Um dos Mestres da chamada "Nouvelle Vague", ao lado de outros "monstros" do Cinema, como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette, Claude Chabrol, Eric Rohmer, Agnès Varda, Roger Vadim e outros, Alain Resnais foi um dos nossos ídolos, quando começamos a estudar e fazer Cinema, no 1o. Curso de Cinema brasileiro de Nível Superior, na UCMG, em 1962.
A Nouvelle Vague, foi praticamente gerada a partir dos "críticos" de Cinema da Revista "Cahiers Du Cinéma" .
Resnais é muito lembrado por dois de seus antológicos filmes : "Hiroshima, mon Amour" e "Ano Passado em Marienbad" .
Recentemente, tivemos aqui em B. Hte., a oportunidade de ver um de seus últimos Filmes, "Vocês Ainda Não Viram Nada" , sem dúvida alguma, uma homenagem quase póstuma a ele prestada por um verdadeiro "Time" de vários grandes "atores" do cinema francês...
Em resumo : uma grande perda para o cinema mundial
Alain Resnais (1922 – 2014)
Morreu o mestre do cinema francês Alain Resnais, diretor de obras revolucionárias da nouvelle vague. Ele faleceu na noite de sábado (1/3) em Paris, ao lado da família, aos 91 anos de idade.
Resnais deixou um legado de 50 filmes, entre curtas e longas, pelo qual recebeu cinco prêmios César (dois de Melhor Diretor, três de Melhor Filme), dois Ursos de Prata no Festival de Berlim, um Bafta, um Prêmio Especial do Júri em Cannes, um Leão de Ouro e dois outros prêmios no Festival de Veneza.
Noite e Neblina
Nascido em Vannes em 3 de junho de 1922, filho de um farmacêutico, ele se apaixonou cedo pela literatura e pelo cinema. Aos 13 anos fez seu primeiro curta-metragem e ainda jovem ganhou reputação como bom documentarista, com curtas elogiados sobre artes plásticas, como “Van Gogh” (1946), “Guernica” (1950) e “Gauguin” (1951).
Ele se concentrou na direção de documentários durante os primeiros dez anos de sua carreira, consagrando-se com o curta “Noite e Neblina” (pelo qual recebeu o prêmio Jean Vigo em 1956), o primeiro filme a abordar a questão do genocídio nazista no cinema.
Hiroshima Mon Amour, com Emmanuelle Riva e Eiji Okada
Uma mistura de fotografias em preto e branco terríveis, tiradas de prisioneiros judeus durante a 2ª Guerra Mundial, combinadas com imagens plácidas e coloridas dos campos de concentração vazios, “Noite e Neblina” não poderia ser mais simples, mas também angustiante e eficaz. O então crítico François Truffaut considerou seus 30 minutos de duração os mais importantes já registrados pelo cinema e eles permanecem até hoje, mais de 50 anos depois, como uma das obras que melhor manifestaram o horror do Holocausto.
A estreia de Resnais como diretor de ficção aconteceu em 1959, quando levou às telas um roteiro da escritora Marguerite Duras, “Hiroshima Mon Amour”. Seu lançamento se tornou a estreia mais elogiada e controvertida de um cineasta desde “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles.
O Ano Passado em Marienbad
Apesar de se consagrar com a crítica internacional, inclusive ganhando prêmios dos críticos de Nova York e no Festival de Cannes, sua narrativa complexa, os flashbacks silenciosos e as cenas de sexo ousadas foram questionadas por muitos. Assim como sua história, sobre uma atriz francesa (Emmanuelle Riva, de “Amor”), que, durante um caso com um arquiteto japonês (Eiji Okada, de “Operação Yakuza”), lembra o seu amor polêmico por um soldado alemão durante a 2ª Guerra Mundial.
O impacto de “Hiroshima Mon Amour” só foi inferior à perturbação causada por seu segundo filme, “O Ano Passado em Marienbad” (1961), uma narrativa vanguardista que partia de um texto do escritor Alain Robbe-Grillet, usava inspiração de história em quadrinhos e artes plásticas, e assumia proporções labirínticas. Melhor Filme do Festival de Veneza de 1961, a obra transformou a estreante Delphine Seyrig (que depois faria vários clássicos, como “Escravas do Desejo” e “O Discreto Charme da Burguesia”) numa estrela instantânea.
Resnais e a atriz Delphine Seyrig no set de O Ano Passado em Marienbad
Marco do cinema, “O Ano Passado em Marienbad” é um dos poucos filmes da história que causa controvérsia por razões meramente estéticas. Enquanto outros filmes são questionados sobre seu conteúdo religioso, sexual ou violento, “Marienbad” – ainda – causa indignação e admiração simplesmente pela forma como foi filmado, usando de simbolismo para contar uma história de suspense.
Na trama, um homem identificado apenas como “X” (Giorgio Albertazzi, de “O Assassinato de Trotsky”) tenta convencer uma mulher identificada como “A” (Delphine Seyrig) de que tiveram um caso no ano anterior em Marienbad, o spa da alta sociedade. Enquanto vagam pelos corredores e jardins de um castelo, “A” resiste aos avanços de “X”, observados por um terceiro personagem, “M” (Sacha Pitoëff, de “A Mansão do Inferno”), cuja motivação não é clara.
A Guerra Acabou, com Yves Montand e Geneviève Bujold
Influenciando todo o cinema de arte que veio depois dele, “O Ano Passado em Marienbad” aproximou os filmes das artes plásticas, atingindo sua força hipnótica por meio de frases e situações repetidas, um esquema de tempo que se dobra sobre si mesmo, e pela força de suas imagens em preto-e-branco, que evocam pinturas surrealistas – onde apenas os personagens têm sombras, mas não os arbustos ao seu redor. Sua cinematografia, registrando os personagens com a frieza de manequins, também é apontada como responsável por redefinir a linguagem da fotografia de moda.
Resnais voltou a filmar Delphine Seyrig em “Muriel” (1963), que rendeu à atriz um prêmio no Festival de Veneza. Embora aparentemente menos complexo do que o seu antecessor enigmático, o filme também abordava a memória, relações ambíguas, passado e presente, e tinha o dobro de cortes das produções da época.
Eu Te Amo, Eu Te Amo, com Claude Rich e Olga Georges-Picot
Os três primeiros longas e os curtas que os antecederam catapultaram Resnais a uma posição de destaque no cinema de arte que emergiu nos anos 1960, em meio à novelle vague francesa e outros movimentos culturais espalhados pelo mundo. Mas sua fase assumidamente experimental teve final abrupto após o fracasso da sci-fi “Eu Te Amo, Eu Te Amo” (1968), no qual uma máquina do tempo fazia Claude Rich (“E se Vivêssemos Todos Juntos?”) rever sua vida inteira fora de ordem.
Seu afastamento da vanguarda cinematográfica coincidiu com o respaldo comercial obtido ao filmar dois roteiros do escritor espanhol Jorge Semprun, “A Guerra Acabou” (1966) e “Stavisky” (1974), ambos estruturados de forma convencional. O primeiro tinha Yves Montand (“Z”) como um revolucionário espanhol cansado, residente em Paris, que percebia que a luta contra o fascismo tinha conseguido pouco para seu país. Já o segundo fez Resnais cair no gosto popular.
Com Jean-Paul Belmondo, nos bastidores de Stavinsky
O diretor tinha passado seis anos sem filmar até retornar com “Stavisky”, estrelado por Jean-Paul Belmondo (“O Profissional”) no auge de sua popularidade, como o financista infame que quase derrubou o governo francês. Com um elenco que incluía Charles Boyer (“À Meia Luz”), música de Stephen Sondheim (“Sweeney Todd”) e uma impressionante recriação da década de 1930, o filme mostrou que Resnais também podia dirigir obras de entretenimento.
O sucesso de “Stavisky” mudou sua trajetória, levando-o a trabalhar com grandes estrelas. O infant terrible foi até filmar em inglês, dirigindo John Gielgud (“Arthur, o Milionário Sedutor”), Ellen Burstyn (“Réquiem para um Sonho”) e Dirk Bogarde (“Morte em Veneza”) no drama “Providence” (1977) – filme que, no entanto, era muito mais do que parecia à primeira vista.
Com Ellen Burstyn, nos bastidores de Providence
A conciliação entre o cinema comercial e a consagração da crítica aconteceu com o lançamento de “Meu Tio da América” (1980), um filme que seria considerado insuperável na filmografia de qualquer diretor que não tivesse feito antes “O Ano Passado em Marienbad”. Premiado com o Grande Prix no Festival de Cannes e seis César, inclusive os troféus de Melhor Filme e Diretor, a obra estrelada por Gerard Depardieu (“O Homem que Ri”) se debruçava sobre as teorias comportamentalistas do psicólogo Henri Laborit para satirizar a vida francesa moderna. Sua estrutura de contrapontos, que utilizava três histórias diferentes para explorar um tema comum, se tornaria um elemento chave no trabalho posterior do diretor.
Em sua obra seguinte, “A Vida É um Romance” (1983), que se divertia às custas de intelectuais franceses, Resnais juntou pela primeira vez o trio de artistas que o acompanharia pelo resto de sua carreira: Sabine Azéma (com quem ele se casaria em 1998), Pierre Arditi e André Dussollier, especialistas no tipo de atuação teatralizada que marcaria seus últimos filmes.
Meu Tio da América, com Gerard Depardieu ao centro
Em filmes como “Melô” (1986), adaptado a partir de uma peça de teatro de Henri Bernstein, “Smoking e No Smoking” (1993), que inaugurou seu ciclo de peças de Alan Ayckbourn, e mais recentemente em “Vocês Ainda Não Viram Nada!” (2012), sobre a encenação de uma peça, Resnais explorou a tensão entre realismo cinematográfico e artifício teatral. Ao mesmo tempo, usou este conflito como uma metáfora para explorar os papeis do destino e da predeterminação na formação das vidas humanas.
Nos últimos anos, o trabalho de Resnais vinha se tornando mais alegre. Fã assumido de quadrinhos, ele filmou uma comédia escrita pelo célebre cartunista francês Jules Feiffer, “Quero Ir para Casa” (1989), com Gerárd Depardieu. Também devoto dos musicais da Broadway, incorporou a música em “Amores Parisienses” (1997), repleto de clássicos da chanson francesa, e “Na Boca, Não” (2003), adaptação de uma opereta de 1925, estrelada por Audrey Tautou (“Coco Antes de Chanel”).
Com Sabine Azéma nos bastidores de Melô
Especializando-se nas peças de Alan Ayckbourn, ele ainda filmou “Medos Privados em Lugares Públicos” (2006), sobre seis pessoas em busca de amor numa ciranda de encontros e desencontros. O drama ficou três anos em cartaz na cidade de São Paulo. Do mesmo dramaturgo, também adaptou “Life of Riley”, seu último filme, exibido em fevereiro no Festival de Berlim, em que atores de teatro recebem a notícia de que um amigo está para morrer.
É interessante reparar que suas últimas obras, incluindo “Ervas Daninhas” (2009), vinham girado em torno de situações casuais, encontros e falecimentos, ao mesmo tempo em que buscavam desafiar o destino ou, ao menos, pontos de vista. “Ervas Daninhas” chegava a ter dois finais diferentes, e Resnais sugeria que os espectadores escolhessem o que mais gostassem como o final verdadeiro.
Dirigindo o elenco de Vocês Ainda Não Viram Nada
Resnais tratava o cinema como uma obra aberta, projetada para levar o espectador a refletir e tirar suas próprias conclusões. Mesmo quando parecia abordar temas convencionais, seu cinema provocava percepções, como em “Providence”, onde apenas ao final revelava que o ponto de vista do protagonista, e tudo o que o filme mostrara, era uma distorção da realidade.
Sua filmografia representa exatamente essa manifestação: cinema enquanto arte, capaz de transformar a realidade em ilusão, na qual ele foi um dos maiores mestres.
Alain Resnais
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