Jornal do Brasil, 12 de março de 2014
Oitenta anos de Yúri Gagárin, primeiro espaçonauta
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão*
Todos primeiros grandes sucessos espaciais soviéticos ocorreram num dos períodos mais difíceis da Guerra Fria, entre o fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, quando as duas superpotências se confrontaram no terreno militar (Muro de Berlim, a Guerra da Coreia, a crise dos mísseis de Cuba, etc). Em todo o mundo, os homens questionavam qual dos dois sistemas sociais e políticos que se opunham – de um lado o comunismo e do outro o capitalismo – constituía aquele que deveria prevalecer por sua capacidade científico-tecnológica. Para um público mais seleto, que acumulava uma cultura de séculos associada às viagens cósmicas e dezenas de anos de ficção-científica, não tinha dúvida: a maior potência no mundo seria aquela que soubesse impor-se na conquista do cosmos. Para os leigos, as atividades espaciais provocavam um enorme impacto para os homens, as mulheres e as crianças, o domínio dos céus era até então uma área de adoração divina. Ainda hoje, existem indivíduos que não acreditam que o homem foi à Lua... Rapidamente, o espaço se transformou no principal palco de uma série de grandes batalhas da Guerra Fria – um combate até certo ponto pacífico – mas que provocou uma intensa mobilização econômico-tecno-científica jamais vista. A corrida ao espaço é desde 1957 a prioridade das prioridades para as duas superpotências. Na primeira etapa a preocupação era a colocação em órbita de satélites ao redor da Terra. Na segunda etapa, o envio de sondas automáticas em direção à Lua e aos planetas Marte e Vênus. A terceira etapa – a mais importante e audaciosa – era colocar um homem no espaço.
Sob o ponto de vista técnico, o desafio era enorme. O ambiente espacial não é próprio à vida humana: além do vazio quase absoluto, as radiações perigosas, as temperaturas, os meteoros etc constituíam uma ameaça permanente a ser controlada.
Aliás, desde 1957, ou seja, alguns meses somente após a satelização do primeiro Sputnik, quando a astronáutica ainda dava os seus primeiros passos, os americanos e os soviéticos começaram a sonhar com os voos espaciais tripulados. O sucesso de Gagárin deu à astronáutica a dimensão humana e tornou realidade um velho sonho dos homens que idealizavam um dia viajar pelo espaço. O impacto provocado por Gagárin só seria comparável à descida dos norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin na Lua.
Gagárin
O primeiro astronauta, Yúri Alekseevitch Gagárin, nasceu em 9 de março de 1934, na aldeia de Kluchino, na parte ocidental da Rússia. Seu pai Aleksei Gagárin era carpinteiro e a mãe – ordenhadeira. Após a II Guerra Mundial, a família de Gagárin transferiu-se para a cidade de Gjatsk, atual Gagárin, em homenagem a seu mais ilustre habitante. Uma vez concluídos os estudos na escola secundária, Yúri ingressou numa escola técnica de fundidores. Sua grande paixão pela técnica, bem como pelo esporte, muito influenciou seu destino, em particular na escolha da profissão. Após ter sido aprovado no concurso de admissão, matriculou-se na Escola Técnico-Profissional de Sarátov, onde foi dedicado aluno de matemática e física, duas de suas matérias favoritas. Uma de suas dissertações seria dedicada ao pioneiro da cosmonáutica soviética, o mestre-escola Konstantin Tsiolkóvski, cujas obras, como confessou mais tarde, transformaram sua visão do mundo.
Enquanto preparava sua tese de fim de curso, Yúri aprendeu a pilotar avião no aeroclube local, durante a noite. Estava dado o grande passo que o conduziria à Escola de Aviação de Orenburgo. Nesta escola encontrou Valentina, com quem se casou e de quem teria mais tarde duas filhas. Ao concluir o curso de aviador, foi-lhe proposto o emprego de piloto-instrutor. Não aceitou, preferindo ir voar, em condições meteorológicas mais adversas, no norte da Rússia. Tornou-se assim um perito em voo. Ao atingir a idade de 26 anos, após passar no exame médico, Yúri entrou para o grupo dos dez primeiros cosmonautas soviéticos. Depois de um ano de estudos e treinamentos foi escolhido para ser colocado em órbita ao redor da Terra.
O acidente
Durante um voo de treinamento, num Mig-15 de dois lugares, versão de treinamento do primeiro caça a jato da força aérea soviética, os cosmonautas Yúri Gagárin e Vladimir Seriogin foram obrigados a proceder a uma brusca manobra com objetivo de evitar uma colisão com dois outros aviões, um Mig 21 e outro Mig 15, que se aproximavam perigosamente do jato de Gagárin. Depois de entrar em parafuso, girando fora de controle, o avião de Gagárin caiu num ponto a nordeste de Moscou. Assim, desapareceu, a 27 de março de 1968, o primeiro homem a realizar uma volta completa ao redor da Terra num satélite artificial.
Até o início de 1988 haviam sido sugeridas diversas hipóteses para explicar o acidente. Uma primeira investigação inclinou-se por uma sabotagem a bomba ou por envenenamento dos dois pilotos. Uma segunda sugeriu que Gagárin e Seriogin haviam perdido o controle do pequeno caça depois de uma colisão com um pássaro ou um balão meteorológico. Finalmente, em janeiro de 1988, depois de uma reinvestigação do caso, ficou evidente que o acidente foi provocado por um erro da torre de controle de voo e de tráfego aéreo, ao permitir que dois outros aviões penetrassem na mesma região onde o Mig 15 de Gagárin estava realizando um voo de treinamento.
A admiração de milhões de pessoas não lhe alterou a personalidade, e Gagárin conservou as melhores qualidades de caráter: sinceridade, coragem, perseverança. Deixou uma das mais célebres frases, que a humanidade já ouviu: "A Terra é azul".
O sucesso de Gagárin deu à astronáutica a dimensão humana e tornou realidade um velho sonho dos homens que idealizavam um dia viajar pelo espaço. O impacto provocado por Gagárin só seria comparável à descida dos norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin na Lua, em 20 de julho de 1969.
Na realidade, apesar de Gagárin ser considerado um herói, o grande mérito da missão coube ao engenheiro de voo espacial Serguei Pavlovith Korolev (1927-1966) – pai do programa espacial soviético – que concebeu, comandou e acompanhou pessoalmente todo o desenvolvimento do projeto Vostok 1, veículo que transportou Gagárin. Aliás, somente após a morte é que a identidade de Korolev foi revelada ao grande público. Em 1937, foi prisioneiro por quase seis anos no auge do regime de repressão de Stalin que o soltou, em 1942, ao compreender que iria precisar do seu talento para projetar e construir mísseis durante a II Guerra Mundial.
As contribuições de Korolev à astronáutica são incríveis. Seu nome está associado às principais missões da era espacial: o primeiro satélite artificial da Terra (1957); as primeiras fotografias da fase oculta da Lua (Lunik III, 1959); o primeiro veículo espacial habitado: Yúri Gagárin (1961); a primeira mulher cosmonauta, Valentina Terechkova (1963); a primeira saída de um homem no espaço: Aleksei Leonov (1965); o primeiro impacto de uma sonda em outro planeta – Vênus (1966) e a primeira alunissagem de uma sonda (Lunik IX, 1966). Na realidade, não é importante saber quem ganhou a corrida espacial, mas procurar compreender as razões dos fracassos iniciais dos norte-americanos assim como as origens das dificuldades do programa lunar tripulado soviético. Tais dificuldades tiveram início logo após o falecimento de Korolev, em 1966, por uma imperícia médica.
* Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, é autor de mais de 95 livros, entre os quais, o ‘Astronáutica – do sonho à realidade. A história da conquista espacial’
Sob o ponto de vista técnico, o desafio era enorme. O ambiente espacial não é próprio à vida humana: além do vazio quase absoluto, as radiações perigosas, as temperaturas, os meteoros etc constituíam uma ameaça permanente a ser controlada.
Aliás, desde 1957, ou seja, alguns meses somente após a satelização do primeiro Sputnik, quando a astronáutica ainda dava os seus primeiros passos, os americanos e os soviéticos começaram a sonhar com os voos espaciais tripulados. O sucesso de Gagárin deu à astronáutica a dimensão humana e tornou realidade um velho sonho dos homens que idealizavam um dia viajar pelo espaço. O impacto provocado por Gagárin só seria comparável à descida dos norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin na Lua.
Gagárin
O primeiro astronauta, Yúri Alekseevitch Gagárin, nasceu em 9 de março de 1934, na aldeia de Kluchino, na parte ocidental da Rússia. Seu pai Aleksei Gagárin era carpinteiro e a mãe – ordenhadeira. Após a II Guerra Mundial, a família de Gagárin transferiu-se para a cidade de Gjatsk, atual Gagárin, em homenagem a seu mais ilustre habitante. Uma vez concluídos os estudos na escola secundária, Yúri ingressou numa escola técnica de fundidores. Sua grande paixão pela técnica, bem como pelo esporte, muito influenciou seu destino, em particular na escolha da profissão. Após ter sido aprovado no concurso de admissão, matriculou-se na Escola Técnico-Profissional de Sarátov, onde foi dedicado aluno de matemática e física, duas de suas matérias favoritas. Uma de suas dissertações seria dedicada ao pioneiro da cosmonáutica soviética, o mestre-escola Konstantin Tsiolkóvski, cujas obras, como confessou mais tarde, transformaram sua visão do mundo.
Enquanto preparava sua tese de fim de curso, Yúri aprendeu a pilotar avião no aeroclube local, durante a noite. Estava dado o grande passo que o conduziria à Escola de Aviação de Orenburgo. Nesta escola encontrou Valentina, com quem se casou e de quem teria mais tarde duas filhas. Ao concluir o curso de aviador, foi-lhe proposto o emprego de piloto-instrutor. Não aceitou, preferindo ir voar, em condições meteorológicas mais adversas, no norte da Rússia. Tornou-se assim um perito em voo. Ao atingir a idade de 26 anos, após passar no exame médico, Yúri entrou para o grupo dos dez primeiros cosmonautas soviéticos. Depois de um ano de estudos e treinamentos foi escolhido para ser colocado em órbita ao redor da Terra.
O acidente
Durante um voo de treinamento, num Mig-15 de dois lugares, versão de treinamento do primeiro caça a jato da força aérea soviética, os cosmonautas Yúri Gagárin e Vladimir Seriogin foram obrigados a proceder a uma brusca manobra com objetivo de evitar uma colisão com dois outros aviões, um Mig 21 e outro Mig 15, que se aproximavam perigosamente do jato de Gagárin. Depois de entrar em parafuso, girando fora de controle, o avião de Gagárin caiu num ponto a nordeste de Moscou. Assim, desapareceu, a 27 de março de 1968, o primeiro homem a realizar uma volta completa ao redor da Terra num satélite artificial.
Até o início de 1988 haviam sido sugeridas diversas hipóteses para explicar o acidente. Uma primeira investigação inclinou-se por uma sabotagem a bomba ou por envenenamento dos dois pilotos. Uma segunda sugeriu que Gagárin e Seriogin haviam perdido o controle do pequeno caça depois de uma colisão com um pássaro ou um balão meteorológico. Finalmente, em janeiro de 1988, depois de uma reinvestigação do caso, ficou evidente que o acidente foi provocado por um erro da torre de controle de voo e de tráfego aéreo, ao permitir que dois outros aviões penetrassem na mesma região onde o Mig 15 de Gagárin estava realizando um voo de treinamento.
A admiração de milhões de pessoas não lhe alterou a personalidade, e Gagárin conservou as melhores qualidades de caráter: sinceridade, coragem, perseverança. Deixou uma das mais célebres frases, que a humanidade já ouviu: "A Terra é azul".
O sucesso de Gagárin deu à astronáutica a dimensão humana e tornou realidade um velho sonho dos homens que idealizavam um dia viajar pelo espaço. O impacto provocado por Gagárin só seria comparável à descida dos norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin na Lua, em 20 de julho de 1969.
Na realidade, apesar de Gagárin ser considerado um herói, o grande mérito da missão coube ao engenheiro de voo espacial Serguei Pavlovith Korolev (1927-1966) – pai do programa espacial soviético – que concebeu, comandou e acompanhou pessoalmente todo o desenvolvimento do projeto Vostok 1, veículo que transportou Gagárin. Aliás, somente após a morte é que a identidade de Korolev foi revelada ao grande público. Em 1937, foi prisioneiro por quase seis anos no auge do regime de repressão de Stalin que o soltou, em 1942, ao compreender que iria precisar do seu talento para projetar e construir mísseis durante a II Guerra Mundial.
* Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, é autor de mais de 95 livros, entre os quais, o ‘Astronáutica – do sonho à realidade. A história da conquista espacial’
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