No última sábado (28/11), policiais militares (do 41º BPM) fuzilaram o carro de cinco jovens negros que voltavam do Parque de Madureira no Morro da Lagartixa, no Complexo da Pedreira, em Costa Barros. Segundo moradores do bairro que chegaram logo após a chacina, os policiais militares tentaram forjar um auto de resistência, impedindo inclusive o socorro às vítimas pelas pessoas que se encontravam no local. “Eles alteraram a cena do crime, pegaram a chave do carro da mão do motorista morto, colocaram lá dentro uma pistola para dizer que aqueles jovens eram bandidos”, disse um morador.
Os amigos de infância Roberto de Souza,
16 anos, Carlos Eduardo da Silva Souza, 16, Cleiton Corrêa de Souza, 18,
Wesley Castro, 20, e Wilton Esteves Domingos Junior, 20, são as novas
vítimas de mais essa chacina policial.
Os policiais que executaram os jovens
foram presos em flagrante – por fraude processual e homicídio doloso –
graças a população local que rapidamente denunciou a chacina, tanto pela
internet, em redes sociais, com fotos e vídeos, como testemunhando na
39º Delegacia da Pavuna.
Os assassinos são: Thiago Resende
Miranda, Márcio Darcy Alves dos Santos, Antônio Carlos Gonçalves e
também Fábio Pizza de Oliveira da Silva, este último preso apenas por
ter alterado a cena do crime.
“ […] Eles foram comemorar o
primeiro salário que um deles tinha recebido, quando soubemos dos tiros,
corremos para o local, quando cheguei lá meu sobrinho ainda estava
agonizando, tentei socorrer e fui impedida por esses monstros”, relatou a tia de uma das vítimas.
É importante esclarecer o papel da
polícia e o que significa mais essa chacina: que não é a primeira e nem
será a última. A polícia é uma ferramenta do Estado (classe dominante)
para o controle social e defesa da propriedade privada. Que cumpre seu
papel de controle social através da aplicação sistemática do terror –
terrorismo de Estado – contra a população pobre e negra. A execução de
jovens negros em favelas e periferias é parte do cotidiano. Não o
contrário. Portanto, não é despreparo ou mero desvio de conduta. A
polícia é preparada para matar e reprimir pobre.
Auto de resistência é licença para matar
Outro ponto a se destacar: é mais um
caso que por pouco não se enquadrou em auto de resistência. Prática
usual da polícia política da época da ditadura e que nunca acabou nas
favelas e periferias são as execuções sumárias que se “transformam” em
auto de resistência, que na verdade é licença para matar.
[…] “Então liguei a lanterna do
telefone e reconheci as vítimas, cai em lágrimas! Inclusive um eu vi
criança correndo e pulando comprando doces na venda da esquina.” Morador.
Pai de uma das vítimas, Carlos Henrique
do Carmo Souza disse que o filho Carlos Eduardo da Silva Souza tinha
acabado de concluir um curso de Petróleo e Gás e se preparava para
tentar concurso para a Marinha. “Eles chegaram a levantar os braços para fora e gritaram que eram moradores, mas não teve jeito“, inconformado.
Há 18 dias, ele teve outro familiar ferido vítima da violência. “Minha
enteada estava na porta de casa brincando quando foi baleada na perna.
Ela só tem oito anos e está com a bala alojada na perna. Minha esposa
ficou desesperada. Agora isso com meu filho“, disse Carlos, visivelmente emocionado.
Para o padrasto de Cleiton, Jorge Vieira, de 61 anos, os policiais não deram chance aos rapazes sequer de se identificar. “Nossos
filhos vinham do Parque de Madureira e esses policiais não deram chance
deles se defenderem. Não tenho nem palavras para falar. Minha mulher
está em estado de choque“, afirmou. Cleiton estava trabalhando em um lava-jato com os outros dois irmãos.
“Foi uma execução! Mataram o meu
filho e todos os colegas que estavam com ele. Eu fui ao Parque Madureira
com os meninos e passei pelo local dez minutos antes, e pouco depois os
policiais fazem uma desgraça dessa“, disse aos prantos, o estudante de direito Jorge Roberto Lima da Penha, pai de Roberto de Souza Penha.
Outros dois irmãos de Wesley e Wilton,
que estavam em uma motocicleta acompanhando o carro dos amigos,
conseguiram escapar dos tiros, mas caíram e se feriram levemente. Eles
informaram as famílias.
Não há saída dentro da burocracia e das instituições do próprio
Estado. Denunciar a polícia para a própria polícia não resolverá. Nunca
resolveu. Exemplos não faltam: a chacina de Vigário Geral (1993) os
policiais continuam livres, a chacina da Maré (2013) os policiais do
BOPE sequer foram julgados e tantas outras chacinas policiais. O Estado
não julgará a si próprio. O povo precisa cada vez mais se organizar e
encontrar suas próprias ferramentas de autodefesa contra esse Estado
terrorista.
Vídeo de morador:
os policiais executaram os cinco jovens e tentaram forjar auto de resistência.
O rosto do Rio de Janeiro hoje é o de Jorge, pai de Roberto
http://oglobo.globo.com/rio/
OGlobo.com, 30/11/2015
Jovens assassinados por PMs são enterrados no mesmo cemitério
Por Carina Bacelar
Por Carina Bacelar
RIO - ‘A dor é muito grande. Nenhuma mãe do Brasil nem do mundo
merece passar pelo que estou passando hoje. A gente tem que ser forte
para lutar pelos que estão ficando. O sonho do meu filho foi
interrompido.”
A frase da mãe de Wesley Castro, Rosileia Castro Rodrigues, foi dita com dificuldade, encharcada por um choro incontido que comovia a todos.
Era o fim trágico da história de uma turma de amigos que se conheciam desde pequenos. Wesley, de 25 anos, Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20, Cleiton Corrêa de Souza, de 18, Carlos Eduardo da Silva Souza e Roberto de Souza, ambos de 16, foram criados na Favela da Lagartixa, em Costa Barros. No sábado à noite, quatro policiais militares do 41º BPM (Irajá) executaram os cinco jovens com mais de 50 tiros, disparados contra o carro onde estavam as vítimas. Eles costumavam dividir as lajes e os campos de futebol da comunidade. Dividiram a própria morte, quando comemoravam o primeiro salário de Roberto em um novo emprego. Nesta segunda-feira, suas vidas, que apenas começavam, acabaram em covas do mesmo cemitério, em Irajá.
Protestos, lágrimas e desespero marcaram o enterro. As mães das vítimas passaram mal, precisaram ser amparadas para aguentar o cortejo até o fim. Nem a dor, nem a indignação podiam ser aplacadas.
— Quando eles botaram a mão fora do carro, foram metralhados. Foram cinco sonhos destruídos — repetia, quase sem forças.
Amigos exibiam placas. Cinco com os nomes das vítimas. Uma outra para chamar a atenção para o que vem acontecendo em Costa Barros, um grito de socorro: “A Síria é aqui”.
A mãe de Wilton, Márcia Ferreira Oliveira, fazia questão de contar como o filho era trabalhador. O Palio branco crivado de balas, que era dirigido pelo rapaz, fora herdado do pai, morto há um ano e três meses por problemas de saúde. Mas, antes, Wilton já havia comprado uma moto com dinheiro que juntara ajudando o velho a cuidar de uma pensão da família, em Fazenda Botafogo. Cada tostão era colocado num pote, até que, aos 18 anos, o jovem conseguiu a quantia para se dar de presente a motocicleta.
— Meu filho estava terminando (um curso técnico) de administração e contabilidade. Mês que vem, ia tirar o diploma. Bandido faz curso? Eu pagava com o meu sacrifício — disse Márcia.
A frase da mãe de Wesley Castro, Rosileia Castro Rodrigues, foi dita com dificuldade, encharcada por um choro incontido que comovia a todos.
Era o fim trágico da história de uma turma de amigos que se conheciam desde pequenos. Wesley, de 25 anos, Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20, Cleiton Corrêa de Souza, de 18, Carlos Eduardo da Silva Souza e Roberto de Souza, ambos de 16, foram criados na Favela da Lagartixa, em Costa Barros. No sábado à noite, quatro policiais militares do 41º BPM (Irajá) executaram os cinco jovens com mais de 50 tiros, disparados contra o carro onde estavam as vítimas. Eles costumavam dividir as lajes e os campos de futebol da comunidade. Dividiram a própria morte, quando comemoravam o primeiro salário de Roberto em um novo emprego. Nesta segunda-feira, suas vidas, que apenas começavam, acabaram em covas do mesmo cemitério, em Irajá.
Protestos, lágrimas e desespero marcaram o enterro. As mães das vítimas passaram mal, precisaram ser amparadas para aguentar o cortejo até o fim. Nem a dor, nem a indignação podiam ser aplacadas.
Abraçada à Bandeira nacional, a mãe de Cleiton, Mônica Aparecida
Santana, tinha no rosto a expressão da dor e falava sobre sonhos
destroçados.
— Quando eles botaram a mão fora do carro, foram metralhados. Foram cinco sonhos destruídos — repetia, quase sem forças.
Amigos exibiam placas. Cinco com os nomes das vítimas. Uma outra para chamar a atenção para o que vem acontecendo em Costa Barros, um grito de socorro: “A Síria é aqui”.
A mãe de Wilton, Márcia Ferreira Oliveira, fazia questão de contar como o filho era trabalhador. O Palio branco crivado de balas, que era dirigido pelo rapaz, fora herdado do pai, morto há um ano e três meses por problemas de saúde. Mas, antes, Wilton já havia comprado uma moto com dinheiro que juntara ajudando o velho a cuidar de uma pensão da família, em Fazenda Botafogo. Cada tostão era colocado num pote, até que, aos 18 anos, o jovem conseguiu a quantia para se dar de presente a motocicleta.
— Meu filho estava terminando (um curso técnico) de administração e contabilidade. Mês que vem, ia tirar o diploma. Bandido faz curso? Eu pagava com o meu sacrifício — disse Márcia.
Wilton se considerava irmão de Wesley. Márcia teve um relacionamento com o pai dele, o pedreiro Júlio César (que pediu que o sobrenome não fosse publicado). Foi com Júlio que Wesley começou a trabalhar, há mais ou menos um mês, como servente de uma obra em Petrópolis. Viajava na segunda-feira para trabalhar e só voltava na sexta. Sobrava pouco tempo até para o filho, de 2 anos, fruto de uma relação com uma ex-namorada. O jovem criava o menino com a ajuda da mãe, Rosileia, em Duque de Caxias.
Outra vítima, Carlos Eduardo, apesar de ter apenas 16 anos, cuidava da irmã caçula, de 5 anos — era para ele que ela corria quando aconteciam os tiroteios na comunidade, cada vez mais frequentes. Carlos sonhava em fazer curso de inglês, mas, segundo os professores da Escola Estadual Jornalista Rodolfo Fernandes, na Pavuna, já se destacava em português.
Cleiton, aos 18 anos, sonhava em ser marinheiro e se alistaria em janeiro. Enquanto isso, prestava serviços como auxiliar de entregas em caminhões. Dividia a atenção da mãe com mais seis irmãos. Morava com quatro deles na comunidade da Lagartixa.
Já Roberto, também de 16 anos, morava sozinho com o pai, Jorge Roberto Penha. Desde a morte do filho, ele não dorme. Acha que vai encontrá-lo ao computador, um dos vícios do menino. O grupo assassinado saíra justamente para comemorar o primeiro salário de Roberto como funcionário de um mercado por atacado:
— Não estou mais aguentando. Não tenho mais vida, perdi tudo. Não tenho mais esperança em nada. Eu quero que seja feita uma investigação rigorosa — disse Jorge Roberto.