Trigêmeas estonianas na maratona da Rio 2016
JERÉ LONGMAN
DO "NEW YORK TIMES*, EM TARTU, ESTÔNIA
Enquanto Lea Luik esperava dentro de um táxi da era soviética, seu marido, Henno, carregava as recém-nascidas da enfermaria para o carro. Uma, depois duas, depois três.
Da maneira pela qual a história veio a ser contada, a graça está sempre na reação do taxista: "Vocês vão esvaziar o hospital?"
As irmãs Leila, Liina e Lily nasceram prematuras, um mês antes da data prevista.
Nenhuma delas pesava mais de dois quilos. Por diversas semanas, sua
casa foi como que uma unidade de terapia intensiva. Passados 30 anos, as
irmãs são maratonistas pela minúscula Estônia, e ao que se sabe são as primeiras trigêmeas qualificadas para disputar a Olimpíada, de inverno ou verão.
O COI (Comitê Olímpico Internacional) informou que não tem registros específicos sobre atletas irmãos, mas que "diversas fontes confiáveis reportam que esta será a primeira vez que trigêmeos competirão nos Jogos Olímpicos".
Há
99,9%" de certeza de que nenhum trio de gêmeos participou de Olimpíada,
quer no mesmo ano, quer em anos distintos. É um acontecimento raro o
suficiente para que tivesse sido mencionado. Coisas assim não acontecem
sem que ouçamos.
A
Estônia, que garantiu sua independência em 1991, deixando a antiga
União Soviética, tem pouca tradição nas provas femininas de corrida de
longa distância e tem apenas 1,3 milhão de habitantes, o que o torna um
dos menores da União Europeia. (Os estonianos brincam: "A Estônia está
com um problema de imigração: três famílias se mudaram para o país. 'Ei,
isso não é muito'. Mas o número real é sete".)
As irmãs Luik só começaram a correr a sério seis anos atrás, quando tinham 24.
Cada país é autorizado um máximo de três atletas na maratona olímpica. As
irmãs Luik se qualificaram sob o padrão B de tempo para a maratona, de
duas horas e 45 minutos. O melhor tempo pessoal de Leila é duas horas,
37 minutos e 11 segundos. Liina tem como melhor tempo 2h39min42seg, e
Lily 2h40min30seg. Por coincidência, ou não, seus tempos de qualificação seguem a mesma ordem de seu nascimento.
Treinar
trigêmeas, descobriu Lemberg, tem suas vantagens e desvantagens.
Maratonas são uma empreitada solitária, capaz de gerar sentimentos de
abandono e isolamento. Mas as irmãs Luik na prática formam uma
equipe, que oferece apoio e encorajamento permanente e a oportunidade de
forçar limites em competição com rivais conhecidas e nada hostis.
"As três juntas se dão muita energias umas às outras", disse Leila Luik. "Nenhuma de nós quer ser a mais lenta. Nós forçamos, forçamos, forçamos".
No
passado tímidas e relutantes em atrair atenção, as irmãs agora são
divertidas e entusiásticas. Completam as sentenças umas das outras e
zombam de seus cabelos loiros tingidos. "Na verdade, são marrons como
batatas".
Pouca gente consegue distingui-las com facilidade, mas como
corredoras as trigêmeas não têm exatamente a mesma velocidade ou
capacidade de oxigenação. Não se recuperam exatamente da mesma maneira
de seu treinamento desgastante. Há variedade em sua forte semelhança.
Sabendo disso, Lemberg agora desenvolve exercícios separados para cada irmã.
Quando
meninas, sofriam ansiedade se eram separadas na escola. Mas agora vivem
sozinhas. Farão 31 anos em outubro, e se manterão sempre muito
próximas, mas também são adultas vivendo vidas separadas.
ESTRATÉGIA PARA A PROVA OLÍMPICA
DE DANÇARINAS A MARATONISTAS
As trigêmeas se tornaram dançarinas profissionais de hip-hop e de dança contemporânea depois de terminarem o segundo grau, foram professoras de dança e apareceram em um vídeo de música. Também trabalharam como salva-vidas, o que requeria correr como parte do treinamento. Uma colega sugeriu que elas tentassem correr competitivamente. Em 2010, procuraram Lemberg, que é presidente do Clube Acadêmico de Esportes da Universidade de Tartu, para que as treinasse.
Em 2011, Liina e Leila Luik dividiram os títulos nacionais nos 10 mil metros, meia maratona e maratona. A dança parece tê-las ajudado como corredoras, disse Lemberg, por ter reforçado seus tornozelos, ajudado a criar uma postura mais firme e contribuído para suas passadas silenciosas e econômicas.
"Eu achava que elas só queriam correr nos finais de semana", disse o treinador. "Mas depois de um ano compreendi que desejavam algo de mais sério".
No masculino, atletas estonianos conquistaram duas medalhas de ouro olímpicas no atletismo desde a queda do bloco soviético. Ekki Nool venceu o decatlo na Olimpíada de Sydney, em 2000, e Gerd Kanter venceu no arremesso de disco em Pequim, em 2008. Mas as corredoras de longa distância estonianas não conquistaram grande sucesso internacional.
O recorde nacional feminino na maratona, 2h27min4seg, foi conquistado quase duas décadas atrás, em 1997, por Jane Salumae, que venceu maratonas em grandes cidades como Roma, Los Angeles e Viena e terminou em quarto lugar na maratona do campeonato europeu de atletismo em 2002. Mas em suas duas participações olímpicas, a melhor posição que conseguiu foi um 44º lugar.
Talvez, disseram as irmãs Luik, a visibilidade que obtiveram estimule mais mulheres estonianas a participar de corridas de longa distância. Uma prova de sete quilômetros para mulheres em Tallinn atraiu mais de 10 mil participantes, em maio. "Mostramos que nunca é tarde demais para iniciar uma carreira profissional", disse Liina Luik.
Depois do Rio, as três irmãs considerarão se devem continuar e tentar a olimpíada de 2020 em Tóquio. E disseram também que podem tentar bater o recorde mundial de 2h15min25seg detido por Paula Radcliffe, da Inglaterra. Mas é claro que estavam brincando. Talvez, disseram, cada uma delas pudesse correr um terço de uma maratona, em um revezamento camuflado, com as substituições acontecendo na pista sem que os demais atletas percebessem. Leila Luik riu.
"Podemos nos esconder nos arbustos".
Tradução de CLARA ALLAIN
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