Folha.com, 09/11/2015
O Judiciário é machista
Por Frederico Vasconcelos
Por Frederico Vasconcelos
O Blog adere ao movimento #AgoraÉQueSãoElas e agradece à juíza e escritora Andréa Pachá por ter aceito nosso convite e dividir com os leitores as suas inquietações sobre o Poder Judiciário e os direitos da mulher.
Andréa é titular da 4ª Vara de Órfãos e Sucessões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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A afirmação de que não há machismo na Justiça vem da mesma ideia de que uma mentira repetida muitas vezes vira verdade.
Afinal, como seria possível imaginar como machista um Poder cujo acesso se faz pelo democrático concurso público, onde não há desigualdade salarial e onde homens e mulheres estão investidos das mesmas funções?
Segundo os dados do CNJ, hoje as mulheres representam 36,9% do total dos integrantes da magistratura. Ainda assim, o STF só contou com 3 mulheres na sua composição.
Dos 98 ministros que integraram e integram o STJ desde a sua criação, apenas 8 foram e são mulheres, embora o mantra da igualdade continue sendo reproduzido.
Das três Associações nacionais – AMB, Anamatra e Ajufe – apenas a trabalhista foi representada por 3 mulheres em distintos mandatos.
Eu mesma, como Conselheira do CNJ de 2007 a 2009, fui a única mulher em um colegiado de 15 integrantes durante um ano.
Ainda não foi realizada uma pesquisa referente à participação das mulheres nos cargos da administração. Também não há números quanto às promoções e remoções por merecimento, mas não devemos ser surpreendidos, certamente.
O machismo, quando falamos de um espaço de poder, é mais sutil e só é percebido por aqueles que têm vontade de enxergar. Daí porque a negação insistente não só de homens, mas também de mulheres, de que exista desigualdade na profissão.
Uma juíza firme e exigente ser adjetivada como mal-amada não é vista como vítima de machismo.
As piadas sexistas são aceitas e desqualificadas como ofensas porque, afinal, brincadeiras não são manifestação de machismo.
Não são essas, no entanto, as questões com as quais gostaria de ocupar o espaço privilegiado e cedido pelo Frederico Vasconcelos para engrossar o movimento #AgoraÉQueSãoElas, afinal, mesmo diante do machismo existente na Justiça, temos voz, espaço e autonomia para, politicamente afirmar a igualdade. Somos mulheres investidas de poder.
O que parece fundamental é que sejam expostas as entranhas da chaga que contamina a dignidade e silencia as muitas mulheres que chegam ao Judiciário e que não encontram as portas abertas para que a igualdade não seja apenas um texto formal e constitucional dos nossos direitos.
Pensar as mulheres na Justiça é pensar nas mães dos presos, que são humilhadas com revistas íntimas e tratadas como bandidas, sem direito à dignidade para estar perto dos filhos.
Pensar no machismo na Justiça, é lembrar dos estupradores absolvidos porque violentaram meninas, com menos de 14 anos, que foram consideradas prostitutas em muitas decisões ao longo dos anos.
Refletir sobre a condição das mulheres, é afirmar a necessidade de política carcerária que impeça presas de parirem algemadas e amamentarem seus filhos nas celas coletivas.
Romper com o ciclo perverso do machismo é acreditar nos relatos de violência verbal e moral que chegam às delegacias e às varas especializadas na proteção das vítimas da violência, sem tratar as mulheres como provocadoras e culpadas pelas agressões sofridas.
Reconhecer o acesso à justiça para as mães que perdem os filhos violentamente e precisam da garantia para acompanhar o processo legal, com todas as provas a que todos deveriam ter direito também é uma necessidade urgente.
Não há justiça efetiva sem que tantas vozes sejam ouvidas e sem que essas mulheres se livrem da condição de vítimas do machismo e da invisibilidade.
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