Blog do Santayana, 15 de novembro de 2015
Je suis Paris - E também Bagdá, Trípoli e Damasco
Je suis Paris - E também Bagdá, Trípoli e Damasco
Por Mauro Santayana
Foram lamentáveis e brutais, sob todos os aspectos, os atentados ocorridos em Paris, que acarretaram centenas de mortos e feridos inocentes, franceses e estrangeiros.
Foram lamentáveis e brutais, sob todos os aspectos, os atentados ocorridos em Paris, que acarretaram centenas de mortos e feridos inocentes, franceses e estrangeiros.
Nas horas que se seguiram, na frágil cobertura da TV estatal
francesa, que parecia só dispor de uma equipe e entrava, ao vivo, em contato,
por telefone, com o seu repórter que estava no interior da Boate Bataclan, o
foco foi mantido na solidariedade e na reação das autoridades e do governo.
O Presidente François Hollande, com a mesma expressão
de perplexidade mostrada por George Bush em suas primeiras declarações no dia
do atentado às Torres Gêmeas, declarou que a França permanecerá unida, e que ela
será implacável em sua resposta ao EI, o Exército Islâmico - o grupo terrorista
que assumiu a autoria dos ataques - e que serão tomadas medidas de segurança
para que a situação não se repita.
A retórica, dos jornalistas e do governo, é a única resposta
que pode ser dada pelos franceses à situação de absoluta vulnerabilidade e
impotência em que a França se meteu, ao intervir em outros países.
Uma retórica que serve para disfarçar – com a costumeira
cortina de fumaça e de maniqueísmo – a crua e implacável realidade em que Paris
se encontra, do ponto de vista desses ataques, e das escolhas que fez, nos últimos
anos, em sua política externa.
Em primeiro lugar, porque há muito pouco que a França possa fazer para evitar novos atentados.
Se seus autores
forem apanhados, outros os substituirão, vindos de fora, ou recrutados
na periferia das grandes cidades francesas, onde muitos jovens, filhos
de emigrantes, precisam apenas de um pretexto para fazer explodir seu
ressentimento e sua frustração com a miséria e o desemprego, ou a falta
de perspectivas de futuro, em um continente onde não se sentem
bem-vindos, assombrado pela decadência e a crise, onde a extrema direita
floresce, alimentada pela xenofobia, o racismo e o preconceito.
Em segundo lugar, porque, por mais que sejam terríveis, para todos nós, e para as famílias enlutadas, os atentados em Paris em
nada diferem, em suas consequências
humanitárias, daqueles que ocorrem, todos os dias, em dezenas de lugares no
Afeganistão, no Norte da África e no Oriente Médio.
Por lá, pessoas
explodem, a qualquer momento, ou são
fuziladas, decapitadas, estupradas, às dezenas, por terroristas
originalmente
armados pelas mesmas potências
“ocidentais” que estão sendo atacadas agora - e por pseudo
“democracias”, como a
Arábia Saudita onde adúlteras são punidas a chibatadas e mulheres não
podem
sair de casa sem véu nem um homem que as vigie – com o intuito de
derrubar governos em países, que, independente da orientação política de
seus regimes, viviam em situação de paz e estabilidade.
No entanto, esses atentados, em outras partes do mundo, não
merecem matérias especiais de meia hora na televisão brasileira – afinal, é
melhor que nos identifiquemos com a “civilização” que queremos emular e com a
“democracia” que queremos emular - é muito mais conveniente, do ponto de vista do discurso de
doutrinação ideológica eurocêntrico e neoliberal, discutir a dor das famílias e
as medidas de segurança – absolutamente inócuas, diga-se de passagem - que devem ser supostamente adotadas - do que
revelar ao público o que está realmente por trás dos acontecimentos.
Nem se vêm nas camisetas e nos cartazes que rezam “Je suis
Paris”, em várias partes do mundo, espaço para frases como “Je suis Syrie”,
porque, claro, são muito mais importantes as mortes de Paris, do que aquelas
que ocorrem, literalmente, há anos, para lá de Bagdá, em lugares como Basra, Karbala ou Ramadi.
Finalmente, a pergunta que não quer calar, é a seguinte: se
Saddam Hussein e Muammar Kaddafi – com todos seus eventuais defeitos - estivessem
no poder e a Síria gozasse da mesma situação de estabilidade que tinha antes do início
– estimulado pelo “ocidente” – do trágico engodo da “primavera árabe”; se os
EUA – aliados da França – não tivessem armado
terroristas para atacar Damasco - os mesmos assassinos que hoje militam
e são a espinha dorsal do Estado Islâmico - os atentados de Paris teriam ocorrido?
Capitais europeias não eram atacadas antes da promulgação da “Guerra ao Terror”
pelos Estados Unidos, nem da “primavera árabe”, que gerou milhões de mortos e
refugiados, com a destruição de centenas de cidades; nem antes do envolvimento
da OTAN, a serviço dos EUA, com bombardeios na Líbia e
em outros lugares - contra governos que antes eram tratados, hipocritamente
como aliados pelo “ocidente” - em países em que crianças iam uniformizadas e
bem alimentadas à escola todos os dias, e não caçavam, para comê-los, ratos
entre os escombros de suas casas, como
agora.
Nunca é demais lembrar que quem planta vento, colhe tempestade.
Que os novos
atentados de Paris - e o pânico com os falsos alarmes que se seguiram -
sirvam de alerta ao Brasil - país em que convivem, em harmonia, judeus e
muçulmanos, e gente de todos os lugares do mundo - que, estimulado pela
doutrina
da repressão policialesca e pelo desejo de ser mais realista que o rei
de “especialistas” que cresceram vendo enlatados de espionagem
norte-americanos, está se metendo a “gato mestre”, criando
leis “antiterroristas”, que podem nos fabricar inimigos onde nunca os
tivemos.
Leis
que são, como podemos ver, pela vulnerabilidade e impotência dos países que as
adotam, tão supérfluas quanto inócuas e estúpidas.
Editoria/Internacional/O-11- de-setembro-europeu/6/34986
http://cartamaior.com.br/?/
Carta Maior, 16/11/2015
O 11 de setembro europeu
PorJeferson Miola
A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.
O mundo inteiro é afetado pelos desdobramentos da guerra travada pelas potências mundiais contra o Estado Islâmico, a Al Qaeda e outras organizações terroristas. Mas esta não é uma guerra mundial, e os países que estão no seu centro causal e na arena dos combates não enchem duas mãos: EUA, França, Espanha, Inglaterra e alguns aliados.
Com suas guerras de dominação e de exploração no norte da África e no Oriente Médio realizadas a pretexto de combater regimes tirânicos, as grandes potências esgarçaram completamente a relação com o mundo árabe-muçulmano. E, com isso, trouxeram para o continente europeu o mesmo inferno que instalaram nas ex-colônias.
Há poucos dias,
Tony Blair se desculpou pela “pequena falha” cometida na ocupação
criminosa e ilegal do Iraque em 2003. Ele reconheceu que eram falsos os
pretextos de George W. Bush de que o regime de Saddam estocava armas
químicas de destruição massiva.
Apesar desta fraude, Blair [que com a confissão deveria ser julgado pela Corte Internacional de Haia] mesmo assim considera válida a guerra não autorizada pela ONU contra o Iraque, que visava se apropriar das reservas petrolíferas e devastar totalmente a infraestrutura do país, para depois os capitais estadunidenses e ingleses “reconstruírem-no”.
No início da “guerra preventiva”, como ficou conhecida a cruzada contra o “eixo do mal” desatada por Bush após o 11 de setembro de 2001, apenas a Inglaterra, a Austrália e a Polônia atuaram diretamente na invasão do Iraque. Outros 45 países declararam apoio não-material e não-militar, e não condenaram o descumprimento da decisão da ONU.
Nos anos subsequentes, vários países – dentre eles, de modo marcante a França – passaram a buscar participação na partilha do butim das guerras. O país governado por François Hollande inclusive foi com sede ao pote; foi mais realista que o próprio rei: em 2011, convocou uma coalizão bélica da OTAN para invadir a Líbia e assassinar Muamar Kadafi, antes mesmo de Obama tentar obter autorização congressual para atacar aquele país.
As incursões das potências mundiais para combater o “eixo do mal” se replicaram nos últimos anos, multiplicando a violência, os conflitos e a diáspora de milhões de imigrantes desesperados que tentam chegar à Europa, onde são repelidos com insuportável inumanidade e desprezo. Alan Kurdi, o menino sírio de 5 anos, emborcado morto nas areias do litoral grego, é a imagem tenebrosa desta realidade.
Este
processo reabre feridas históricas, e reacende a memória da humilhação
ancestral dos descendentes árabes e muçulmanos que, na França,
representam parcela significativa da população total francesa. A cadeia
de transmissão hereditária reserva aos descendentes árabes e muçulmanos o
pior dos mundos na Europa: primeiro os avós e bisavós, depois seus
pais, agora eles e seus filhos, assim como seus netos e bisnetos,
estarão condenados à classe de sub-cidadãos.As políticas xenofóbicas e segregacionistas, juntamente com a inexistência de oportunidades iguais para os imigrantes e para os descendentes de imigrantes, ajudam a legitimar a cantilena doutrinária do Estado Islâmico, que é cada vez mais eficiente na cooptação de jovens destituídos de perspectivas de futuro.
O ataque à revista Charlie Hebdo em janeiro deste ano, também em Paris, foi um sinal da mudança de padrão da ação terrorista. A partir deste episódio, foram aperfeiçoados e integrados os serviços de inteligência e de monitoramento da União Europeia e dos EUA. Apesar disso, no último dia 13 o Estado Islâmico logrou perpetrar sete ataques praticamente simultâneos num intervalo de apenas 40 minutos. Isso evidencia a complexidade e a inteligência operacional desta organização, capaz de driblar os mais especializados serviços de inteligência do mundo.
A resposta impulsiva das potências à barbárie terrorista da sexta-feira 13 de novembro é mais guerra, mesmo que não se saiba qual nação será o alvo ao certo. A espiral belicista, sozinha, além de ineficiente, agrava consideravelmente a violência e os revides terroristas. O assassinato de Bin Laden não arrefeceu o ímpeto da Al Qaeda, como tampouco diminuiu a capacidade operacional do terrorismo.
Ao invés de promover a guerra de civilizações entre o ocidente e o islamismo, as potências dominantes deveriam entender que o inimigo principal está nas políticas empreendidas pelos seus governos com despotismo em todo o mundo, e de maneira mais acentuada no norte da África e no Oriente Médio.
Estas políticas são o verdadeiro ninho da serpente; são laboratórios de multiplicação do Estado Islâmico e de versões deturpadas do Islã. O problema não está no outro lado do Mar Mediterrâneo, mas dentro das fronteiras do próprio continente europeu, como revela a identidade dos terroristas. Dos cerca de 30 mil militantes do Estado Islâmico, mais de 2 mil deles são nacionais europeus. O horror desembocou na Europa de uma maneira perturbadora.
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