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Carta Maior, 27/07/16
O fascismo e sua imbecilidade ilógica
Por Mauro Santayana
Célebre
por seus estudos sobre a França de Vichy, Robert Paxton dizia que o
fascismo se caracteriza por uma sucessão de cinco momentos históricos: a
criação de seus movimentos; o aparelhamento do setor público; a
conquista do poder legal; a conquista do Estado; e, finalmente, a
radicalização dos fins e dos meios - incluída a violência política - por
intermédio da guerra.
O
fascismo de hoje se disfarça de “liberalismo” no plano político e de
neoliberalismo no plano econômico.
Seu discurso e suas “guerras” podem ser dirigidos contra inimigos externos ou internos.
E
sua verdadeira natureza não pode ser escondida por muito tempo quando
multidões uniformizadas, quase sempre com cores e bandeiras nacionais,
descobrem "líderes" dispostos a defender o racismo, a ditadura, o
genocídio e a tortura.
Que, quase sempre, são falsa e artificialmente elevados à condição de deuses vingadores.
E
passam a ter seus rostos exibidos em camisetas, faixas, cartazes, por
uma turba tão cheirosa quanto ignara, irrascível e intolerante, que os
exalta com os mesmos slogans, em todos os lugares.
Repetindo
sempre os mesmos mantras anticomunistas toscos, "reformistas" e
"moralistas", contra a política e seus representantes - o “perigo
vermelho”, a “corrupção” e os “maus costumes”.
Uma
diatribe que lembra as mesmas velhas promessas e “doutrina” de apoio a
outros "salvadores da pátria” do passado - que curiosamente costumam
aparecer em momentos de "crise" aumentados intencionalmente pela mídia,
ou até mesmo, a priori, fabricados - como Hitler, Mussolini, Salazar e
Pinochet, entre muitos outros.
Não
importa que as “bandeiras”, como a do combate à corrupção -
curiosamente sempre presente no discurso de todos eles - sejam
artificialmente exageradas.
Não
importa que, hipocritamente, em outras nações, o que em alguns países
se condena, seja institucionalizado, como nos EUA, por meio da
regulamentação do lobby e do financiamento indireto, e bilionário, de
políticos e partidos por grandes empresas.
Nem
importa, afinal, que a Democracia, contraditoriamente, embora
imperfeita, aparentemente - por espelhar os defeitos próprios a cada
sociedade - ainda seja, para os liberais clássicos, o melhor regime para
conduzir o destino das nações e o da Humanidade.
Como
ensina Paxton, na maioria das vezes os grupos fascistas iniciais
sobrevivem para uma segunda fase, quando, como movimentos ou ainda como
mera tendência, discurso ou doutrina - muitas vezes ainda não
oficialmente elaborada - passam a se infiltrar e impregnar setores do
Estado.
Esse
é o caso, por exemplo, de “nichos” nas forças de segurança, no
Judiciário e no Ministério Público, que passam então, também, a prestar
dedicada "colaboração" ao mesmo objetivo de "limpeza" e "purificação"
da Pátria.
Com
o decisivo apoio de uma imprensa - normalmente dominada por três ou
quatro famílias conservadoras, milionárias, retrógradas, entreguistas -
que atua como instrumento de "costura" e "unificação" do "todo", por
meio da pregação constante dos objetivos a serem alcançados e da
permanente glorificação, direta ou indireta, do "líder" maior do
processo.
Não
por acaso, Mussolini e Hitler foram capa da Revista Time, o primeiro em
1923, o segundo em 1938, e de muitas outras publicações, em seus
respectivos países, quando ainda estavam em ascensão. Não por acaso,
nas capas de jornais e revistas, principalmente as locais, eles foram
precedidos por manchetes sensacionalistas e apocalípticos alertas sobre
o caos, a destruição moral e o fracasso econômico.
Mesmo
que em alguns países, por exemplo, a dívida pública (líquida e bruta)
tenham diminuído desde 2002; a economia tenha avançado da décima-quarta
para a oitava posição do mundo; a safra agrícola tenha duplicado; o PIB
tenha saído de 504 bilhões para mais de 2 trilhões de dólares; e, apesar
disso, tenha sido reunida, entre dinheiro pago em dívidas e aplicações
em títulos externos, a quantia de 414 bilhões de dólares em reservas
internacionais em pouco mais de 12 anos.
Da
fabricação do consentimento que leva ao fascismo, e às terríveis
consequências de sua imbecilidade ilógica e destrutiva, não faz parte
apenas a exageração da perspectiva de crise.
É
preciso atacar e sabotar grandes obras e meios de produção, aumentando o
desemprego e a quebra de grandes e pequenas empresas, para criar, por
meio do assassinato das expectativas, um clima de terror econômico que
permita tatuar a marca da incompetência na testa daqueles que se quer
derrubar e substituir no poder, no futuro.
Criando,
no mesmo processo, “novas” e “inéditas” lideranças, mesmo que, do ponto
de vista ideológico, o seu odor lembre o de carniça e o de naftalina.
Como
se elas estivessem surgindo espontaneamente, do “coração do povo”, ou
dos “homens de bem”, para livrar a nação da “crise” - muitas vezes por
eles mesmos fabricada e “vitaminada” - e salvar o país.
Afinal,
é sempre com a velha conversa de que irá “consertar” tudo, corrigindo a
desagregação dos costumes e os erros da democracia, que sempre
apresenta como irremediavelmente, amplamente, podre e corrompida até a
raiz - como Hitler fez com a República de Weimar - que o fascismo
justifica e executa seu projeto de conquista e de chegada ao poder.
É
com a desculpa de purificar a pátria que o fascismo promulga e muda
leis - muitas vezes ainda antes de se instalar plenamente no topo -
distorcendo a legislação, deslocando o poder político do parlamento para
outros setores do Estado e para “lideres” a princípio sem voto.
É
por meio de iniciativas aparentemente “populares”, que ele desafia a
Constituição e aumenta o poder jurídico-policial do Estado no sentido de
eliminar, impedir, sufocar, o surgimento de qualquer tipo de oposição à
sua vontade.
Para
manter-se depois, de forma cada vez mais absoluta, no controle, por
meio de amplo e implacável aparato repressivo dirigido contra qualquer
um que a ele venha a oferecer resistência.
Aprimorando
um discurso hipócrita e mentiroso que irá justificar a construção,
durante alguns anos, de um nefasto castelo de cartas, do qual, no final
do processo, sobrarão quase sempre apenas miséria, desgraça, destruição e
morte.
É aí que está a imbecilidade ilógica do fascismo.
Tudo que eventualmente constrói, ele mesmo destrói.
Não
houve sociedade fascista que tenha sobrevivido à manipulação, ao ódio e
ao fanatismo de seus povos, ou ao ego, ambição, cegueira, loucura e
profunda vaidade e distorção da realidade de “líderes” cujos sonhos de
poder costumam transformar-se – infelizmente, depois de muito sangue
derramado - no pó tóxico e envenenado que sobra das bombas, das granadas
e das balas.
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