quinta-feira, 7 de julho de 2016

Quem lucra com os refugiados



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Carta Maior, 07/07/2016
 


Relatório mostra quem lucra com as guerras



Por Nika Knight, Common Dreams



Enquanto a Europa se conforma com a votação do Brexit alimentada em grande parte por um ódio xenofóbico, um novo relatório expõe como os especuladores das guerras estão influenciando políticas da União Européia para lucrar com os conflitos intermináveis no Oriente Médio bem como a onda de refugiados criada pela mesma instabilidade e violência.

O relatório Guerras nas Fronteiras: Os traficantes de armas lucrando com a tragédia dos refugiados na Europa, divulgado em conjunto pelo Instituto Transnacional (TNI) e pelo European Stop Wapenhandel na segunda-feira, destaca a busca dos comerciantes de armas pelo lucro nos conflitos intermináveis do século 21.

Há um grupo de interesse que tem se beneficiado somente pela crise dos refugiados, e em particular do investimento da União Européia (UE) em ‘proteger’ suas fronteiras”, diz o relatório. “São as companhias militares e de segurança que fornecem o equipamento aos guardas de fronteiras, a tecnologia de vigilância para monitorar fronteiras, e a infraestrutura da tecnologia da informação (TI) para rastrear os movimentos das pessoas”.

O relatório mostra que “essas companhias estão longe de serem beneficiárias passivas da generosidade da UE e que estão encorajando ativamente uma securitização crescente das fronteiras européias, e estão dispostas a fornecer cada vez mais tecnologias draconianas para fazer isso”.

Na década passada, o relatório mostra, os agentes corporativos viram a guerra difícil no Oriente Médio como um lucro inesperado: “muitas companhias internacionais grandes de armas se referiram à instabilidade no Oriente Médio para assegurar aos investidores sobre perspectivas de futuro em seus negócios. As companhias de armas são auxiliadas pelos governos europeus, os quais promovem ativamente armas europeias na região e são muito relutantes em impor políticas de exportação de armas mais rígidas”.

De fato, “de 2005 a 2014, os estados membros da UE garantiram licenças de exportação de armas ao Oriente Médio e para o norte da África com o equivalente de mais de 82 bilhões de euros”, de acordo com o relatório.

Ele detalha como um fluxo consistente de armas de fora do Oriente Médio supre todos os agentes em conflitos múltiplos, como a guerra civil na Síria, com um fornecimento interminável de armamentos de alta tecnologia – garantindo, assim, a duração longa desses conflitos.

E, enquanto essas guerras criam mais e mais refugiados que procuram asilo na Europa, as mesmas corporações estão pressionando a UE para securitizar suas fronteiras contra eles – criando assim lucro adicional para aqueles nos negócios da militarização.

Além do mais, o TNI e o Stop Wapenhandel descobriram que “representantes de indústrias, oficiais de governo e exército e equipes de segurança, se encontram ao longo do ano em conferências, feiras e mesas redondas”.

O relatório parafraseia Nick Vaughan-Williams, professor de segurança internacional da Universidade de Warwick, dizendo: “Nesses eventos, é possível identificar uma cultura cíclica na qual a apresentação de novas tecnologias não somente responde, mas também permite e avança na formulação de novas políticas e práticas no campo da segurança de fronteiras e gerenciamento de migração”.

E essas “feiras especiais e congressos sobre segurança de fronteiras são relativamente novos”, nota o relatório. “Todos começaram dentro da ultima década”.

“Eu acredito que a influência do exército e da indústria de segurança na formação das políticas de segurança de fronteiras da UE é muito grande, especialmente na securitização e militarização dessas e no uso expansivo de tecnologia de vigilância e troca de dados”,  disse Mark Akkerman da Stop Wapenhandel ao Common Dreams. “Os esforços da indústria incluem interações regulares com instituições das fronteiras da UE ( incluindo políticos e representantes de alto escalão), onde idéias são discutidas e que se tornam depois novas políticas da UE”.

“Por exemplo, a indústria tem pressionado por anos por uma atualização da [agência de fronteira da UE] Frontex para uma agência de segurança de travessias de fronteira”, disse Akkerman. “A nova Agência Européia de Guarda Costeira e Fronteiras proposta pela Comissão Européia, que tem muito mais poderes (tem seu próprio equipamento, intervenções diretas nos estados membros, decisões ligadas à pressões aos estados membros para fortalecer a segurança nas fronteiras) do que a Frontex tem agora, é exatamente isso”.

“Se o establishment da Agência Européia de Guarda Costeira e Fronteiras proceder”, nota o relatório, “significaria uma mudança fundamental para um sistema de segurança de fronteiras controlado pela UE, com a possibilidade de evitar os estados membros e forçá-los a fortalecer os controles e adquirir ou atualizar o equipamento”.

“Não é difícil prever que isso levará a um uso de rotas mais perigosas pelos refugiados, fortalecendo os negócios para os traficantes. Para as indústrias do exército e de segurança, no entanto, significa mais ordens da agência e dos estados membros”, continua o relatório.

Akkerman apontou a negligência da UE com os direitos humanos nesse processo motivado pelo lucro:

Os direitos humanos dos refugiados não têm papel importante nesse pensamento, exceto por motivos de promoção. Ambos os responsáveis pelas políticas e pela indústria às vezes tentam vender o aumento da militarização na segurança das fronteiras como um esforço humanitário, em termos de fortalecimento de pesquisa e resgate. A UE tem repetidamente tentado botar toda a culpa pelas mortes dos refugiados nos traficantes. Isso resultou no estreitamento da resposta para: “devemos retirar o modelo de negócio do tráfico” - com ainda mais meios militares para tentarem realizar isso.

Isso cria uma espiral descendente: quanto maiores os controles, maior a repressão e maiores os riscos que os refugiados são obrigados a tomar e que resultam em mais mortes. Experts e organizações de direitos humanos têm alertado sobre isso por anos, mas têm sido ignorados.

Enquanto sobe o número de mortes e um número recorde de pessoas deslocadas pelo conflito, parece que o lucro e o abuso aos direitos humanos irão prevalecer.

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