quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Quanto os deputados estão ganhando para revogar o Estatuto do Desarmamento





DCM, 04/11/2015


 

Quanto os deputados estão ganhando para revogar o Estatuto do Desarmamento



​Por Mauro Donato*


​Está tramitando e ainda falta ser votado em plenário, mas a bancada da bala deu mais um expressivo empurrão no país em direção ao abismo. O novo Estatuto de Controle de Armas revoga o Estatuto do Desarmamento.

Aprovada, sancionada e em vigor desde 2003,  a Lei 10826/03 determinava que somente poderiam portar arma de fogo os policiais civis, militares, federais e rodoviários, os integrantes das Forças Armadas, agentes de inteligência (algo em falta no mercado), agentes e guardas prisionais, auditores fiscais e profissionais de segurança pública ou privada (desde que em serviço).

Já o cidadão, mediante ou não a concessão do porte de arma de fogo, só pode adquirir uma arma desde que maior de 25 anos e enquadrar-se a uma série de outras restrições. A posse de armas em residências só é permitida em situações excepcionais.

Pelo novo texto, bastará ter idade mínima de 21 anos e obter o porte será algo tão simples como tirar habilitação para dirigir (o que nem é uma comparação descabida uma vez que com um carro na mão muitos o utilizam como arma letal). Aliás, algumas categorias profissionais como taxistas e caminhoneiros poderão ter armas em seus veículos sem nem precisar de porte. Não é genial?

E mais, a restrição para pessoas que respondem a inquérito policial ou a processo criminal também cai. Está liberado comprar o ‘cano’, sem problemas.

A proposta é tão escabrosa que recebeu 12 sugestões de alteração. Apenas uma foi acatada, a que trata de prisão em flagrante. Pelo texto original, se uma pessoa possui o registro e porte da arma e ficar evidenciado que agiu em legítima defesa, não poderia ser preso em flagrante.

Ao facilitar tanto a aquisição quanto o porte de arma, não é muito difícil concluir que prender alguém em flagrante ficaria mais difícil e o bangue bangue iria correr solto. De tão amalucada, esta foi a única das 12 alterações propostas a ser suprimida do texto.

Mas por que o interesse de parlamentares em reformar o estatuto? Estariam preocupados com a segurança da população? A resposta é a de sempre: o dinheiro.

Para as eleições de 2014, a indústria armamentista fez doações que totalizaram R$ 1,91 milhão (dados do Tribunal Superior Eleitoral). A Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e a Taurus custearam tudo e foram bem sucedidas. Todos os candidatos à Câmara dos Deputados (aquela de Eduardo Cunha) financiados pelas empresas foram eleitos.

Dos candidatos aos cargos de deputado federal, deputado estadual, governadores e senadores, 84% foram eleitos. Um dos poucos que não se elegeu mas que contava com uma graninha vinda das balas é Paulo Skaf (PMDB), aquele que reclama dos impostos desde que acorda até a hora em que vai dormir.

Quem mais recebeu doações do setor foi o deputado estadual Pedro Deboni Lupion Mello (DEM), com quase 150 mil reais. O segundo foi o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e temos também Onyx Lorenzoni (DEM-RS), Alberto Fraga (DEM-DF), Pompeo de Mattos (PDT-RS). Todos eles hoje compõem a comissão que discute a revisão do Estatuto do Desarmamento. Não é surpreendente?

O intuito da revogação do estatuto anterior é, portanto, absolutamente de interesse comercial. Pelo novo texto, o cidadão poderá ter até 6 armas em casa e o limite de munição para portadores de armamento pula de 50 balas por ano para 50 balas por mês. Multiplique isso por 220 milhões de habitantes e veja o potencial de mercado.

Para dar um caráter digamos “de legitimidade popular”, movimentos obscuros também transitam pela pauta. O presidente do Movimento Viva Brasil, Benê Barbosa, é um que está sempre em Brasília em companhia do pessoal do MBL e outros movimentos ‘patrióticos’.

Benê é uma figura sorumbática, amigo do peito de Rodrigo Constantino, Lobão et caterva, autor de um livro sobre o assunto. Para ele, o atual Estatuto “destoa da vontade popular. O chamado Estatuto do Desarmamento é uma norma agressora e impeditiva do exercício da opção individual por possuir legalmente uma arma de fogo.
Uma lei elitista e discriminatória.”

Ao dizer que a lei atual destoa da vontade popular, o presidente do Movimento Viva Brasil refere-se a um referendo popular ocorrido em 2005, que o governo promoveu para saber se a população concordava com a proibição da venda de armas de fogo e de munição em todo o território nacional. Deu “não”, a venda permaneceria legal porém as bases e restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento continuavam as mesmas.

Agora o projeto do deputado Rogério Peninha Mendonça do PMDB-SC, cujo relator é o também deputado Laudivio Carvalho do PMDB-MG retira praticamente todos os entraves que havia num estatuto em vigor há mais de uma década e que segundo estudos evitou cerca de 160 mil mortes. Os dados estão no relatório Mapa da Violência 2015, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo. A projeção de vidas ‘salvas’ foi feita a partir do dado que aponta 42.416 mortes por armas de fogo registradas em 2012. Com uma taxa de 21,9 mortes para cada 100.000 habitantes, estamos pau a pau com o Iraque cuja taxa é de 27,7.

Mas o PMDB e a respectiva bancada financiada pela indústria armamentista prefere levar o país da civilização para a barbárie.

Com a finalidade de me desmentir, simpatizantes da legítima defesa poderão alegar que o texto proíbe o porte de arma “em locais públicos onde houver aglomeração de pessoas em virtude de eventos tais como espetáculos artísticos, comícios e reuniões em logradouros públicos, estádios desportivos e clubes”. Bom, o mundo já está uma aglomeração só, então por coerência acredito que deveria estar proibido no mundo todo.

Nunca me esqueci de uma frase que ouvi de um professor no colégio sobre o porque era contra a que pessoas andassem armadas. “Se você andar sempre com uma caneta no bolso, inevitavelmente em algum momento a usará. Com um revólver é a mesma coisa. Eu achei melhor andar com uma caneta.
 
​*Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.​

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