quarta-feira, 26 de março de 2014

Como um parlamenta​r adquire poder de chantagem?





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Carta Maior, 26/03/2014 

              

Se pensar pequeno, o governo escorrega na goela conservadora



Por Saul Leblon



​Para quem acha que capitalismo é apenas um sistema econômico, não uma relação de poder, o Brasil  se oferece  como um  incentivo à revisão  de conceitos.

Tome-se a luta de chifres entre  os resultados  da economia  e a guerra santa das expectativas.
Estamos  a sete meses das  eleições presidenciais

A manada  de bisão acantonada nas redações  afia os cascos no chão e recobre o horizonte brasileiro de uma espessa  poeira cinza asfixiante.

É imperioso  ligar o aspirador de pó à passagem do tropel noticioso. A mesa do café da manhã fica  imprestável,  dividida com a edição do dia.

A culpa pelas más notícias nunca é do carteiro.

OK.

Exceto se ele exorbita  e troca a entrega da correspondência  pela ordem de despejo que lhe confere o mando do imóvel, às expensas dos ocupantes legítimos.

O  pisoteio  dos cascos isentos  faz mais ou menos isso ao reduzir  a partículas ínfimas  qualquer  saliência que desafie  a pauta do Brasil aos cacos.

Não entrega a correspondência. Ou o faz rasurando seu conteúdo –frequentemente alterando-o.


Nenhum vestígio positivo do  passado e do  presente  mas,  sobretudo, os  brotos do  futuro, sobrevivem à passagem diária do tropel.

Repita-se:  isso,  há sete meses do pleito que pode dar um quarto mandato à coalizão  centrista comandada pelo PT.

Há quem ache merecido.

Até sorri ao ouvir o barulho do  Brasil esmigalhando diariamente sob as patas do tropel.

As alianças ‘escolhidas’  pelo PT, afinal, sem falar no próprio,  submeteram a sociedade  a uma camisa de força conservadora, justificam os sorridentes.

‘Contra tudo isso que está aí’, vale tudo.

Até a parceria com autênticos partisans  do novo amanhecer.

Combatentes  da cepa de um Jarbas Vasconcelos, por exemplo;  ou  da estirpe  de Agripino, le rouge, companheiros de caminho dos que pretendem  levar  ao Procurador Geral,  Rodrigo Janot, um pedido de investigação contra a Presidenta Dilma Rousseff pelo caso Pasadena.

A manada ganhou esta semana outro reforço  de notórios compromissos com o país.

A agencia  Standard  & Poor’s , de impoluta credibilidade (leia também  ‘A Standard & Poor's endossa a mídia, que retribui’) ,  mostrou a que veio  ao rebaixar  a nota do país para deixa-lo  a  um degrau acima dos Estados falidos.

E não ficou nisso: ‘Os sinais enviados pelo governo ainda não são claros’, advertiu a agência em tom imperial. ‘Houve uma piora consistente nos indicadores’, reforçou a senhora Lisa Schineller , analista da ‘S&P’, em teleconferência  à mídia embevecida.

A senhora Schineller  é treinada para tocar a sensibilidade aguçada desse tipo de plateia que tem vínculos de orelhada e holerite com o cuore neoliberal .

Ela foi direto ao  centro do alvo que é para ninguém ter dúvida do que é o principal na vida de uma nação:  ‘(a punição) é um reflexo da política fiscal (a economia para pagar os juros dos rentistas) ,’cuja credibilidade se enfraqueceu de forma sis-te-máti-ca’, escandiu a executiva.

Orgasmos intelectuais na plateia.

Nesse bacanal da isenção com a equidistância a ninguém ocorreu lhe perguntar se a mesma corrosão da credibilidade teria atingido a agência de risco pelo desempenho pregresso.

 Em agosto de 2008 a  ‘S&P’ atribuiu ao banco Lehman Brothers  um esférico triple A: a nota máxima do ‘rating’ de credibilidade
, da qual  ela afastou  o Brasil um pouco mais agora.

Desconfia-se que já como parte da desesperada tentativa de continuar empurrando títulos do Lehman na goela dos incautos, como forma de mitigar as perdas dos grandes acionistas, diante da quebra inevitável.

Trinta dias depois de receber a faixa de máxima higidez o banco implodia acionando a espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929.

Há um outro recuerdo  ilustrativo do que move a engrenagem por trás da fala assertiva da senhora Schineller.

A  ‘S&P’ foi responsável por rebaixar a nota do Brasil em julho de 2002.

As pesquisas do Datafolha então mostravam o candidato Lula na liderança das intenções de voto
, com 38% da preferências dos eleitores, seguido de Ciro Gomes.

Só depois  vinha o delfim da eterna derrota conservadora: José Serra.

O risco da argentinização  sob um governo petista era o mote do jogral conservador, ao qual a S&P adicionou seu grave de tenor.

Como corolário da impoluta trajetória ética e técnica recorde-se que o governo norte-americano encontrou um erro de cálculo de ‘apenas’ US$ 2 trilhões nas contas que orientaram a mesma  Standard & Poor’s  a rebaixar o rating do país em 2012.

Uma desastrada tentativa de se reabilitar após o vexaminoso endosso a práticas e instituições que explodiram a ordem financeira mundial.

Esse é a folha corrida.

Cuja detentora era aguardada  com ansiedade pela manada  e seus  candidatos amigáveis à sucessão.

A bala de prata não negou fogo, como se viu.

Mas o tiro saiu pela culatra.

O day after da apoteose foi  talvez o maior fiasco já enfrentado  pelo jornalismo isento  que se vestiu de gala com  manchetes garrafais à espera de uma  3ª feira negra que não veio.

O  dia de fúria aconteceu ao contrário

O  dólar caiu ao menor nível em quatro meses; o capital estrangeiro continuou  a desembarcar no país 
-
uma parte, ressalve-se, apenas para desfrutar dos juros altos -  mas US$ 9,2 bi em investimento efetivos aportaram no 1º bimestre.

A  Bolsa atingiu a maior pontuação desde setembro de 2013.

As ações da Petrobras se mantiveram em  espiral ascendente, com alta de mais 0,90% na 3ª feira.

Para finalizar, o Tesouro anunciou uma arrecadação recorde em fevereiro  –em frontal desacordo com o veredito da ‘inconsistência fiscal’  alegada pela ‘S&P’ para cortar o ‘rating’ do país.
O que aconteceu no day after, na verdade, só reafimou aquilo que os indicadores tem mostrado neste início de ano, à revelia das manchetes alarmistas.

O Brasil tem problemas  (leia ‘Quem vai mover as turbinas do Brasil?’).

Mas está longe de ser a terra arrasada produzida pelos cascos que esmagam e amesquinham tudo o que se opõe à pauta do Brasil que vai descambar –se não for hoje, de amanhã não passa.


Nesta 2ª feira, por exemplo, o insuspeito jornal Valor reuniu 18 indicadores atualizados para medir a temperatura da economia  neste início de ano.

Treze dos dezoito apontavam um desempenho positivo.


São eles:  renda, emprego, atividade industrial, vendas do varejo, vendas de serviços, venda de aços planos, crédito, inadimplência, nível de atividade do BC, vendas de automóveis, fluxo de veículos pedagiados e  vendas de papel para embalagem.

Dos cinco indicadores negativos, apenas um  se referia  a  atividade produtiva de fato: vendas de automóveis (influenciada pela antecipação da demanda ao final de 2013 por conta do IPI)

Os demais  dizem respeito à formação das expectativas, diretamente contaminadas pela guerra eleitoral manipulada das redaççoesa  –intenção de consumo, confiança da indústria, confiança do consumidor, indicador antecedente da FGV.

Em resumo,  os mercados ,  ao contrário do jornalismo colegial, sabem que as candidaturas conservadoras não emplacam.

Enquanto cuidam de faturar , usam as redações  isentas, a exemplo dos serviços pagos da  ‘Standard & Poor’s   para chantagear o final do governo Dilma.

Tiram uma lasca – mais uma alta da Selic, por exemplo.

Mas, sobretudo, engessá-la no palanque de outubro.

E  assim desossar sua eventual reeleição, circunscrevendo-a  num círculo de ferro de mesmice  e mediocridade.

Nenhuma  surpresa.

Estamos diante do capitalismo, que antes de ser economia –e uma relação de forças.

Uma luta política aberta, a luta dos interesses dominantes para abortar qualquer alteração de rumo que possa atingir sua prerrogativa  na divisão do excedente econômico.

A transição de ciclo de desenvolvimento vivida pelo Brasil adiciona desafios  e  dificuldades a esse embate histórico.

Mas não é a determinação dos dias que correm.

A determinação é o mutirão da plutocracia local e além-mar  para engessar o governo e impedir que ele seja de fato o portador  do  desejo mudancista do eleitorado  brasileiro, majoritariamente associado à condução do processo pela própria Presidenta-candidata.

Trata-se de tanger Dilma e o PT a pensarem pequeno.

Pensarem um futuro governo menor que o país.

Menor que as suas possibilidades e urgências.

Menor que o pré-sal.

Menor que a ponte necessária para transformar a prostração democrática cevada  pelo neoliberalismo urbi et orbi em uma repactuação consistente do futuro com a sociedade, feita  de prazos e metas críveis  para a construção da cidadania plena.

Carta Maior insiste porque está convicta disso: o programa de governo da reeleição pode e deve ser tratado como essa ponte.

A ser erguida em debate aberto com a sociedade através da rede já existente de sites e blogs progressistas.

O casamento da democracia com o desenvolvimento não acontecerá à margem do poder.

E não há nada mais poderoso do que uma plataforma de governo sedimentada em debate amplo, convergindo para círculos  e conferencias  presenciais da militância progressista.

Ilusão não é erguer linhas de passagem rumo a uma democracia social.

Ilusão é achar que ela pode ser construída sem essas pontes.


Se pensar pequeno, o governo que finda e o seu novo mandato correm o risco de ficar do tamanho da goela conservadora.

Que não terá dúvida em mastiga-los até a última lasca.

Se preciso for, há uma legião de ‘Cunhas’ dispostos a facilitar um pouco a deglutição.

Razão pela qual o futuro não pode ficar circunscrito ao diálogo com esses sinônimos de pé-de-cabra  da política brasileira (leia o artigo da colunista Maria Inês Nassif; nesta pág).





http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Como-um-parlamentar-adquire-poder-de-chantagem-/30548


Como um parlamentar adquire poder de chantagem?



Por Maria Inês Nassif
 



 É quase um dèjá vu a grave crise que sacode a base aliada do governo da presidenta Dilma Rousseff. A forma como o sistema político brasileiro tende tradicionalmente a fragmentar a representação parlamentar, e também a incentivar uma luta fratricida entre candidatos do mesmo partido ou da mesma coligação nas eleições para a Câmara dos Deputados, fatalmente leva a atritos semelhantes no início das articulações para a composição de chapas e coligações. São as movimentações feitas a partir de agora que definirão as posições de cada um no cenário eleitoral que será oficializado em junho, nas convenções partidárias, e definido em outubro, nas eleições do dia 4 de outubro.

Os candidatos a presidente têm direito a um segundo turno. Os que disputam as eleições parlamentares, não. O destino deles é selado na primeira eleição (que ocorrerá este ano em 5 de outubro). A vantagem que eles têm sobre os candidatos a cargos executivos são os 21 dias entre a sua eleição e a do presidente da República, se a decisão sobre o mandato presidencial for para um segundo turno. É tempo suficiente para um deputado eleito se redimir com o candidato a presidente com mais chances de vitória e se aliar a ele, não sem antes garantir posições que permitam a ele manter uma máquina de captar apoios à eleição seguinte.

É lógico que a regra se aplica aos eleitos pela política tradicional, que dependem de uma cadeia de favores para manter o fluxo de dinheiro para campanhas caras e alianças igualmente onerosas no âmbito municipal. O apoio a grupos políticos no interior do Estado é fundamental para esses parlamentares. É também importante o acesso a bunkers urbanos – periferias dominadas por grupos criminosos, ou comunidades religiosas com acesso a grande número de pessoas. Para tudo isso, é preciso ter poder econômico.

É preciso saber como isso acontece para entender, por exemplo, o poder de que dispõe o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), e os interesses que o movem no papel de deflagrador permanente de crises – pelo menos nos últimos meses.

Existe uma discussão sobre a legitimidade das emendas parlamentares – aquelas definidas por deputados e senadores, aprovadas no Orçamento e que devem ser liberadas pelo presidente da República para chegar ao seu destino. Teoricamente, nada há de errado no fato de o deputado ou senador levar uma melhoria para o município que o apoia – uma ponte, uma estrada, um açude ou qualquer obra que resulte num benefício para a população local. Existem indícios contundentes, todavia, de que as emendas são o principal combustível, e a principal fonte de corrupção, de um bom número de parlamentares que rezam pela cartilha da política tradicional.

Entenda-se como político tradicional aquele cujos interesses eleitorais e particulares se sobrepõem aos interesses públicos
, e com isso substituem um vínculo orgânico, político e ideológico, com partidos e eleitores, por negociações privadas de coisa públicas (como emendas parlamentares) para conseguir dinheiro para comprar apoios e votos.

Falamos aqui em tese, não de deputados específicos. A investigação de como agem, e dos limites legais da ação política desses parlamentares, compete ao Ministério Público, à Polícia Federal – e, depois de uma denúncia formal, à Justiça.

Vamos, por suposição, pegar o caso do deputado X. Ele é eleito por um partido forte nacionalmente, mas fraco regionalmente, com dinheiro trazido de esquemas mais diretos de corrupção – por exemplo, o obtido em cargos executivos. O fato de ter dinheiro – de preferência para se eleger e fazer esse favor a mais alguns de sua chapa – o credenciam a ser escolhido na convenção. Uma vez eleito, organiza-se para garantir a eleição para o mandato seguinte.

O esquema do deputado X é o trivial. Como este parlamentar não tem grande acesso ao partido nacional, nem muitos parlamentares que beneficiem de seu jogo, negocia emendas. Os projetos das obras vêm prontos, de empresas interessadas em fazê-los. Essas empresas destinam parte do dinheiro auferido pela obra (ou serviço) para a campanha seguinte do deputado X, que ao final de seu mandato terá dinheiro suficiente para enfrentar novas eleições. Garantiu o seu.

O deputado Y, no entanto, é mais ambicioso. Com um esquema quase profissional de negociação de emendas e favores, tem um caixa que permite a ele financiar a sua eleição, a eleição de prefeitos na sua base e de muitos parlamentares, tanto de seu Estado como de outros, de seu partido e dos demais. A sua máquina de captação permite, além de simplesmente arrecadar e distribuir dinheiro para eleição de terceiros, agenciar relações entre políticos e empresas.

Depois de algum tempo operando dessa forma, o deputado Y conhece as necessidades mais primitivas dos políticos a que serve e ter a liderança sobre eles, não apenas porque seus interesses coincidem, como pelo fato de saber dos mais escusos segredos de um número considerável deles.

Esse deputado Y tem o poder de mobilizar grande número de parlamentares e provocar crises
. E este é o seu segredo para conseguir levar tanta gente num jogo de chantagem que atende principalmente a seus interesses privados.
É uma descrição grosseira de como homens públicos se rendem tão facilmente a interesses privados, mas não está nem um pouco longe da realidade da política tradicional brasileira. A descrição desse mecanismo de financiamento político do Legislativo, contudo, explica por que pessoas com tão pouco senso público conseguem credenciais para nomear ministros ou diretores de estatais. O poder de chantagem é uma teia que se estende de baixo, da base de apoio parlamentar de um governo, para cima, até a Presidência da República. Não é apenas da presidenta Dilma Rousseff, mas de todos os eleitores do país que têm o poder de seu voto relativizado pelo poder econômico desses parlamentares.

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