A Standard & Poor's endossa a mídia, que retribui’) ,  mostrou a que veio  ao rebaixar  a nota do país para deixa-lo  a  um degrau acima dos Estados falidos.

E não ficou nisso: ‘Os sinais enviados pelo governo ainda não são claros’, advertiu a agência em tom imperial. ‘Houve uma piora consistente nos indicadores’, reforçou a senhora Lisa Schineller , analista da ‘S&P’, em teleconferência  à mídia embevecida.

A senhora Schineller  é treinada para tocar a sensibilidade aguçada desse tipo de plateia que tem vínculos de orelhada e holerite com o cuore neoliberal .

Ela foi direto ao  centro do alvo que é para ninguém ter dúvida do que é o principal na vida de uma nação:  ‘(a punição) é um reflexo da política fiscal (a economia para pagar os juros dos rentistas) ,’cuja credibilidade se enfraqueceu de forma sis-te-máti-ca’, escandiu a executiva.

Orgasmos intelectuais na plateia.

Nesse bacanal da isenção com a equidistância a ninguém ocorreu lhe perguntar se a mesma corrosão da credibilidade teria atingido a agência de risco pelo desempenho pregresso.

 Em agosto de 2008 a  ‘S&P’ atribuiu ao banco Lehman Brothers  um esférico triple A: a nota máxima do ‘rating’ de credibilidade
, da qual  ela afastou  o Brasil um pouco mais agora.

Desconfia-se que já como parte da desesperada tentativa de continuar empurrando títulos do Lehman na goela dos incautos, como forma de mitigar as perdas dos grandes acionistas, diante da quebra inevitável.

Trinta dias depois de receber a faixa de máxima higidez o banco implodia acionando a espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929.

Há um outro recuerdo  ilustrativo do que move a engrenagem por trás da fala assertiva da senhora Schineller.

A  ‘S&P’ foi responsável por rebaixar a nota do Brasil em julho de 2002.

As pesquisas do Datafolha então mostravam o candidato Lula na liderança das intenções de voto
, com 38% da preferências dos eleitores, seguido de Ciro Gomes.

Só depois  vinha o delfim da eterna derrota conservadora: José Serra.

O risco da argentinização  sob um governo petista era o mote do jogral conservador, ao qual a S&P adicionou seu grave de tenor.

Como corolário da impoluta trajetória ética e técnica recorde-se que o governo norte-americano encontrou um erro de cálculo de ‘apenas’ US$ 2 trilhões nas contas que orientaram a mesma  Standard & Poor’s  a rebaixar o rating do país em 2012.

Uma desastrada tentativa de se reabilitar após o vexaminoso endosso a práticas e instituições que explodiram a ordem financeira mundial.

Esse é a folha corrida.

Cuja detentora era aguardada  com ansiedade pela manada  e seus  candidatos amigáveis à sucessão.

A bala de prata não negou fogo, como se viu.

Mas o tiro saiu pela culatra.

O day after da apoteose foi  talvez o maior fiasco já enfrentado  pelo jornalismo isento  que se vestiu de gala com  manchetes garrafais à espera de uma  3ª feira negra que não veio.

O  dia de fúria aconteceu ao contrário

O  dólar caiu ao menor nível em quatro meses; o capital estrangeiro continuou  a desembarcar no país 
-
uma parte, ressalve-se, apenas para desfrutar dos juros altos -  mas US$ 9,2 bi em investimento efetivos aportaram no 1º bimestre.

A  Bolsa atingiu a maior pontuação desde setembro de 2013.

As ações da Petrobras se mantiveram em  espiral ascendente, com alta de mais 0,90% na 3ª feira.

Para finalizar, o Tesouro anunciou uma arrecadação recorde em fevereiro  –em frontal desacordo com o veredito da ‘inconsistência fiscal’  alegada pela ‘S&P’ para cortar o ‘rating’ do país.
O que aconteceu no day after, na verdade, só reafimou aquilo que os indicadores tem mostrado neste início de ano, à revelia das manchetes alarmistas.

O Brasil tem problemas  (leia ‘Quem vai mover as turbinas do Brasil?’).

Mas está longe de ser a terra arrasada produzida pelos cascos que esmagam e amesquinham tudo o que se opõe à pauta do Brasil que vai descambar –se não for hoje, de amanhã não passa.


Nesta 2ª feira, por exemplo, o insuspeito jornal Valor reuniu 18 indicadores atualizados para medir a temperatura da economia  neste início de ano.

Treze dos dezoito apontavam um desempenho positivo.


São eles:  renda, emprego, atividade industrial, vendas do varejo, vendas de serviços, venda de aços planos, crédito, inadimplência, nível de atividade do BC, vendas de automóveis, fluxo de veículos pedagiados e  vendas de papel para embalagem.

Dos cinco indicadores negativos, apenas um  se referia  a  atividade produtiva de fato: vendas de automóveis (influenciada pela antecipação da demanda ao final de 2013 por conta do IPI)

Os demais  dizem respeito à formação das expectativas, diretamente contaminadas pela guerra eleitoral manipulada das redaççoesa  –intenção de consumo, confiança da indústria, confiança do consumidor, indicador antecedente da FGV.

Em resumo,  os mercados ,  ao contrário do jornalismo colegial, sabem que as candidaturas conservadoras não emplacam.

Enquanto cuidam de faturar , usam as redações  isentas, a exemplo dos serviços pagos da  ‘Standard & Poor’s   para chantagear o final do governo Dilma.

Tiram uma lasca – mais uma alta da Selic, por exemplo.

Mas, sobretudo, engessá-la no palanque de outubro.

E  assim desossar sua eventual reeleição, circunscrevendo-a  num círculo de ferro de mesmice  e mediocridade.

Nenhuma  surpresa.

Estamos diante do capitalismo, que antes de ser economia –e uma relação de forças.

Uma luta política aberta, a luta dos interesses dominantes para abortar qualquer alteração de rumo que possa atingir sua prerrogativa  na divisão do excedente econômico.

A transição de ciclo de desenvolvimento vivida pelo Brasil adiciona desafios  e  dificuldades a esse embate histórico.

Mas não é a determinação dos dias que correm.

A determinação é o mutirão da plutocracia local e além-mar  para engessar o governo e impedir que ele seja de fato o portador  do  desejo mudancista do eleitorado  brasileiro, majoritariamente associado à condução do processo pela própria Presidenta-candidata.

Trata-se de tanger Dilma e o PT a pensarem pequeno.

Pensarem um futuro governo menor que o país.

Menor que as suas possibilidades e urgências.

Menor que o pré-sal.

Menor que a ponte necessária para transformar a prostração democrática cevada  pelo neoliberalismo urbi et orbi em uma repactuação consistente do futuro com a sociedade, feita  de prazos e metas críveis  para a construção da cidadania plena.

Carta Maior insiste porque está convicta disso: o programa de governo da reeleição pode e deve ser tratado como essa ponte.

A ser erguida em debate aberto com a sociedade através da rede já existente de sites e blogs progressistas.

O casamento da democracia com o desenvolvimento não acontecerá à margem do poder.

E não há nada mais poderoso do que uma plataforma de governo sedimentada em debate amplo, convergindo para círculos  e conferencias  presenciais da militância progressista.

Ilusão não é erguer linhas de passagem rumo a uma democracia social.

Ilusão é achar que ela pode ser construída sem essas pontes.


Se pensar pequeno, o governo que finda e o seu novo mandato correm o risco de ficar do tamanho da goela conservadora.

Que não terá dúvida em mastiga-los até a última lasca.

Se preciso for, há uma legião de ‘Cunhas’ dispostos a facilitar um pouco a deglutição.

Razão pela qual o futuro não pode ficar circunscrito ao diálogo com esses sinônimos de pé-de-cabra  da política brasileira (leia o artigo da colunista Maria Inês Nassif; nesta pág).





http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Como-um-parlamentar-adquire-poder-de-chantagem-/30548


Como um parlamentar adquire poder de chantagem?



Por Maria Inês Nassif
 



 É quase um dèjá vu a grave crise que sacode a base aliada do governo da presidenta Dilma Rousseff. A forma como o sistema político brasileiro tende tradicionalmente a fragmentar a representação parlamentar, e também a incentivar uma luta fratricida entre candidatos do mesmo partido ou da mesma coligação nas eleições para a Câmara dos Deputados, fatalmente leva a atritos semelhantes no início das articulações para a composição de chapas e coligações. São as movimentações feitas a partir de agora que definirão as posições de cada um no cenário eleitoral que será oficializado em junho, nas convenções partidárias, e definido em outubro, nas eleições do dia 4 de outubro.

Os candidatos a presidente têm direito a um segundo turno. Os que disputam as eleições parlamentares, não. O destino deles é selado na primeira eleição (que ocorrerá este ano em 5 de outubro). A vantagem que eles têm sobre os candidatos a cargos executivos são os 21 dias entre a sua eleição e a do presidente da República, se a decisão sobre o mandato presidencial for para um segundo turno. É tempo suficiente para um deputado eleito se redimir com o candidato a presidente com mais chances de vitória e se aliar a ele, não sem antes garantir posições que permitam a ele manter uma máquina de captar apoios à eleição seguinte.

É lógico que a regra se aplica aos eleitos pela política tradicional, que dependem de uma cadeia de favores para manter o fluxo de dinheiro para campanhas caras e alianças igualmente onerosas no âmbito municipal. O apoio a grupos políticos no interior do Estado é fundamental para esses parlamentares. É também importante o acesso a bunkers urbanos – periferias dominadas por grupos criminosos, ou comunidades religiosas com acesso a grande número de pessoas. Para tudo isso, é preciso ter poder econômico.

É preciso saber como isso acontece para entender, por exemplo, o poder de que dispõe o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), e os interesses que o movem no papel de deflagrador permanente de crises – pelo menos nos últimos meses.

Existe uma discussão sobre a legitimidade das emendas parlamentares – aquelas definidas por deputados e senadores, aprovadas no Orçamento e que devem ser liberadas pelo presidente da República para chegar ao seu destino. Teoricamente, nada há de errado no fato de o deputado ou senador levar uma melhoria para o município que o apoia – uma ponte, uma estrada, um açude ou qualquer obra que resulte num benefício para a população local. Existem indícios contundentes, todavia, de que as emendas são o principal combustível, e a principal fonte de corrupção, de um bom número de parlamentares que rezam pela cartilha da política tradicional.

Entenda-se como político tradicional aquele cujos interesses eleitorais e particulares se sobrepõem aos interesses públicos
, e com isso substituem um vínculo orgânico, político e ideológico, com partidos e eleitores, por negociações privadas de coisa públicas (como emendas parlamentares) para conseguir dinheiro para comprar apoios e votos.

Falamos aqui em tese, não de deputados específicos. A investigação de como agem, e dos limites legais da ação política desses parlamentares, compete ao Ministério Público, à Polícia Federal – e, depois de uma denúncia formal, à Justiça.

Vamos, por suposição, pegar o caso do deputado X. Ele é eleito por um partido forte nacionalmente, mas fraco regionalmente, com dinheiro trazido de esquemas mais diretos de corrupção – por exemplo, o obtido em cargos executivos. O fato de ter dinheiro – de preferência para se eleger e fazer esse favor a mais alguns de sua chapa – o credenciam a ser escolhido na convenção. Uma vez eleito, organiza-se para garantir a eleição para o mandato seguinte.

O esquema do deputado X é o trivial. Como este parlamentar não tem grande acesso ao partido nacional, nem muitos parlamentares que beneficiem de seu jogo, negocia emendas. Os projetos das obras vêm prontos, de empresas interessadas em fazê-los. Essas empresas destinam parte do dinheiro auferido pela obra (ou serviço) para a campanha seguinte do deputado X, que ao final de seu mandato terá dinheiro suficiente para enfrentar novas eleições. Garantiu o seu.

O deputado Y, no entanto, é mais ambicioso. Com um esquema quase profissional de negociação de emendas e favores, tem um caixa que permite a ele financiar a sua eleição, a eleição de prefeitos na sua base e de muitos parlamentares, tanto de seu Estado como de outros, de seu partido e dos demais. A sua máquina de captação permite, além de simplesmente arrecadar e distribuir dinheiro para eleição de terceiros, agenciar relações entre políticos e empresas.

Depois de algum tempo operando dessa forma, o deputado Y conhece as necessidades mais primitivas dos políticos a que serve e ter a liderança sobre eles, não apenas porque seus interesses coincidem, como pelo fato de saber dos mais escusos segredos de um número considerável deles.

Esse deputado Y tem o poder de mobilizar grande número de parlamentares e provocar crises
. E este é o seu segredo para conseguir levar tanta gente num jogo de chantagem que atende principalmente a seus interesses privados.
É uma descrição grosseira de como homens públicos se rendem tão facilmente a interesses privados, mas não está nem um pouco longe da realidade da política tradicional brasileira. A descrição desse mecanismo de financiamento político do Legislativo, contudo, explica por que pessoas com tão pouco senso público conseguem credenciais para nomear ministros ou diretores de estatais. O poder de chantagem é uma teia que se estende de baixo, da base de apoio parlamentar de um governo, para cima, até a Presidência da República. Não é apenas da presidenta Dilma Rousseff, mas de todos os eleitores do país que têm o poder de seu voto relativizado pelo poder econômico desses parlamentares.

terça-feira, 25 de março de 2014

Víboras no salão

 
 



25/03/2014



Víboras no salão


Por Paulo Metri  - Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br/

 

 
Sobre Pasadena, SBM Offshore, cláusulas “put option” e Marlin, e assuntos correlatos, muito tem sido dito e concluído, no sentido da manipulação da informação, para que só versões convenientes, verdadeiras ou fictícias, dos fatos sejam divulgadas. Sendo o predador um veículo da grande mídia, o interesse é repassar o que interessa ao capital, havendo pouco interesse social.
 
Adicione-se a isto que este ano é eleitoral e muito poder e riqueza futuros irão depender desta eleição. Junte-se, também, que estamos falando de petróleo, um recurso natural com imenso valor estratégico e incomensurável lucratividade. O resultado é este bombardeio de informações que deixa o cidadão comum perdido. Vejamos o que se consegue recuperar de alternativas mais prováveis do ocorrido.
 
Depois da posse do presidente Lula, em 2003, durante o esquartejamento da administração pública do país para entrega dos cargos a grupos políticos, que nossa cultura obriga, a Diretoria Internacional da Petrobras coube a Nestor Cerveró, que pertencia ao grupo do atual senador Delcídio Amaral, o qual foi, no governo FHC, o Diretor de Gás e Energia da Petrobrás.
 
Duas observações preliminares se fazem necessárias. Em países politicamente desenvolvidos, quando há alternância de partidos políticos no poder, são nomeados, em princípio, políticos para os cargos mais altos da administração e são reservados os cargos secundários para funcionários de carreira, não filiados a partidos. Algo como os nossos ministros e presidentes de estatais serem escolhidos do universo político e os chefes de órgãos da administração direta e os diretores de estatais serem funcionários de carreira.
 
A segunda observação preliminar é, na verdade, uma indagação. Como pode um cidadão servir a dois governos teoricamente antagônicos e, também, ser aceito por ambos? Ou o cidadão mudou de posição ou os governos não eram antagônicos. Então, Nestor Cerveró, que está sendo crucificado agora, sem querer inocentá-lo, era um simples testa-de-ferro de um grupo, que não consigo detectar ao certo todos seus componentes.
 
O planejamento interno da Petrobras recomendou, em 2005, a compra de 50% da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, por US$ 190 milhões (outros US$ 170 milhões foram pagos para comprar a matéria prima existente na refinaria), apesar da Astra Oil ter comprado 100% da refinaria, sete meses antes, por US$ 42,5 milhões. O preço da transação foi avaliado como correto por consultoria externa, que argumentou que os preços no setor de petróleo estavam aquecidos. Além disso, pelas informações obtidas na mídia, a recomendação do planejamento fazia sentido, porque a Petrobras poderia ter acesso a uma refinaria já pronta, sem ter de esperar pelo período de construção de uma nova, conseguiria entrar no mercado norte-americano de derivados e poderia dar um destino para seu óleo pesado, se alguns investimentos adicionais fossem realizados.
 
Assim, quem acompanhasse a compra sabia, antes de o negócio ser fechado, que investimentos adicionais seriam necessários e o dono dos outros 50% da refinaria teria que concordar com estes novos investimentos.
 
Nesta situação, parece-me uma inocência fechar este contrato pela perspectiva de discussão futura. Podia-se ter trazido para dentro do contrato o compromisso da outra parte de realizar os investimentos adicionais futuros. Para piorar a fragilidade da posição assumida ao se assinar o contrato, existia a cláusula “put option” nele, que aumentava a atratividade, para o outro proprietário, de um embate jurídico futuro, alegando simplesmente não concordar em realizar o novo investimento.
 
Raciocínios permitiam antever tudo isto. Consta que o relator da proposta de compra de 50% da refinaria de Pasadena na reunião do Conselho de Administração da Petrobras, em 2006, foi Nestor Cerveró.
 
Pois bem, a presidenta Dilma ter participado da aprovação desta compra, na condição de presidente do Conselho de Administração, não me parece errado. Em primeiro lugar, os membros do Conselho desta empresa têm que tomar, no mínimo, umas 200 decisões de maior porte por ano e é humanamente impossível ler a íntegra dos 200 processos. Por isso, existem os sumários executivos, que, no caso específico, foi preparado pelo relator já citado e tudo leva a crer que a compra não foi bem relatada.
 
No final do imbróglio da refinaria de Pasadena, ocorreu o esperado: a Astra Oil não concordou com os novos investimentos, alegou a cláusula “put option” para a Petrobras comprar a sua parte no negócio e ganhou na Justiça, fazendo a Petrobras desembolsar mais US$ 860 milhões pelos restantes 50%. Foi lamentável ouvir do ex-presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, que US$ 1 bilhão não era grande quantia para a empresa. Não sei se, para ela, é desprezível, mas para qualquer trabalhador brasileiro é um valor que não se consegue nem imaginar. Espero que a Polícia Federal, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União mergulhem no passado e descubram os verdadeiros responsáveis. E, havendo dolo, que estes sejam exemplarmente punidos.
 
Entretanto, querer responsabilizar a presidenteaDilma, por ela ter votado favoravelmente à compra de Pasadena no Conselho, é puro interesse eleitoral. Acho até que a presidente Dilma não precisava ter dado explicação alguma, como deu, pois bastava dizer: “votei com o relator, uma vez que concordei com seu sumário executivo”. Se o jogo é recriminar a presidente Dilma, acho melhor se dizer que o critério dela e de seu antecessor para escolha de auxiliares é falho.
 
Chega a ser hilário ver o presidenciável Aécio Neves dizer que quer reestatizar a Petrobras, sentado ao lado de Fernando Henrique, com quem ele sonha dividir a chapa para a eleição e que quis privatizar a Petrobras no seu governo (ver evento Petrobrax). Quanto ao Eduardo Campos, pergunto-me onde ele estava quando a presidente resolveu entregar 60% de Libra para empresas estrangeiras ou quando ela resolveu leiloar blocos para produção de gás de xisto na região do aquífero Guarani. Ele ainda não era candidato e, portanto, não precisava criticar?
 
Neste momento, as oposições querem criar a CPI da Petrobras no Congresso, para averiguar este caso, Paulo Roberto Costa, SBM Offshore e outros. Obviamente, o objetivo verdadeiro é ver “a presidente Dilma sangrar”, como se diz em política. A mídia do capital tudo fará para as candidaturas de Aécio Neves e Eduardo Campos levantarem voo.
 
As empresas petrolíferas internacionais devem estar eufóricas, pois querem abocanhar a Petrobras e já aparecem artigos dizendo que “a solução é privatizar a empresa, uma vez que, assim, vai acabar a roubalheira”. Este ponto merece uma análise.
 
O superlucro advindo do petróleo, quando a concessão é entregue a empresas estrangeiras, vai totalmente para o exterior e este fato não é caracterizado como um roubo, por estar dentro da lei, mas representa uma enorme perda para a sociedade, pois deixa de ativar nossa economia. Não vou me ater à perda da possibilidade de comercializar este petróleo ao adotar a “opção privada” e, assim, deixar de usufruir da importância geopolítica dele.
 
Além do mais, é preciso acabar com esta irrealidade que, no setor privado, não há corrupção. Primeiramente, todos os corruptores de designados para os cargos públicos e de servidores são integrantes do setor privado. Depois, lembrem-se do exemplo bem didático que, quando explodiu a bolha do mercado imobiliário, em 2008, nos Estados Unidos, muitos bancos pediram concordata, mas seus CEOs continuaram muito ricos. Ou seja, eles roubavam os bancos que os empregavam.
 
Tudo isto está em jogo neste momento. Gostaria de saber o que pensam os políticos Randolfe Rodrigues, Mauro Iasi e José Maria de Almeida, que também são candidatos a presidente, ou algum outro que esqueci. Porque a presidenta Dilma, apesar de a sua preocupação social ser perfeita, infelizmente fez uma opção preferencial pelo mercado que não me agrada. Fugindo à norma rígida da escrita de artigos, aproveito este para mandar um recado para a presidenta: “a senhora ouviu tanto o mercado e, agora, este ingrato está mandando a mídia dele insuflar as candidaturas Aécio e Campos!”
 

Venezuela: O fim da desnutriçã​o e as filas para comprar alimentos






Portal Vermelho, 25 de março de 2014  

         

Venezuela: O fim da desnutrição e as filas para comprar alimentos




Por Pedro Silva Barros*, na Carta Maior
 

O governo venezuelano comprará, utilizando acordos de cooperação internacional, US$ 4,3 bilhões em alimentos em 2014, privilegiando os países do Mercosul e do Caribe. Do Brasil serão compradas 429 mil toneladas ao custo de quase US$ 1,8 bilhão; da Argentina, outros US$ 715 milhões. O Plano 2014-2016 para alimentação prevê mais de 1.000 novos pontos de distribuição de alimentos do governo, incluindo 22 hipermercados. As medidas consolidam o Estado como principal importador da Venezuela, responsável pelas compras de 55% de tudo que vem do exterior. Na semana anterior, havia sido anunciado um sistema biométrico para registrar os compradores desses mercados e evitar a revenda e o contrabando, principalmente para a Colômbia. A política de garantia de alimentos é um dos maiores êxitos do chavismo e contrasta com a escassez e as filas para buscar determinados produtos.
Os programas de alimentação criados como resposta ao locaute que tentou derrubar o governo Chávez entre 2002 e 2003 distribuiu, na última década, mais de 15 milhões de toneladas de produtos alimentícios, diretamente pela rede pública ou repassados à rede privada para serem vendidos a preços tabelados.

Eram apenas 45 mil toneladas em 2003 e passaram a 4 milhões de toneladas em 2013. Uma média superior a meia tonelada por habitante considerando toda a década. Ou a mais de um quilo diário por família, de alimentos fortemente subsidiados, se consideramos apenas o ano passado.
O consumo per capita de arroz passou de 13,4 Kg por pessoa por ano em 1998 para 25,1 Kg em 2012, o de carne bovina de 16,0 Kg para 25,1 Kg, o de frango de 20,9 Kg para 42,5. A disponibilidade energética, que havia caído na década anterior a Chávez, passou de 2.127 para 3.182 calorias por dia por habitante. Hoje 96,2% dos venezuelanos comem ao menos 3 vezes por dia, 97,3% dos venezuelanos consomem proteína animal e 98% das crianças tomam leite diariamente.
A produção venezuelana não acompanhou o ritmo da expansão da demanda. O consumo cresceu enormemente devido aos subsídios (que chegam a 80% dos produtos básicos nos aproximadamente 15 mil pontos de venda da rede Mercal) e a outras políticas distributivas e de emprego (a formalização do trabalho na Venezuela superou pela primeira vez em janeiro de 2014 a barreira dos 13 milhões, equivalente a 61% dos postos de trabalho do país; durante a década de 1990 o índice de formalização havia caído de cerca de 50% para cerca de 40%). A conta do acesso aos alimentos fecha pelo aumento das importações, amparadas tanto pelo aumento do preço do petróleo como pela maior apropriação por parte do governo dos excedentes deste setor.
Em outras palavras, houve uma democratização da renda petroleira.
Dizem nas ruas que antes de Chávez havia muitos produtos nas prateleiras, mas poucos tinham dinheiro para comprá-los;
agora todos tem meios para consumir, mas não é raro haver dificuldades para encontrar alguns produtos nas prateleiras.
Como a oscilação no abastecimento tem ocorrido há dez anos, é comum que as pessoas estoquem grandes quantidades de produtos básicos, como leite em pó e frango congelado, o que gera uma grande ineficiência. Recordo de novembro do ano passado: quando articulistas de todo o mundo se deleitavam com a escassez de papel higiênico na Venezuela, a farmácia mais próxima ao meu escritório recebia 40 pessoas em fila, todas elas com o limite de 24 rolos em seus carrinhos de compras.

A forte e crescente política de subsídios gera distorções e necessita ajustes. A gasolina, cujo preço, simbólico, é de US$ 0,01 o litro, consome 8% do PIB, segundo o FMI. A carne brasileira em Santa Elena de Uairén chega a custar 10 vezes menos do que em Pacaraima (as duas cidades formam fronteira entre Venezuela e Brasil), considerando o mercado cambial informal da região. Pacaraima tem apenas 6 mil habitantes e o estado de Roraima tem 450 mil residentes e é bastante distante de outros centro consumidores do Brasil, cujo controle pode ser feito em uma única estrada, a BR 174. O impacto desse comércio informal é pequeno nas contas venezuelanas. O mesmo não se pode dizer da fronteira com Cúcuta, cuja população, considerando seu entorno, chega a quase um milhão de habitantes. Isso sem contar as outras cidades fronteiriças e os múltiplos caminhos para atingir os mais de 45 milhões de colombianos.

O governo tem realizado mudanças para centralizar e hierarquizar as importações de produtos básicos e ao mesmo tempo regulamentar e oficializar mecanismos complementares de acesso à divisas para produtos não essenciais ao setor privado. Não é à toa que os protestos que se desencadearam em 2014 começaram na região de fronteira. Não é à toa que no período que coincidiu com o anúncio e o início das operações do Sicad 2 (sistema complementar livre de acesso a divisas) o preço do dólar paralelo caiu 35%.

Os dados do comércio indicam que na última década o Brasil ganhou espaço na Venezuela. Se no biênio 2002-2003 as exportações brasileiras para a Venezuela foram de US$ 1,4 bilhão, no último biênio, 2012-2013, atingiram US$ 10 bilhões. O Brasil aumentou seu peso relativo particularmente no fornecimento de alimentos. As exportações de manufaturados, que haviam crescido muito entre 2003 e o início da crise internacional de 2008, tem enfrentado forte concorrência de produtos chineses. Independente das diferenças setoriais, a Venezuela tem se mantido entre os três principais superávits comerciais do Brasil desde 2007, esse não é um dado qualquer no momento em que a situação de nossa balança comercial já não é tão confortável.

O desafio colocado para a Venezuela é aumentar a produção interna de alimentos, aprimorar seu sistema de distribuição e diminuir a dependência petroleira. Para o Brasil, o aumento das exportações de manufaturados, que tem na América Latina seu principal mercado consumidor, só é sustentável se houver integração produtiva e desenvolvimento articulado com os países vizinhos.

Um grande passo seria a organização de projetos conjuntos na região de fronteira, entre os estados de Bolívar e de Roraima. A Venezuela poderia fornecer insumos importantes, como ureia e cal dolomítica, cujos altos preços no cerrado roraimense inviabilizam a competitividade da agricultura local. Assim como houve disposição do governo venezuelano para privilegiar o Brasil como fornecedor de alimentos, poderá haver do Brasil para privilegiar a Venezuela no fornecimento de tecnologia e formação técnica para a produção agrícola. Isso garantirá não só mais estabilidade e segurança alimentar no país vizinho e no extremo norte do Brasil como também mercado para a exportação de tecnologia e equipamentos agrícolas brasileiros.

*é doutor em Integração da América Latina pelo Prolam/USP, titular da Missão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em Caracas.

Alarmismo em tom de campanha



Terça-feira, 25 de Março de 2014 



JORNALISMO ECONÔMICO

Alarmismo em tom de campanha



Por Luciano Martins Costa



Os três principais diários de circulação nacional produzem nas edições de terça-feira (25/3) o fenômeno das manchetes trigêmeas: “Agência rebaixa nota do Brasil”, dizem a Folha e o Globo. Com mínima variação, O Estado de S. Paulo anuncia: “Agência de risco rebaixa nota do Brasil”.
O tema é a esperada avaliação negativa da economia brasileira feita pela agência americana de classificação de risco Standard & Poors, a mesma que foi acusada de haver compactuado com as fraudes que levaram à crise financeira de 2008. O fato é uma variação, para baixo, da nota de crédito do país, que resulta de uma elevação teórica na percepção de risco para investidores.
Com a nova classificação, o Brasil foi rebaixado do nível “BBB” para “BBB-”, o que significa que continua no patamar da categoria chamada “grau de investimento”, selecionado entre os mais seguros do mundo como destino do mercado financeiro. O nível imediatamente abaixo seria o “grau especulativo”, que igualmente atrai investimentos, mas indica certa volatilidade da economia.
O detalhe que os jornais destacam, sem dissimular certo contentamento com a realização de uma profecia muitas vezes anunciada por eles mesmos, é o arrazoado produzido pela agência, que repete em muitos aspectos a opinião dos editoriais e dos principais articulistas dos grandes diários.
Trata-se, basicamente, de uma aposta negativa na capacidade do Brasil de manter em equilíbrio os fundamentos de sua economia, com crescimento razoável, tarifas públicas alinhadas aos custos e redução dos gastos públicos. A reação do governo, alegando que os dados utilizados pela agência para rebaixar a nota do Brasil são inconsistentes, foi praticamente ignorada pelos jornais.
Basicamente, as autoridades questionam algumas contradições na análise, como a avaliação negativa da capacidade de crescimento do país, feita justamente no período em que há uma retomada que surpreendeu o mercado. Além disso, a avaliação que a agência faz da evolução do investimento estrangeiro direto no Brasil contradiz o que a própria imprensa vem registrando nos últimos meses.
Noticiário contaminado
No patamar em que se encontra a economia brasileira desde 2008, quando obteve o status de grau de investimento, as notas de avaliação de risco não costumam afetar os grandes investidores, que se valem de estudos mais complexos para tomar suas decisões. No entanto, o noticiário intensamente negativo pode produzir um “efeito manada” de consequências graves, principalmente em período eleitoral, quando a racionalidade cede espaço para os interesses partidários, que costumam definir as escolhas da imprensa.
Observe-se, por exemplo, que nas edições de terça-feira sobre a decisão da agência Standard & Poors, os jornais compram pelo valor de face as justificativas para o rebaixamento da nota do Brasil, mas não confrontam esses dados com os indicadores correspondentes. Por exemplo, é fato que os investimentos estrangeiros diretos no Brasil caíram 3,9% em 2013, em comparação com o ano anterior, mas se mantêm em nível historicamente elevado, e o país segue sendo o principal destino desse dinheiro na América Latina.
A imprensa não costuma explicar aos seus leitores a diferença entre os principais tipos de investimento no mercado global, intensamente disputados pelos países em desenvolvimento.
Para países como o Brasil, o IED – Investimento Estrangeiro Direto – é a joia da coroa do capitalismo, porque representa dinheiro investido na construção de infraestrutura, de fábricas, na consolidação de atividades de empresas multinacionais, em fusões e aquisições. O outro tipo de aplicação, investimento em portfólio, é destinado à compra de ações e títulos.
As notas de avaliação de risco de agências como a Standard & Poors têm como foco principal justamente o investimento em portfólio, ou seja, tendem a contemplar o aspecto mais especulativo dos movimentos de capitais. Coincidentemente, esse é o ângulo mais percebido pela imprensa brasileira quando analisa a economia nacional. Trata-se de um ambiente extremamente volátil, cujas oscilações afetam principalmente o câmbio e o mercado de ações.
Sem essas observações complementares, o noticiário do dia se revela alarmista e contaminado pelo viés político.

O general de chumbo e o fantasma do comunismo


O general de chumbo e o fantasma do comunismo

Coisas da Política JB 25/03
 
 
Mauro Santayana
 
 
 
Não satisfeitos em mentir descaradamente, os golpistas que saíram às ruas, na semana passada — e não conseguiram  reunir  mais do que algumas dezenas de pessoas, em suas marchas, em três capitais brasileiras — resolveram agora partir diretamente para o  fake, a falsidade ideológica e a mais pura e simples fantasia.
 
Já há algum tempo circulam, na internet, cartas, textos e “diretrizes” atribuídas a  um certo general Mário Márcio Von Brenner, com acusações ao governo, movimentos populares e à Unasul. 
 
Segundo informações, plantadas aqui e ali na rede, o general Von Brenner — assim mesmo, com um certo “quê” de nostalgia nazista —  seria comandante de um pelotão “especial” de fronteira, e, portanto, da ativa. Nessas condições, fazer declarações políticas seria crime e levaria à  possibilidade de um quadro de grave crise institucional. Isso fez com que suas mensagens fossem rapidamente multiplicadas, em vários sites, de direita e de esquerda, até que alguém, em um site frequentado por militares da reserva, começou a questionar o fato de um general de exército estar, supostamente, no comando de um simples pelotão de fronteira; de seu uniforme parecer fantasia de guarda de banco, e de ele negar-se a identificar a unidade sob seu comando.   
 
Vejamos a mensagem do "general" Mário Márcio:
 
“Temos recebido informações diárias sobre a atuação deste governo a respeito de sua malfadada política externa, sobre a formação de grupos guerrilheiros em nossas fronteiras ao norte do país, sobre o planejamento de grupos espúrios para atuarem (sic) contra as nossas manifestações a partir do dia 22 de março, a aplicação de uma cartilha elaborada pela Unasul a fim de transformar o exército destes países num único exército na América do Sul.
 
Diante de toda esta situação, informamos que o Pentágono está acompanhando com preocupação o movimento político de toda a Unasul [União das Nações Sul-Americanas] No (sic) qual somos o país líder. Estamos preparados para enfrentar nos próximos meses a atuação deste governo e não mediremos esforços para colocar as nossas vidas a serviço do Brasil”.
 
“Denunciante não é general e nem sequer serviu nas Forças Armadas”
 
Vejamos as diretrizes do “general” Mário Márcio:
 
— Destituição da presidente da República Federativa do Brasil;
 
— Instituição do Tribunal Militar para julgamento de todos os políticos, corruptos, subversivos, MST, Liga Campesina, ONGs comunistas, empresários sonegadores e simpatizantes das esquerdas (inclusive os Black Blocs);
 
— Fechamento do Congresso Nacional;
 
— Extinção de todos os partidos políticos;
 
— Julgamento de todos os militares envolvidos com a esquerda e que aceitaram cargos deste governo comunista;
 
— Extinção das redes de TV que foram compradas por este governo, bem como suas estações de rádios;
 
— Transferência da capital federal, onde Brasilia (Sodoma e Gomorra brasiliencie) (sic) será caso do passado, para uma cidade estratégica do sul do Brasil (não construiremos outra cidade);
 
— Extinção da Força Nacional de Segurança;
 
— Extinção de todos os ministérios criados pelo PT;
 
— Nomeação de Interventores estaduais que substituirão os atuais governadores;
 
— Toda a segurança pública ficará a cargo de uma pasta do Ministério da Defesa;
 
— O Ministério da Defesa terá como responsável da pasta somente um militar com todos os critérios exigidos.
 
Vejamos a fantasia do “general” Mário Márcio:
 
" A NOSSA HONRA É A LEALDADE."
 
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS:
 
Informamos a todos interessados que não coadunamos com a mudança do nome Batalhão Marechal Zenóbio da Costa para Batalhão Carlos Lamarca. Consideramos uma verdadeira afronta, foge aos princípios militares que norteam este batalhão que serviu de exemplos (sic) para as demais gerações que lá serviram.
 
Se tais ordens vieram da comissão da verdade, comunicamos que não conhecemos e nem aceitamos esta comissão mesmo instituída por lei, por se tratar de um grupo revanchista que tem um único objetivo – DESMORALIZAR O EXÉRCITO BRASILEIRO. Exigimos que se apurem os verdadeiros responsáveis pela mudança de nome e que todos sejam punidos exemplarmente pela justiça militar servindo de exemplo para todas as gerações seguintes. Que tais desidérios jamais serão praticados dentro da nossa instituição militar.
 
CONSIDERAMOS COMO OFICIAIS DA RESERVA UM DESRESPEITO AOS NOSSOS PRINCÍPIOS MILITARES, UMA DESONRA A QUEM SERVIU ESTA EGREGE UNIDADE MILITAR E UMA TRAIÇÃO AO EXÉRCITO E A PÁTRIA BRASILEIRA A QUEM SERVIMOS UM DIA.
 
Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2.013
 
Mário Márcio Von Brenner — Integrante da Organização ORDEM NEGRA NO BRASIL.
 
Quais são as mensagens do “general” Márcio Mário?
 
Que a Unasul está organizando um exército único, e comunista,  na América do Sul.
 
Que grupos de guerrilheiros tinham sido treinados para atacar as “marchas” convocadas pelos golpistas para o sábado passado.
 
Que há campos de treinamento das Farc em território brasileiro.
 
Que é preciso julgar todos os militares que aceitaram cargos neste governo “comunista”, ou seja, todos os oficiais das Forças Armadas, e a tropa a eles subordinada.
 
Que estão querendo trocar o nome do Batalhão Zenóbio da Costa por Batalhão Carlos Lamarca, o que é pura fantasia.
 
Que é que se pode perceber sobre do “general” Márcio Mário?
 
Que ele não é general e nem sequer serviu nas Forças Armadas, porque saberia que general não comanda pelotão  de fronteira.
 
Que ele é mal informado, caso contrário saberia que não se cogita, nem nunca se cogitou, trocar o nome do quartel Zenóbio da Costa.
 
Que ele está muito enganado, quando acha que vive em um país comunista.
 
O Brasil não é um país comunista, mas, na verdade, um dos mais fortes bastiões do capitalismo no mundo de hoje. Mandamos mais de 25 bilhões de dólares, no último ano, em remessa de lucro para a  Europa e os Estados Unidos, ajudando esses países a saírem de suas sucessivas crises. Demos, para a Europa e os EUA, um lucro de mais de 10 bilhões de dólares, na balança comercial, em 2013. 
 
Brasileiros gastaram, no ano passado, 19 bilhões de dólares no exterior e mais de 3 bilhões de dólares somente nos dois primeiros meses deste ano.
 
O governo do PT emprestou, na última década, quase 250 bilhões de dólares para o tesouro norte-americano, transformando o Brasil no quarto maior credor individual externo dos EUA, o que contribui para financiar o déficit e a gigantesca dívida pública de seu teórico “arqui-inimigo” — o país mais capitalista do mundo.
 
A não ser que o “general” Mário Márcio acredite que o governo que aí está seja comunista por ter adiado uma visita de Estado aos EUA, porque, como ficou provado, nossas mais altas autoridades estavam sendo espionadas pelos norte-americanos, assim como milhares de empresas e cidadãos brasileiros.
 
Ou porque fez acordos com a França — um país ocidental, democrático, capitalista — para comprar e construir, no Brasil, submarinos convencionais e de propulsão atômica. Ou porque comprou fragatas da Inglaterra. Ou, talvez, porque tenha desenvolvido novos radares para o Exército, ou, quem sabe, porque encomendou 2 mil blindados leves desenvolvidos pela Força Terrestre, para serem construídos no Brasil.
 
Ou o seu comunismo tenha ficado provado no desenvolvimento da nova família de fuzis IA-2, 100% nacional, fabricada, pela Imbel, em Itajubá, ou, porque, finalmente, comprovando seu esquerdismo, tenha comprado da Suécia, um país reconhecidamente “radical” e “marxista”, a tecnologia, para desenvolver, em parceria, os 36 Grippen NG-BR que equiparão a nossa Força Aérea.
 
O que ocorre, hoje, no Brasil, é que se está confundindo, mais uma vez, pregar a quebra do Estado de Direito com fazer política. Todos temos — e tem havido momentos que beiram a agressão por parte tanto do governo como da oposição —– o direito de abusar, eventualmente, da emoção, no calor do embate político — desde que respeitadas as regras, começando pelo Artigo Primeiro, que reza:  “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
 
Não se pode, portanto, flertar, nem compactuar, com aqueles que defendem, sem qualquer pudor, como ocorre hoje, na internet, a volta da tortura, dos assassinatos, o fim da prerrogativa dos cidadãos brasileiros de escolherem seu futuro pelo voto e dos direitos e liberdades individuais.
 
Até porque, como vimos antes, há 50 anos, muita gente — civis e militares — que apoiaram no início a ditadura acabou sendo devorada por ela como fez Cronos com seus filhos.
 
Não existe alternativa à democracia a não ser a barbárie, o caos, o pega pra capar, a guerra civil, o caos social e econômico, com a paralisia do Estado e da economia e o isolamento do Brasil do resto do mundo.
 
Como fake, o "general" Mário Márcio, no comando de um inexistente pelotão de fronteira, é tão inofensivo quanto um soldadinho de chumbo.
 
Como manobra de contrainformação, trata-se de desrespeito — para não dizer deboche — aos oficiais de verdade, que estão no comando da instituição; e de uma tentativa, infeliz, diga-se de passagem, de denegrir as  nossas Forças Armadas — com o intuito de subverter a ordem e de promover o ódio e a desunião no seio da sociedade brasileira.
 
Cabe agora, ao Ministério Público, com a ajuda da Polícia Federal, identificar e punir o autor da “brincadeira”.