terça-feira, 5 de julho de 2016

Os efeitos estratégicos de tirar da Petrobras o papel de operadora única do pré-sal


http://brasilnomundo.org.br/entrevistas/tcu-na-contramao-do-desenvolvimento-nacional/#.V3_OeDXd0er



Brasil no Mundo, 05/07/2016




TCU na contramão do desenvolvimento nacional


Entrevista com Gilberto Bercovici*


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Celso Furtado, o primeiro petroleiro fabricado inteiramente com tecnologia nacional, batizado em homenagem a um dos grandes economistas do país. Foto: reprodução.
 
No final do mês de junho, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma auditoria e concluiu que a política de conteúdo local é danosa à Petrobras. Segundo o Tribunal, esta política é ideológica e faz da empresa vítima dos custos mais elevados e da demora na entrega dos equipamentos nacionais. A conjuntura nacional e, especialmente, o envolvimento de grandes empreiteiras na Operação Lava-Jato pressionam ainda mais para que argumentos como estes do TCU sejam mais evidenciados, pois as obras ficam ainda mais instáveis e têm os prazos comprometidos. Contudo, o professor titular de Direito Econômico da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Bercovici, rebateu as conclusões do TCU em entrevista à AMERI.

De acordo com o professor, até podem ocorrer certas situações em que o preço é mais alto e as entregas atrasam, pois o setor se encontra em fase de maturação e consolidação. Para Bercovici, a discussão central reside na pergunta: para que o Brasil está disposto a explorar o petróleo? Para criar empregos e gerar impostos no Brasil ou no exterior?


A Petrobras é responsável pela dinâmica de cerca de 15% de toda a atividade econômica do país a partir do setor de óleo e gás. Isto ocorre, entre outras coisas, por conta da política de conteúdo local. O que o senhor tem a dizer sobre a recente conclusão do TCU de que a política de conteúdo local é danosa tanto para o país quanto para a Petrobras?

O TCU é um órgão incompetente que não tem a mínima noção do que é uma política industrial, não sabe o que é uma política de desenvolvimento. O que o TCU sabe fazer é planilha (e nem isso eu sei se eles sabem fazer direito, haja vista a lambança que eles estão fazendo com esta história do impeachment).

Este argumento é absolutamente pueril. Primeiro porque é lógico que a política de conteúdo local é mais cara, pois se não custasse mais, não seria necessária esta política. Se você quer estimular a indústria brasileira, sendo ela mais cara que a indústria internacional, obviamente você vai ter que criar mais condicionantes de compra, de conteúdo obrigatoriamente nacional para estimular e desenvolver o setor.

Segundo, demora mais? Depende da capacidade instalada, da capacidade de fornecimento. Quando não se tem esta indústria totalmente instalada no país, como é o caso, que ela está se instalando, é óbvio que vai demorar mais, que vai ter mais dificuldades, mais atraso. No entanto isso não quer dizer que seja irrelevante, eles (o TCU) simplesmente olharam para as planilhas e fizeram uma conclusão errada.


Mas então por que defender a política de conteúdo local?

O que está em jogo com a política de conteúdo local é a capacidade do Brasil ser industrialmente forte e autossuficiente. Do contrário, a demanda brasileira criará emprego e gerará impostos na Itália ou Coreia do Sul, por exemplo, que vão lucrar exportando serviços e máquinas para a exploração e produção de energia no Brasil. Dizer que a política de conteúdo local é danosa ao país é um grande erro. Com ela o Brasil estimula e desenvolve as suas próprias capacidades de sustentar as demandas do setor sem ter que importar máquinas e equipamentos, produzindo-os nacionalmente, gerando emprego e impostos no Brasil, isto é, aumentando a geração de riquezas internamente e não em outros países.

Por que o projeto de lei do senador Serra (PLS 131/2015), costurado com o governo federal, que estabelece que a Petrobras tem preferência para dizer se quer ou não ser operadora única nos campos do Pré-Sal acaba sendo o mesmo que aceitar o projeto original, o qual somente retirava a obrigatoriedade da Petrobras, sem prever a preferência da empresa? Este projeto não aliviaria a empresa de tantos compromissos financeiros que ela não está em condições de sustentar?

Porque com a atual presidência da Petrobras, a empresa nunca vai se posicionar pela preferência da operação, o que vai ocorrer é que a Petrobras vai começar a abrir mão disto e deixar com que as empresas internacionais tomem conta do nosso petróleo.

É sempre bom lembrar que a Petrobras foi construída com o dinheiro do Tesouro, este é o limite dela, este é o lastro da empresa, o próprio Tesouro Nacional, daí a confiança que vários fundos de pensão e acionistas têm com as ações da Petrobrás. A empresa estatal tem a retaguarda dos recursos do Estado para cumprir seus acordos e compromissos financeiros.

O que ocorre é que o povo está assistindo “bestializado” a entrega da Petrobras para poucas pessoas, que nada têm de defensores dos interesses nacionais, são compromissadas consigo mesmas, fazendo da Petrobras um grande balcão de negócios para irrigar suas contas pessoais e sustentar o capital eleitoral de seus padrinhos políticos.


Mas a empresa não passa por sérios problemas de corrupção? Lembrando que em abril de 2015 a Petrobras chegou a considerar mais de R$ 6 bilhões em perdas contábeis por conta dos desvios ocorridos.

Em toda empresa tem corrupção, seja ela pública ou privada. O que ocorreu com a Petrobras foi que estabeleceram um método muito bem organizado para desviar os recursos. Os contratos eram superfaturados dentro de um limite que era aceitável pelo próprio negócio, a quantia desviada estava dentro da margem que cada contrato aceitava de sobrepreço. Por exemplo, a contratação de um determinado serviço que fosse orçado entre R$ 100 milhões e R$ 105 milhões, era fechado por R$ 102 milhões. Sendo R$ 100 milhões para a execução do serviço e os outros R$ 2 milhões eram desviados, ou seja, 2% de todo o contrato. Por isso que a própria PriceWater não conseguia detectar as fraudes, porque em termos percentuais o roubo era pequeno e passava batido pela auditoria por estar dentro da margem de negociação do próprio contrato. Em cada contrato era estabelecida uma margem diferente para ser desviada e isto fez com que não fosse possível determinar a real quantia que a empresa perdeu com corrupção.

A partir disso a PriceWater se recusou a assinar a auditoria das contas da empresa. Aí veio a então presidenta Graça Foster fazendo um verdadeiro estelionato contábil, considerando que todos os contratos que a empresa celebrou no período foram superfaturados em 3%, dando então em R$ 6 bilhões de perdas para a Petrobras. Isto é um absurdo! É uma arbitrariedade! Como eu disse, não se sabe quais são os percentuais de corrupção dos contratos e também não se sabe se todos os contratos foram superfaturados. E mesmo assim, por mais que R$ 6 bilhões seja muito dinheiro, para uma empresa do porte da Petrobras esta quantia está longe de ser alvo de grandes preocupações, muito menos ser argumento para alguns dizerem que a corrupção faliu a empresa.


Outro argumento recorrente é que o petróleo está se tornando um recurso obsoleto e em breve será ultrapassado pelas novas fontes de energia, portanto seria inteligente abrir o setor para o capital internacional explorar o petróleo o quanto antes.

Ouvi de um parlamentar, agora no dia 26 de abril que estive numa audiência pública em Brasília, que o petróleo está se esgotando e é uma espécie de “mico” para o Brasil. Aí eu digo: ainda bem que temos muitos amigos, como a Shell, a Chevron, que vão nos ajudar e pegar pra si este “mico”. Como são bondosas estas empresas, não?

No fundo, a discussão que está em pauta é a seguinte: Para que petróleo? É para estimular e desenvolver a economia nacional, gerando emprego e renda no Brasil? Ou todo este petróleo é para ser exportado pelas multinacionais, que remetem seus lucros para as matrizes sem nenhum compromisso com o desenvolvimento brasileiro?
 

*Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Faz parte do grupo de estudos “Geopolítica da Energia” (UFABC) e é coordenador-geral do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (UFABC).



http://www.aepet.org.br/noticias/pagina/13519/Estrella-Pr-sal-grande-oportunidade-no-uma-grande-ameaa




Jornal da AEPET, 03/06/16


"Pré-sal é grande oportunidade, não uma grande ameaça"


Diretor de exploração e produção da Petrobras entre 2003 e 2012, período em que foram divulgadas as informações sobre as imensas reservas brasileiras de petróleo e gás nessa camada mais profunda, Guilherme Estrella lembra que, com o pré-sal, o país deixa de ser energeticamente dependente para poder se projetar como o ‘Brasil que queremos’
“O Brasil tem um potencial enorme para se desenvolver e atender às necessidades de seu povo. A Petrobras pode contribuir e muito para isso, mas precisa continuar como uma ferramenta de Estado e de governo, afinal, num país em desenvolvimento é o Estado que conduz, com soberania, o desenvolvimento nacional.” Guilherme Estrella

Com mais de 40 anos como funcionário da Petrobras, o geólogo Guilherme Estrella é um dos diretores que passaram pela empresa que melhor conhece a história da companhia, sua capacidade e o papel central que a petrolífera brasileira no desenvolvimento nacional. De 2003 a 2012, foi diretor de Exploração e Produção da estatal. Foi neste período que a Petrobras e o governo federal divulgaram as informações sobre as imensas reservas brasileiras de petróleo e gás em águas profundas. Em entrevista exclusiva, Estrella destaca o papel da Petrobras para a independência e soberania do Brasil e deixa claro o porquê de ser conhecido como “pai do pré-sal”. 
Veja a entrevista abaixo:

A Petrobras como instrumento de desenvolvimento do Brasil…

Nesse ano e meio de nova gestão o governo tem se mostrado muito ausente, mesmo sendo o acionista majoritário da Petrobras. Isso passa uma imagem de descontrole. A empresa, na sua história, sempre refletiu o pensamento, a política e a ideologia do acionista controlador. E tem que ser assim mesmo. A Petrobras sempre foi uma ferramenta do Estado brasileiro, dada a sua importância social, econômica, política, tecnológica e cultural para o país. É inaceitável a ausência de controle do governo, principalmente, porque sugere para o corpo de empregados falta de controle. A Petrobras tem que ser uma empresa do Estado com políticas de Estado.
 

Um olhar sobre a dívida da Petrobras…
 
Temos uma dívida elevada, mas porque tivemos que investir muito nos últimos 12 anos. O Brasil de 2002 era um país energeticamente dependente. Não tínhamos soberania. Hoje, com a descoberta do pré-sal, nós temos a possibilidade de projetar o Brasil que queremos. Antes não era possível. Para isso foram necessários grandes investimentos. O pré-sal foi descoberto e iniciou-se a operações em tempo recorde. O setor petrolífero internacional fica surpreso quando vê essa capacidade e competência para explorar em águas profundas, com tecnologia nossa. A experiência profissional da Petrobras é ímpar. Estamos produzindo no pré-sal e não tem um acidente. Há um ou outro problema, mas grandes acidentes não há. Exploração e Produção nos faz lidar com riscos, imprevisibilidade. Furam-se 10 poços para achar um com óleo. Os banqueiros jamais financiariam isso. Também criamos uma infraestrutura de gás ligando o sul e sudeste ao nordeste. Então, o governo tem que retomar a gestão da companhia e participar diretamente, como acionista majoritário, da solução da dívida da empresa, afinal o Brasil recebeu de sua companhia de petróleo a soberania no século 21. Somos uma das colunas mestras da economia nacional.
 

Defender a Petrobras é dar oportunidade ao futuro que queremos…

A Petrobras tem um poder indutor do desenvolvimento nacional que é incrível. Por exemplo, o agronegócio brasileiro é outra coluna mestra da nossa economia, seja no consumo interno ou para exportação. Mas extremamente dependente de fertilizantes importados. O pré-sal vem com muito gás, não só pra gerar energia elétrica, energia para indústria e consumo doméstico, mas vem também com uma riqueza de nutrientes nitrogenados que resolve o problema de fertilizantes brasileiros. Mas esse potencial precisa ser aproveitado, para termos independência nesse segmento também. Tudo isso foi o governo que fez através da Petrobras, uma empresa feita por brasileiros, que descobriu petróleo no Brasil, não em lugares distantes como Indonésia, Austrália ou no golfo arábico, como acontece com as grandes empresas petrolíferas. O nosso petróleo está em Copacabana (Rio de Janeiro), está de frente com São Paulo (Santos). É uma dádiva da natureza, uma riqueza natural estratégica. Isso tudo é de um valor inimaginável na geração de empregos e no desenvolvimento de tecnologia.
 

A corrupção aos olhos do cidadão comum…

A corrupção está sendo investigada e tratada pela justiça. Mas o funcionário da companhia deve sempre se sentir orgulhoso de fazer parte dessa história vitoriosa, de uma empresa que, com 63 anos, dá ao Brasil a sustentação energética, a segurança alimentar por todo o século 21. Os Estados Unidos importa hoje cerca de 5 milhões de barris por dia. Por isso tem que manter a OTAN, que na prática serve para garantir o suprimento energético da Europa e dos EUA. Iraque, Líbia e Síria estão aí para provar isso, ou estão destruídos ou sem governo, instáveis, por ações da OTAN. A equipe técnica da Petrobras é de longe a melhor do mundo.


Inovação e desenvolvimento tecnológico…

Para se desenvolver tecnologia e investir em inovação é preciso um motivo. Ninguém faz isso sem objetivo, e tudo por conta do acaso. O motivo é a necessidade e quando você supera essa necessidade você transforma isso num processo de causa e efeito extremamente virtuoso. Quando se supera uma etapa já se abre o olhar para novos desafios e isso dá uma robustez. A Petrobras hoje desenvolve tecnologia todos os dias nas suas frentes operacionais. Isso já foi incorporado no processo produtivo do sistema. Antigamente nós tínhamos o “do poço ao posto”, depois o “do poço ao poste” e agora estamos no “do poço ao campo”, com os fertilizantes, e depois “do poço ao plástico”, com a petroquímica. Todo esse sistema é integrado a partir de um importante olhar do que seria uma empresa estratégica e complexa dentro de um país em desenvolvimento. Para tudo isso, a presença do Estado é fundamental. Os diferentes elos desse sistema estão submetidos a variações de mercado diferentes. Por isso, é importante manter essa integração porque você mantém uma “vacina” anticíclica, que compensa perdas e ganhos. Por exemplo, quando você tem o preço dos combustíveis remunerando bem, às vezes o preço de prospecção não está bom. Então a integração é condição para o equilíbrio e para manter o sistema estável. Quando você fragiliza um dos elos interfere em todos os demais.
 

A política de conteúdo nacional e um Estado soberano…

A estratégia do conteúdo nacional não pode ser acéfalo. Temos hoje dois modelos de desenvolvimento disputando o Estado brasileiro: um com enfoque na soberania e independência; e um outro extremamente dependente, privatista. A principal diferença entre eles é o “cérebro”. Falamos aqui da competência tecnológica, de conhecimento, de engenharia. Quando se coloca isso no exterior, mata-se a inteligência brasileira. O verdadeiro desenvolvimento de um país acontece quando o país possui instrumentos para resolver seus próprios problemas. Essa é a verdadeira soberania. A experiência nacional é fundamental e a indústria petrolífera tem um espectro de tecnologia e cadeia produtiva extremamente largos. Passa pela informática, mecânica, eletrônica. E manter esses sistemas de avanços científicos e tecnológicos em 20 anos nós seremos outro país.


A Petrobras e o golpe…

Estão querendo transformar o pré-sal de uma grande oportunidade em uma grande ameaça. Não é querer se isolar do mundo, mas estamos diante de uma perspectiva de desenvolvimento importante para o Brasil, os brasileiros, a engenharia nacional, a indústria de defesa, para a ciência e tecnologia, agricultura e a economia como um todo. Ter empresas estrangeiras participando da exploração do pré-sal é uma coisa, mas nos mantermos como controladores únicos é importante. Ter um estrangeiro operador é irreversível. É uma oportunidade que se deixa passar para o conhecimento e o desenvolvimento nacional. Afinal, essas empresas tem seus centros de pesquisas no exterior.
 

O plano de demissões apresentado pela gestão atual…

Voltando ao que falei sobre nosso modelo de sistema integrado, ele depende de um corpo técnico, administrativo e legal em longo prazo. É fundamental não apenas para fazer acompanhamento dos avanços tecnológico e operacional, mas para ir qualificando profissionais para as novas gerações. Para isso é fundamental um misto de experiência e conhecimento que nos dá confiança para tocar a imprevisibilidade cotidiana nas operações de prospecção, logística, refino entre outras da cadeia de petróleo. Por isso, dispensar gente experiente, que sabe lidar com as dificuldades de cada dia, é um contrassenso. Além disso, façam as contas, não apenas preocupados com enxugar gastos em período de crise. Mas é imensamente mais valioso o que está na cabeça das pessoas, que adquiriram experiência de como funciona o coração dos negócios. É uma riqueza insubstituível. Estão liberando o bem mais precioso. Demissões não podem sem uma ferramenta de gestão numa empresa petrolífera como a Petrobras. A empresa de hoje é resultado da transmissão entre gerações de competências, responsabilidades e de compromisso com o Brasil.


Combater a corrupção sem paralisar a atividade econômica…

É fundamental aplicar as leis contra os crimes. As empresas precisam ser investigas e penalizadas, mas não podem ser tiradas do grupo de fornecedores de bens e serviços da Petrobras. Porque na empresa esta a inteligência da engenharia brasileira e você não pode penalizar um corpo de profissionais porque os altos dirigentes foram envolvidos em corrupção. É preciso preservar essas companhias de capital privado nacional. E isso não é invenção nossa. Em 2008, quando dezenas de empresas americanas estavam sendo destruídas, em diversos setores, o que fez o governo dos EUA? Salvou aquelas empresas. Por quê? Elas são estratégicas para o país. Assim como a Petrobras as empresas de engenharia são estratégicas para o Brasil. Ali está uma parte importante da inteligência nacional e do que diz respeito ao desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil.

 

Jornal da AEPET, 03/06/16


Os efeitos estratégicos de tirar da Petrobras o papel de operadora única do pré-sal


​Por Marcelo zero



Qual é a maior empresa de petróleo do mundo? A Exxon? A Shell? A Chevron? A BP? Nenhuma delas.

As maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais — as chamadas national oil companies (NOCs).
Entre elas estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.
Numa estimativa conservadora, feita em 2008, antes do pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo.
Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.
Nem sempre foi assim.
Até 1970, as chamadas international oil companies (IOCs), as grandes multinacionais, as Sete Irmãs, dominavam inteiramente 85% das reservas mundiais de petróleo.
Outros 14% das jazidas eram dominados por empresas privadas menores e as NOCs tinham acesso a apenas 1% das reservas.
As estatais que existiam na época, como a YPF (Argentina), a Pemex (México), a Petrobras e a PDVSA, não tinham a menor influência real nesse mercado.
As IOCs faziam o que bem entendiam.
Ditavam a produção e o preço do petróleo e derivados no mundo, sempre com a perspectiva de curto prazo de obter o maior lucro possível e remunerar acionistas.
Fortemente verticalizadas, as Sete Irmãs se encarregavam da pesquisa, da prospecção, da produção, do refino e da distribuição.
Conteúdo nacional? Só o suor de trabalhadores locais de baixa qualificação. Tudo isso começou a mudar ao final da década de 1960.
O nacionalismo árabe, de inspiração nasserista, incitou uma onda de nacionalização do petróleo, que se iniciou na Argélia, em 1967, e na Líbia de Khadafi (o ódio do Ocidente a Khadafi não era gratuito), em 1969 e 1970.
Tal onda nacionalizante se estendeu rapidamente por todo o Oriente Médio, no início da década de 1970.
Governos nacionalizaram jazidas e expropriaram ativos das multinacionais para criar as suas próprias companhias de petróleo.
Em 1972, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Iraque, onde estavam as principais reservas mundiais, já tinham iniciado esses processos. Isso mudou inteiramente o mercado do petróleo.
Os governos passaram a se apropriar de uma renda muito maior da cadeia do óleo, até mesmo porque descobriram que as IOCs escondiam deles os reais custos de produção, reduzindo artificialmente a remuneração devida aos países.
E os Estados, não as Sete Irmãs, começaram a ditar o ritmo da produção e da comercialização do petróleo, não mais com a perspectiva de obter o máximo de dividendos no curto prazo, mas com o objetivo estratégico de maximizar o uso de um recurso natural finito e não renovável.
No âmbito internacional, esse novo domínio estatal permitiu que os países produtores, reunidos na OPEP, passassem a influenciar efetivamente o preço do petróleo, que se transformou numa commodity mundial.
Em 1973, após a Guerra do Yom Kippur entre árabes e israelenses, os países árabes impuseram um embargo aos EUA, à Europa e ao Japão, que apoiaram Israel, o que fez disparar os preços do óleo no mundo.
Foi o primeiro choque do petróleo, o qual teria sido impossível de realizar num mercado governado apenas pelos interesses das grandes multinacionais.
Ao longo da década de 70, o domínio estratégico dos Estados sobre o petróleo cresceu com a ampliação e a sedimentação dos processos de nacionalização das reservas, a criação de grandes companhias estatais e o fortalecimento das já existentes.
Significativamente, a onda privatizante que se verificou no mundo todo nos anos 80 e 90, sob o paradigma do neoliberalismo, não afetou, de modo substancial, o domínio estatal sobre a cadeia do petróleo.
Houve alguns episódios de privatizações totais ou parciais, especialmente na América Latina e no Leste europeu.
Na Argentina, por exemplo, ocorreu a privatização da YPF, a segunda estatal do petróleo a ser criada, em 1928. No Brasil, a Petrobras teve o seu capital aberto na Bolsa de Nova Iorque. Na Rússia, alguns setores da indústria de hidrocarbonetos foram também privatizados.
Contudo, o aumento dos preços do petróleo ocorrido a partir do início deste século provocou nova onda de nacionalizações e de criação de estatais.
Na Rússia, Putin reverteu as privatizações, conformando uma poderosíssima Gazprom. O mesmo ocorreu em países da Ásia Central, como o Azerbaijão e o Uzbequistão.
Na Bolívia, o governo Morales nacionalizou as jazidas de hidrocarbonetos. Na Argentina, o governo Kirchner desapropriou a Repsol, que havia se apossado dos despojos da YPF.
Essa tendência praticamente mundial ao controle estatal do petróleo não ocorre por acaso.
No estudo de mais de mil páginas intitulado 'Oil and Governance: State-owned Enterprises and the World Energy Supply', publicado em 2012 pela Cambridge Press e que analisa a experiência de 15 grandes NOCs (inclusive a Petrobras), os organizadores mencionam algumas fortes razões para o surgimento e a persistência dessa tendência.
Há, é óbvio, motivos políticos, como o apelo do nacionalismo e a conveniência de obter ganhos geopolíticos com o controle efetivo e direto de bens sensíveis e estratégicos como os hidrocarbonetos, como faz a Rússia, por exemplo.
Mas há também razões vinculadas estritamente à racionalidade econômica de longo prazo.
O controle direto das jazidas e da produção do petróleo permitiria, com maior facilidade:
1) Influenciar o preço dos hidrocarbonetos no mercado interno, conferindo, se necessário, subsídios em energia ao setor produtivo.
2) Instaurar políticas de conteúdo nacional, que se aproveitem das oportunidades e sinergias criadas pela produção de hidrocarbonetos para criar uma longa cadeia nacional do petróleo, estimulando indústrias e o setor de serviços.
3) Ditar o ritmo de exploração das reservas e de comercialização do óleo, conforme o interesse nacional e dentro de uma visão estratégica de aproveitar ao máximo a existência de um recurso natural finito e não renovável.
4) Gerar e obter informações detalhadas sobre as jazidas de óleo e gás, seu potencial e seus custos de exploração.
5) Desenvolver tecnologia própria relativa à cadeia dos hidrocarbonetos.
Alguns podem argumentar que pelo menos parte desses objetivos poderia ser alcançada sem a participação necessária de uma NOC.
Em tese, um bom modelo regulador tornaria possível a consecução desses objetivos estratégicos e de longo prazo sem a participação direta de uma estatal como grande operadora das jazidas.
A experiência internacional demonstra, contudo, que isso é muito difícil.
No estudo mencionado, entre as 15 grandes NOCs analisadas, somente 2 não são grandes operadoras: a NNPC, da Nigéria, e a Sonangol, de Angola.
Essas grandes companhias africanas desempenham funções básicas de regulação e não têm capacidade técnica de operar na prospecção e na produção dos hidrocarbonetos.
No caso da Nigéria, a análise mostra que o país não consegue controlar a contento seu setor petrolífero, base da economia nigeriana.
As grandes companhias multinacionais que lá atuam dominam inteiramente a produção e a prospecção e remuneram o Estado com base em suas próprias informações sobre custos e volume produzido.
A NNPC, por não ser operadora, não tem condições técnicas reais de avaliá-los. Também não há política efetiva de criação de uma cadeia de petróleo na Nigéria.
Soma-se a isso, uma péssima gestão da estatal e sua submissão a um sistema político fortemente fisiológico.
A NNPC não consegue ser nem operadora competente, nem reguladora efetiva do setor, apresentando um desempenho muito pobre. Desse modo, a Nigéria não tem a gestão estratégica de seu recurso natural mais valioso.
No que tange à Sonangol, embora o capítulo a ela dedicado a destaque como uma reguladora eficiente e estável, que não atrapalha as operações das multinacionais lá instaladas, as informações que chegam diretamente de Angola conformam um quadro muito ruim.
Conforme Francisco de Lemos Maria, que assumiu a presidência da empresa em 2012, o atual modelo operacional caracteriza-se pela crescente dependência da Sonangol, quer da contribuição de terceiros para a geração de resultados, quer de outsourcing de serviços, do básico ao especializado.
Segundo esse novo presidente, o sistema de hidrocarbonetos em Angola é “insustentável”.
Com efeito, a prometida “angolonização” dos insumos e dos serviços da cadeia do petróleo não funcionou e, agora, a nova presidência vem envidando esforços para transformar a Sonangol também numa operadora eficiente e robusta.
Parece haver, portanto, uma correlação positiva, entre ter capacidade de gestão estratégica dos hidrocarbonetos e contar com uma NOC que tenha efetiva capacidade de operar as jazidas.
É evidente que as NOCs não são uma panaceia em si e podem, inclusive, ser instrumento de distorções e ineficiências, especialmente em países com ralos controles democráticos da gestão estatal.
Mas a sua existência facilita muito, sem dúvida, a gestão estratégica dos recursos do petróleo por parte dos Estados nacionais.
Mesmo o tão elogiado modelo norueguês de gestão dos hidrocarbonetos, que contém elementos liberalizantes, se assenta, no fundamental, na Statoil, que opera, com muita eficiência, cerca de 80% das reservas de petróleo da Noruega.
Deve-se ter em mente que as grandes nacionalizações do petróleo na década de 1970 foram suscitadas essencialmente pela necessidade que os Estados detectaram de ter acesso a informações fidedignas sobre as jazidas e os custos de produção e operacionalização das atividades da cadeia do petróleo.
De um modo geral, as grandes multinacionais da época ocultavam essas informações dos governos, os quais, por não contarem com operadoras próprias, não tinham como aferir ou contestar os dados apresentados pelas empresas.
Por isso, a grande maioria dos governos não se limitou a mudar o modelo de regulação, mas também se preocupou em criar NOCs, como grandes operadoras, para dar sustentáculo prático e técnico aos novos parâmetros de gestão estratégica dos hidrocarbonetos. Afinal, informação é poder.
No caso da Petrobras, sua utilidade para o Brasil e sua competitividade única no mundo reside justamente nas informações e na tecnologia que ela detém. A Petrobras é a única, entre todas as grandes NOCs, que foi criada antes de haver a constatação da existência de reservas provadas de petróleo em seu território de atuação.
Todas as outras foram geradas num ambiente de certeza de reservas provadas e/ou de fácil nacionalização de ativos pré-existentes.
Desse modo, a Petrobras teve de investir pesadamente, desde o início, em prospecção e desenvolvimento próprio de tecnologia, principalmente de tecnologia de exploração em águas profundas e ultraprofundas, o que já lhe valeu merecidos grandes prêmios internacionais.
Por conseguinte, o grande diferencial da Petrobras, no concorrido mercado dos hidrocarbonetos, reside na sua tecnologia de vanguarda e no domínio das informações estratégicas sobre as jazidas, particularmente as do pré-sal.
Esse diferencial permitiu à Petrobras manter-se como a grande operadora do petróleo no Brasil, mesmo após os famosos contratos de risco da década de 1970 e da adoção do modelo de concessão, na década de 1990.
Pois bem, retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal pode subtrair da empresa esse diferencial único, e, do Brasil, a capacidade de gerir estrategicamente os fantásticos, mas finitos recursos do pré-sal.
De fato, a depender do ritmo dos leilões do pré-sal, a Petrobras não conseguiria participar da maioria, o que poderia resultar em seu alijamento da maior parte do pré-sal. Deve-se ter em mente que, num ambiente de crise e de estrangulamento das receitas, a tentação de acelerar, numa perspectiva de curto prazo, os leilões do pré-sal pode eclipsar as considerações estratégicas de longo prazo.
Para a empresa, tal alijamento resultaria num célere enfraquecimento e, provavelmente, numa dificuldade em honrar sua dívida contraída justamente para ter condições de explorar o pré-sal.
Todo o seu capital tecnológico e informacional poderia ser vendido ou perdido e ela acabaria se transformando, em um cenário mais pessimista e no longo prazo, numa grande NNPC ou Sonangol, dedicada a atuar secundariamente como reguladora.
Para o país, o quadro de alijamento da Petrobras da maior parte do pré-sal ou mesmo de parte significativa dele, provavelmente resultaria numa grande dificuldade para gerir estrategicamente os seus recursos oriundos dos hidrocarbonetos.
Encontraríamos, nesse cenário, obstáculos consideráveis para controlar o ritmo da produção, amealhar os royalties efetivamente devidos e implantar a política de conteúdo nacional.
Nesse sentido, retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal pode ser o início de seu fim e o começo sub-reptício de uma Petrobrax.
Pode ser também, num sentido maior, o início do fim de um Brasil desenvolvido, soberano e justo.
*Sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).

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